Conforme indicavam as projeções, José Antonio Kast (Partido Republicano) foi eleito presidente do Chile no segundo turno das eleições realizadas neste domingo. O resultado saiu pouco antes das 19h30, com cerca de 57% das urnas apuradas, quando Kast tinha 59,16% dos votos. O ultradireitista assumirá o posto em um cenário político adverso, marcado por um Congresso sem maiorias definidas e por possíveis dificuldades na formação de um governo com uma direita fragmentada. A vitória de Kast sobre a candidata governista Jeannette Jara (Partido Comunista do Chile) o tornará o presidente mais à direita do país desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, há 35 anos. Contexto: Eleições presidenciais no Chile ocorrem em meio ao avanço da extrema direita, fadiga política e medo da violência Guga Chacra: Ultradireita no Chile será como a do Brasil e Argentina? Pouco após o resultado ser anunciado, Jara reconheceu a derrota e parabenizou seu adversário em uma postagem no X: "A democracia falou alto e claro. Acabei de falar com o presidente eleito para desejar-lhe sucesso para o bem do Chile", escreveu. Ela também expressou sua gratidão aos seus apoiadores e acrescentou que continuará "trabalhando para promover uma vida melhor em nosso país". O presidente do partido de Kast, Arturo Squella, confirmou a ligação telefônica entre os dois. Advogado de 59 anos, católico devoto e pai de nove filhos, Kast defendeu ao longo da campanha uma agenda rígida nas áreas de segurança pública e imigração. Entre suas principais promessas, estão a deportação de cerca de 340 mil imigrantes em situação irregular — em sua maioria venezuelanos —, a construção de um muro na fronteira com a Bolívia e o endurecimento do combate à criminalidade. Os temas também ocuparam o centro da campanha de Jara no segundo turno. Advogada de 51 anos e ex-ministra do Trabalho do presidente Gabriel Boric, ela ajustou o discurso para dialogar com um eleitorado que cada vez mais associa o aumento da criminalidade aos imigrantes sem documentação no país. Segundo uma pesquisa do Ipsos, de outubro, 63% dos chilenos veem crime e violência como suas maiores preocupações, embora especialistas afirmem que a percepção de medo supera os índices reais. Composição do Congresso chileno em 2026 Editoria de Arte / O Globo 'Pinochet sem uniforme' Após votar na comuna de Paine, a 40 km de Santiago, Kast foi ovacionado por uma multidão que gritava “presidente!”. Ele prometeu um governo de unidade caso vença o segundo turno. — Quem vencer (...) terá que ser presidente de todos os chilenos — disse Kast à imprensa após votar. Jara, por sua vez, votou em Conchalí, o bairro humilde de Santiago onde cresceu, e pediu um Chile sem ódio nem medo. Ela prometeu “combater de frente o tráfico de drogas e a corrupção”. — Vou votar em Kast porque ele me dá mais confiança. O comunismo nunca foi positivo em nenhum lugar do mundo — disse à AFP José González, um caminhoneiro de 74 anos, enquanto esperava na fila para votar no centro de Santiago. Cecilia Mora, uma aposentada de 71 anos, disse que votou em Jara para preservar os benefícios sociais e porque considera Kast “um Pinochet sem uniforme”. — Quero que meu país volte a ser tranquilo, onde se possa andar livremente pelas ruas sem medo de ter a carteira roubada. (...) Kast me lembra muito a ditadura [que deixou 3.200 mortos e desaparecidos entre 1973 e 1990] — disse À AFP. Entrave: Próximo presidente do Chile enfrentará resistência em um Congresso dividido No primeiro turno das eleições, há um mês, Jara (26,8%) e Kast (23,9%) obtiveram cerca de um quarto dos votos cada, com ligeira vantagem para a candidata de esquerda. Na conta final, porém, a direita somou 70% dos votos, o que fortaleceu Kast no segundo turno. Essa vantagem, no entanto, é enfraquecida por uma fragmentação interna em diferentes coalizões, apontada por analistas como um possível obstáculo à formação de um futuro governo. Alianças incertas Após a derrota no primeiro turno, a candidata da direita tradicional, Evelyn Matthei (Chile Vamos, 12,59%), e o candidato de extrema direita Johannes Kaiser (Partido Nacional Libertário, 13,94%) declararam apoio a Kast, embora as bases dessas alianças ainda não estejam claramente definidas. — O Chile Vamos participará do governo? Kast não disse nada nesse sentido, e os partidos de direita também não declararam se serão convidados para o Gabinete, nem se sabe como esses partidos reagirão — disse em entrevista ao GLOBO o professor Carlos Huneeus, da Faculdade de Direito da Universidade do Chile. Análise: Votos de populista podem decidir 2º turno entre comunista e ultraconservador no Chile A divisão também se reflete no Congresso. As eleições legislativas realizadas em paralelo ao primeiro turno renovaram o Parlamento e alteraram o equilíbrio entre governo e oposição. As coligações de direita, incluindo a de Kast (Mudança Pelo Chile), conquistaram 76 das 155 cadeiras da Câmara dos Deputados e 25 das 50 no Senado. Mas não está claro se todas as siglas de direita votarão com um eventual governo Kast. Essa crescente polarização do Congresso chileno também dificultou a governabilidade do presidente Boric, que não conseguiu aprovar reformas centrais de sua campanha (como a reforma constitucional, que colecionou duas derrotas), já que sua coalizão não obteve maioria parlamentar. Kast apoiou a ditadura militar e afirma que, se Pinochet estivesse vivo, votaria nele. Mas, nesta última campanha, evitou discutir esse e outros assuntos que poderiam lhe custar votos, como sua oposição ao aborto em qualquer circunstância. Investigações jornalísticas revelaram em 2021 que o pai de Kast, nascido na Alemanha, foi membro do Partido Nazista de Adolf Hitler. No entanto, Kast afirma que seu pai foi um recruta forçado do Exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial e nega que ele tenha sido um apoiador do movimento nazista. Se Kast vencer, “não devemos pensar que ele tem um mandato superforte para fazer o que quiser”, porque muitas pessoas estão votando nele por medo de Jara, estimou à AFP Robert Funk, professor de ciência política da Universidade do Chile. Elas votarão nele principalmente “apesar de seu apoio a Pinochet, não por causa de seu apoio a Pinochet”. Com AFP.