Pasto onde havia água: imagens aéreas revelam cenário árido em represa do Sistema Cantareira, SP

Placas de madeira que indicam a direção de um "Píer" ou de uma "Prainha" na represa Jaguari-Jacareí agora apontam para um vasto descampado poeirento, onde o gado pasta tranquilamente no local que deveria estar submerso. A paisagem traduz visualmente o alerta aceso pelos números do Sistema Cantareira, que chegou a romper a barreira simbólica e técnica dos 20% de volume útil. Leia mais: Com o Cantareira em situação crítica, Sabesp ativa captação extra na Serra do Mar Veja também: Prefeitura de Ilhabela suspende início de taxa de turismo após TCE SP barrar licitação A imensidão azul deu lugar a "veias" expostas, com filetes de água barrenta entre bancos de areia, desenhando o retrato da crise apontada pelos dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e da SP Águas. Na última segunda-feira (8/), o nível chegou a 19,66%, e, embora chuvas recentes tenham elevado o índice para 20,6%, o risco permanece crítico. Vista de uma placa e da barragem Jaguari-Jacarei durante uma seca que afeta o estado de São Paulo NELSON ALMEIDA / AFP A represa Jaguari-Jacareí, uma das principais desse sistema e protagonista das cenas de seca, registra 17,9% de sua capacidade, a pior marca desde a crise hídrica de 2014. A situação exigiu a ativação do bombeamento de água da bacia do Rio Paraíba do Sul, medida mandatória quando o nível cai abaixo de 30%. Quem vive às margens da represa acompanha com apreensão o recuo acelerado das águas, que transformou a geografia local em poucos meses. Daniel Bacci, proprietário da pousada às margens da represa, relatou à AFP que, ainda em janeiro, o nível da água alcançava a linha da vegetação verde. Mas, o cenário mudou drasticamente a partir de agosto, quando a água começou a baixar sem trégua. Embora reconheça a existência de ciclos naturais de estiagem a cada década, ele avalia que o fenômeno atual está muito mais intenso, agravado pela crise climática. Vista aérea da barragem Jaguari-Jacarei durante uma seca que afeta o estado de São Paulo NELSON ALMEIDA / AFP — Muito, muito medo. A gente vê, dia após dia, isso diminuindo. Essa semana a gente teve um pouco de chuva, mas não foi nada suficiente para mexer com a água. E a gente vê ela indo embora Para você ter uma ideia, o nosso píer faz três meses que a gente não mexe mais nele e a água foi embora já. Os animais também já estão chegando pertinho — desabafa o morador, apontando para a estrutura náutica agora inútil em terra firme. Mesmo com a leve recuperação recente, o horizonte a médio prazo coloca o abastecimento diante de um risco iminente. Caso o volume do sistema permaneça inferior a 20% na virada para janeiro de 2026, será ativada automaticamente a "Faixa 5 – Especial". Seria a estreia deste estágio, o mais rigoroso previsto na resolução criada após o trauma de 2014. Para evitar o colapso, a Sabesp inaugurou uma nova estrutura que permite trazer até 2.500 litros por segundo da bacia do rio Itapanhaú, na Serra do Mar, para o Sistema Alto Tietê, tentando equilibrar a complexa equação hídrica da Grande São Paulo. Oscilação e Alerta no Cantareira A análise da série histórica do Sistema Cantareira revela uma trajetória de instabilidade desde a severa crise hídrica de 2015. O gráfico evidencia que, após o período crítico em que o sistema operou com níveis negativos (volume morto), houve uma recuperação gradual, porém inconsistente. Ao longo da última década, os reservatórios viveram uma "gangorra" hídrica: embora tenham alcançado picos de armazenamento confortáveis — chegando a ultrapassar a marca de 75% entre 2023 e o início de 2024, impulsionados por volumes robustos de chuva —, a segurança hídrica mostrou-se frágil diante de variações no regime de chuvas. Mapa da rede de represas do Sistema Cantareira em São Paulo Criação/O GLOBO Segundo dados da Sabesp, a curva de volume útil armazenado apresenta uma queda vertiginosa nos últimos