‘Nosso papel é criar um mercado de apostas seguro para a diversão’

O mundo dos negócios sabe bem: a regra de ouro para qualquer empresa ocupar seu espaço no mercado é fazer pesquisas e alinhar expectativas para oferecer aos clientes o melhor serviço. Não está sendo diferente com o mercado de jogos on-line e apostas esportivas de quota fixa — conhecidas como bets —, que foi legalizado em 2018 mas que apenas em janeiro de 2025 passou a vigorar plenamente. Da legalização até dezembro de 2023, quando o presidente Lula aprovou a Lei 14.790, definindo regras claras para operadores, apostadores e publicidade, o tempo transcorreu lento. A partir de então, muita coisa vem acontecendo. O mercado recém-nascido lida agora com desafios e sonhos. Quer crescer, expandir-se cada vez mais para proporcionar diversão aos seus clientes. Mas precisa enfrentar sua maior inimiga, a ilegalidade, que cresceu como erva daninha no hiato de tempo em que o Estado preferiu não se envolver. Para confrontar o ilícito que pode minar as boas expectativas, surgem as parcerias, não só entre empresas, como entre empresas e o poder público. Criada em 2022, a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) reúne pouco mais de 40 empresas, e exige, como requisito para se associar, que a corporação tenha licença federal. O advogado Plínio Lemos está desde o início à frente da organização e tem a exata medida das dificuldades enfrentadas para barrar as empresas ilegais. — Queremos que o mercado prospere por 40, 50, 100 anos. Mas precisamos que a mídia e os congressistas entendam que algumas mudanças propostas impactam mais a operação legal e aumentam a concorrência ilegal — disse ele. Na lista de mudanças desfavoráveis, Plínio Lemos inclui a Cide-Bets, medida recém-aprovada pelo Senado Federal que, se autorizada também na Câmara dos Deputados, fará incidir 15% sobre os depósitos feitos pelos apostadores. — Isso pode migrar os apostadores para o mercado clandestino — lamenta ele. Com a criação da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), em 2024, o governo federal estreitou o contato com o setor privado e, juntos, partem para o enfrentamento às ilegais. É dessa forma que, acredita Plínio Lemos, será possível criar um ambiente seguro para os apostadores, até para que as apostas preservem sua essência: ser entretenimento. “Nosso papel é criar um mercado de apostas seguro para a diversão”, afirma. Plínio Lemos fala aqui sobre os desafios e as expectativas do mercado. Qual a avaliação da ANJL sobre o processo de regulamentação das empresas de apostas? Plínio Lemos – A legislação é densa, boa, e acho que vai ser exemplo para o resto do mundo. Ela prevê detalhes, previne contra lavagem de dinheiro, tem um mecanismo muito bom, de autoexclusão. Existe diferença, para o apostador, entre as empresas federais? Plínio Lemos – No âmbito federal, elas têm a obrigação de fazer o reconhecimento facial dos apostadores, entre muitos outros compromissos. Vai ser um risco muito grande, de imagem, se autorizarem prefeituras a montarem bets exigindo apenas o CNPJ. (Após esta entrevista, no dia 3 de dezembro, o ministro Nunes Marques, do STF, determinou a suspensão de leis municipais que autorizavam o funcionamento de bets.) O senhor considera que a meta para o futuro do mercado das bets é tirar as empresas ilegais do caminho? Plínio Lemos – Esse é nosso grande desafio. O que tentamos mostrar, não só para a grande mídia como para os congressistas, é que qualquer mudança, nem que seja de 12% para 15% no valor do imposto, vai impactar mais a operação das legais e vamos concorrer com as ilegais. No dia 11 de dezembro, o plenário do Senado aprovou um projeto que cria contribuição sobre transferências para casas de apostas, a Cide-Bets. O que a ANJL pensa a respeito? Plínio Lemos – Ficamos muito preocupados. A Cide-Bets, se for aprovada na Câmara dos Deputados, vai significar 15% sobre os depósitos feitos pelos apostadores. Na prática, a medida fragiliza o ambiente legal, amplia o poder econômico de grupos que atuam à margem da lei. Nossa preocupação é que os proponentes da medida não tenham clareza sobre seus impactos. A criação de um novo imposto, justamente no momento em que o mercado regulado ainda se consolida, compromete a confiança de empresas que investiram bilhões na formalização do setor. Nosso apelo é para que os deputados reconsiderem a medida. Isso pode migrar os apostadores para o mercado clandestino. Por quê? Plínio Lemos – Basta ver exemplos: nenhum país do mundo obteve sucesso ao tributar depósitos de apostadores. A razão é simples: ao perceber taxação sobre o valor depositado, o usuário migra para operadores clandestinos. E tem mais: o operador de apostas atua como fiel depositário dos recursos do cliente — que continuam sendo do apostador mesmo após o depósito na plataforma. Tributar essa etapa seria o equivalente a cobrar imposto para que alguém deposite dinheiro em uma conta bancária ou carregue um cartão pré-pago. O medo é que as legais acabem desistindo se houver muitas mudanças de rumo por parte da União? Plínio Lemos – Sim. O GGR, por exemplo, já sofreu aumento de 12% para 18%, de 18% para 24%, agora parece que vai ficar em 18%, escalonado. Sabe o que aconteceria, numa hipótese de ser declarada inconstitucional a legislação que regulamenta as bets? As empresas legalizadas vão parar e o mercado vai ser infestado pelas ilegais. Não existe isso de não jogo, ele está aí. O que a gente precisa é torná-lo mais transparente, mais seguro, com regras duras de responsabilidade. Nosso papel é este, trabalhar para o mercado seguro onde todos possam se divertir, esse é o propósito. No ano que vem pretendemos botar esse tema em debate, mostrando que apostas não são meio de vida, mas sim diversão. Outro desafio, sobretudo por conta de as apostas serem on-line, é detectar as casas ilegais. A ANJL tem algum mecanismo para ajudar nessa busca? Plinio Lemos – Sim. Temos parceria com duas empresas de controle de movimentação — a Sportradar AG e a Genius Sports. Quando elas percebem alguma alteração na curva média de apostas, levantam a bandeirinha amarela. Mas, assim mesmo, ainda há fraudes. Qual a relação da ANJL com o governo federal? Plínio Lemos – Nossa interlocução maior é com a SPA, ligada ao Ministério da Fazenda, o centro ner voso. A relação é muito boa porque eles entenderam a responsabilidade, são muito sérios. Agora temos feito ações conjuntas também no combate ao mercado ilegal. Como é isso? Plínio Lemos – Vamos assinar um termo de cooperação e vamos financiar um laboratório que trabalhará dentro da Anatel identificando sites ilegais, meios de pagamento. A equipe será capacitada para enviar relatório imediatamente para a SPA quando identificar um operador ilegal. Estamos em testes há cerca de um mês, fazendo algumas correções de rota. A utilização do Pix estimula mais o mercado ilegal? Plínio Lemos – O Pix é o grande motor dessa nossa indústria. Nos outros países há uma forma de pagamento mais lenta, usam muito o cartão de crédito. Por outro lado, sim, foi um grande foco de fraudes, até se instalar um sistema que funciona assim: só aceita CPF como Pix, e só devolvemos o prêmio para o CPF quando o jogador for identificado com identificação facial duas vezes.