Para tratar dores, ansiedade e problemas de sono, milhões de americanos recorrem à cannabis, que agora é legal em 40 estados para uso medicinal. Mas uma nova revisão de 15 anos de pesquisas conclui que as evidências de seus benefícios são frequentemente fracas ou inconclusivas, e que quase 30% dos pacientes que utilizam cannabis medicinal preenchem os critérios para transtorno por uso de cannabis. Quando a mente avisa do perigo: roer as unhas, procrastinar e outras formas de autossabotagem O que é a síndrome vasovagal? Condição que fez Oscar, jogador do São Paulo, encerrar carreira — As evidências não comprovam, neste momento, o uso de cannabis ou canabinoides para a maioria das indicações para as quais as pessoas os utilizam — afirma Michael Hsu, psiquiatra especializado em dependência química e instrutor clínico da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e principal autor da revisão, publicada no mês passado no periódico médico JAMA. A análise surge em meio a uma crescente aceitação e normalização dos produtos à base de cannabis, uma indústria de 32 bilhões de dólares (cerca de 172 bilhões de reais). Para a revisão, especialistas em dependência química de centros médicos acadêmicos estudaram mais de 2.500 ensaios clínicos, diretrizes e pesquisas conduzidas principalmente nos Estados Unidos e no Canadá. Eles descobriram uma grande discrepância entre os objetivos de saúde pelos quais o público busca a cannabis e o que a ciência de referência demonstra sobre sua eficácia. Os pesquisadores diferenciaram entre cannabis medicinal, vendida em dispensários, e canabinoides de grau farmacêutico — com formulações contendo THC em baixa concentração, um composto psicoativo, ou CBD, um composto não intoxicante. Esses medicamentos, incluindo Marinol, Syndros e Cesamet, estão disponíveis mediante receita médica em farmácias convencionais nos EUA e têm apresentado bons resultados no alívio da náusea relacionada à quimioterapia, no estímulo do apetite de pacientes com doenças debilitantes como HIV/AIDS e no alívio de alguns distúrbios convulsivos pediátricos. A equipe descobriu que os próprios médicos não possuem um conhecimento sólido sobre cannabis medicinal. Eles citaram uma revisão de 2021 na qual apenas 33% dos médicos em todo o mundo estavam confiantes em seu conhecimento sobre cannabis medicinal, e 86% disseram que precisavam de mais formação. A dor é um dos principais motivos pelos quais as pessoas usam cannabis medicinal, mas a revisão não encontrou evidências que indiquem que a cannabis possa aliviar a dor aguda. Foram citadas as diretrizes de 2024 da Sociedade Americana de Oncologia Clínica, que afirmaram não haver evidências suficientes a favor ou contra a recomendação de cannabis para dor oncológica. O tratamento da dor crônica não oncológica apresentou resultados mais complexos. Diversas sociedades médicas, citadas pelos autores do JAMA, desaconselharam o uso da cannabis como terapia de primeira linha, devido à evidência limitada de sua eficácia. O alerta foi especificamente contra a inalação da cannabis, devido aos riscos de bronquite crônica e exposição a substâncias tóxicas. Mas eles destacaram uma análise de oito ensaios clínicos que constatou que algumas formulações com uma proporção maior de THC para CBD podiam aliviar a dor, embora não tivessem um impacto perceptível na função. Mesmo assim, consideraram que eram necessárias investigações mais aprofundadas antes de poderem chegar a uma conclusão definitiva. O desejo de dormir é outro motivo comum pelo qual as pessoas recorrem à cannabis e aos canabinoides. No entanto, os pesquisadores afirmaram que os estudos sobre o sono também apresentaram resultados fracos ou inconclusivos, o que impede que as principais organizações de pesquisa do sono façam recomendações contundentes. Muitos usuários diários que inalam ou ingerem cannabis antes de dormir atestam seu sucesso, observando que, se pulam uma noite, dormem mal — prova, segundo