meses, despencando do seu ponto mais alto recente para patamares que rondam os 25%, uma retração acelerada que elimina os ganhos do ano anterior. A correlação com a escassez hídrica é evidente, já que o regime de chuvas tornou-se irregular e com volumes inexpressivos no período recente. Esses baixos índices têm sido insuficiente para compensar a demanda de consumo e a evaporação, empurrando o sistema novamente para um estado de pressão crítica. Em 1º de outubro, o Sistema Cantareira entrou na faixa 4 (restrição) após três anos. A entrada na Faixa 5 implica em uma redução severa na capacidade de exploração do manancial. Atualmente, operando na Faixa 4 (Restrição), o limite de retirada é de 23 metros cúbicos por segundo (m³/s). Se o nível crítico se confirmar, a autorização de retirada despenca para 15,5 m³/s. Para mitigar o impacto de um eventual acionamento da Faixa Especial, a Sabesp poderá recorrer também à vazão transposta do reservatório da Usina Hidrelétrica Jaguari. Mediante autorização dos órgãos reguladores, essa manobra permitiria um aporte adicional de até 8,5 m³/s, servindo como um "respiro" para o sistema que atende cerca de nove milhões de pessoas. Situação do Sistema Cantareira Reprodução/Sabesp Chuva traz alívio pontual Apesar da leve oscilação positiva, a tendência de médio prazo permanece negativa e preocupante. Desde 24 de outubro, quando a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) instituiu o atual plano de contingência, o sistema perdeu quase quatro pontos percentuais de sua capacidade, caindo de 28,7% para o patamar atual. Este é o terceiro ano consecutivo com chuvas abaixo da média em São Paulo, e o volume de água armazenada segue em queda. Lançado em outubro deste ano, o plano já obriga a Sabesp a reduzir o volume de água retirado dos mananciais. Vista aérea do solo rachado em uma área que antes ficava submersa na barragem Jaguari-Jacarei NELSON ALMEIDA / AFP Segundo César Soares, meteorologista da Climatempo, o ano de 2025 foi severo com as áreas de captação, com chuvas acima da média registradas apenas em abril. No entanto, as projeções indicam uma virada no padrão climático. — O cenário para os próximos meses é muito favorável às chuvas nas áreas de captação, segundo a previsão da Climatempo a tendência é de chuva acima da média, inclusive no início do ano de 2026, boa notícia para amenizar a condição de seca do principal manancial de abastecimento da Grande São Paulo — avalia Soares. Apesar do otimismo, o especialista alerta que será necessário manter o monitoramento durante todo o próximo ano, inclusive na estação seca, para confirmar se haverá uma recuperação plena dos níveis de armazenamento. Protocolo de Crise Para gerenciar a escassez, vigora atualmente a "Faixa 3" do protocolo de crise. Na prática, isso significa que a Sabesp realiza a redução da pressão na rede de distribuição por 10 horas diárias. O objetivo é diminuir perdas com vazamentos e forçar uma economia natural no consumo. A mudança de patamar não é imediata: para que as restrições fiquem mais severas, é necessário que o nível do sistema permaneça abaixo do limite da faixa por sete dias seguidos. Já para relaxar as medidas e voltar a um estágio anterior, a recuperação deve se sustentar por duas semanas consecutivas. A barragem Jaguari-Jacarei faz parte do sistema de barragens da Cantareira de São Paulo, que abastece 46% da região metropolitana de São Paulo NELSON ALMEIDA / AFP Por ora, a determinação dos órgãos reguladores (ANA e SP Águas) mantém o Cantareira na faixa de restrição durante todo o mês de dezembro, reforçando a importância da nova adutora do Itapanhaú para equilibrar a oferta de água na metrópole. O sistema entrou em alerta em setembro, quando o volume caiu abaixo de 40%, e só pode contar com reforço da transposição do Paraíba do Sul quando o armazenamento fica abaixo de 30%. Com o nível global agora em 19,7%, o quadro acende novo alerta para o abastecimento da Grande São Paulo.