eles, de que a cannabis funciona. Mas Ryan Vandrey, professor da Universidade Johns Hopkins que ajuda a administrar o Laboratório de Ciência da Cannabis e não esteve envolvido na revisão do JAMA, aponta que o retorno da insônia pode sugerir outra coisa: o paciente está em abstinência de cannabis. — Se eles voltassem a ficar um mês sem usar cannabis, poderiam perceber uma melhora no sono. Mas a maioria nunca chega a esse mês, porque, depois de um ou dois dias sem dormir, se convencem: 'Ah, isso é a única coisa que me ajuda a dormir. Então preciso continuar usando' — diz. Para o tratamento da ansiedade, o novo estudo mostrou novamente resultados mistos com o uso de cannabis. Os pesquisadores citaram um ensaio clínico com 80 veteranos com PTSD que não encontrou diferença significativa nos resultados entre aqueles que receberam cannabis com diferentes dosagens de THC e aqueles que receberam placebo. Mas o CBD oral, como o encontrado em gomas, reduziu significativamente os sintomas de ansiedade, em comparação com pacientes que tomaram placebos, segundo uma análise de 2024 com 316 pacientes. No entanto, de modo geral, as sociedades médicas alertaram que o tratamento de transtornos psiquiátricos com cannabis pode exacerbar ou desencadear doenças mentais, incluindo psicose e ideação suicida. Pacientes também tentaram tratar a doença de Parkinson, o glaucoma e a artrite reumatoide com cannabis, mas os pesquisadores afirmaram que não havia evidências suficientes de que a cannabis ou os canabinoides fossem eficazes para tratar essas condições médicas. O termo "cannabis medicinal" geralmente se refere ao motivo pelo qual o cliente a utiliza, em vez de indicar algo específico sobre suas propriedades. — Existem alguns usos legítimos para esses compostos. E há todo um outro grupo de pessoas que dizem usá-los para fins medicinais, mas na verdade não os usam. Estão apenas racionalizando o uso recreativo — indica Kevin Hill, um dos autores da revisão publicada no JAMA e diretor da Divisão de Psiquiatria da Dependência Química do Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston. Sem um monitoramento confiável, segundo a análise da pesquisa, os produtos de cannabis vendidos em dispensários continuam em risco de contaminação por mofo, pesticidas e metais pesados. Assim, mesmo os consumidores responsáveis e diligentes na busca por produtos para seus problemas de saúde podem se frustrar, de acordo com Hsu, porque talvez não estejam obtendo o que esperam. O aumento das taxas de transtorno por uso de cannabis foi um dos principais motivadores para a realização de uma revisão da literatura científica, afirmaram os pesquisadores. Eles citaram uma metanálise de 2024 que mostrou que 29% dos usuários de cannabis medicinal apresentavam sintomas do transtorno. No início deste ano, uma pesquisa publicada no JAMA Psychiatry revelou que, entre os usuários de cannabis, 34% desenvolveram esses sintomas, que foram mais frequentes e acentuados entre aqueles que usavam a droga para fins medicinais do que recreativos. Nos últimos anos, os produtos à base de cannabis, em geral, tornaram-se mais potentes e mais viciantes. — Isso reforça a importância de se ter uma educação adequada e de se ter informações melhores tanto para médicos quanto para pacientes — afirma Hill. Considerando a variedade de riscos à saúde identificados associados ao uso de cannabis, os pesquisadores instaram os médicos a realizarem uma triagem mais completa do uso por seus pacientes e também a monitorá-los quanto a quaisquer interações medicamentosas potencialmente perigosas. E eles reiteradamente solicitaram ensaios clínicos robustos para determinar o uso e a dosagem corretos, uma medida de segurança essencial para seus pacientes. Vandrey, da Johns Hopkins, não está muito otimista: — Não há incentivo comercial para uma empresa gastar US$ 20 milhões em um ensaio clínico randomizado e controlado, porque elas podem vender seus produtos sem isso — conclui.