Presente em 70% dos testes positivos, cocaína é a substância mais comum nos exames toxicológicos para CNH

A partir do próximo ano, candidatos à habilitação para carros e motos — as categorias A e B — serão obrigados a apresentar um exame toxicológico negativo para obter a primeira carteira, exigência que já existe desde 2016 para guiar caminhões, ônibus e carretas. Levantamento feito pelo GLOBO junto ao Ministério dos Transportes mostra que, só em 2025, 97 mil postulantes à autorização para dirigir nas categorias C, D e E foram reprovados no teste. Em cerca de 67 mil casos, ou 70% do total, a droga detectada foi a cocaína ou seus metabólitos. Pará: Funcionário do Ibama morre durante retirada de invasores da Terra Indígena Apyterewa Extrateto de R$ 4,5 bi: Estudo mostra que advogados da AGU receberam, em cinco anos, acima do valor permitido A benzoilecgonina — formada pela metabolização da cocaína no corpo e o principal sinal de consumo no organismo — é a substância que mais aparece na lista da pasta, com quase 46 mil detecções. O cocaetileno, que surge quando há mistura entre a droga e álcool, e a norcocaína, um metabólito da cocaína com potencial anestésico, completam o quadro. — A cocaína é um estimulante. O indivíduo usa para ficar mais tempo acordado e tem a ilusão de que vai render melhor, mas não percebe que também está se expondo cada vez mais ao cansaço extremo, e isso faz com que ele perca a capacidade de julgamento, o que pode acarretar acidentes — explica Álvaro Pulchinelli Júnior, médico especialista em toxicologia e presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica. Duas substâncias não ligadas à cocaína aparecem entre as mais comuns: opiáceos e anfetaminas. Os opiáceos, que surgiram em 19.275 exames este ano, estão presentes na codeína, na morfina e na heroína. Já as anfetaminas, constatadas em 10.415 testes, são encontradas no rebite, no nobésio e na chamada “bolinha”, que têm substâncias encontradas em drogas como femproporex, mazindol e anfepramona. Segundo Pulchinelli, as anfetaminas só não aparecem mais nos toxicológicos por serem de obtenção mais difícil: — Os opiáceos são medicamentos para dor. O paciente tem uma dor crônica e faz uso inadequado. Com a utilização excessiva, eles geram efeito contrário ao da cocaína, deixando o motorista mais lento. Se, com a cocaína, o individuo perde a noção de exaustão, no caso dos opiáceos ele perde a noção de distância, profundidade — detalha o médico. — Já os rebites são as anfetaminas. Elas atuam obre o sistema nervoso central, dando sensação de euforia. O indivíduo fica com menos sono e com a sensação de que pode produzir mais, aumenta a frequência cardíaca e arterial. Aí, acha que está bem, mas entra em um estado de letargia, quase de hipnose, o que pode acontecer durante a viagem. Queda nos acidentes A mudança na legislação, em 2016, que tornou obrigatório o exame para motoristas profissionais que transportam passageiros, mercadorias ou cargas, chamada Lei do Caminhoneiro, teve efeito logo nos primeiros anos de aplicação. De acordo com pesquisa do Ministério Público do Trabalho e do Tribunal Regional do Trabalho em Mato Grosso do Sul, houve queda de detecção de drogas em exames toxicológicos no estado de 34%, em 2015, para 13,9% em 2019. Já um levantamento do SOS Estradas, que reúne especialistas voltados para segurança viária, apontou, na comparação entre 2015 e 2017, uma queda de 34% nos acidentes com caminhões, e de 45% naqueles envolvendo ônibus: — A mudança ajudou a reduzir o número de acidentes, combateu a exploração das empresas sobre os caminhoneiros e atrapalhou a logística do crime organizado, que usava o vício de motoristas para coagi-los a transportar drogas ilegais — pontua Rodolfo Rizzotto, coordenador do grupo. Rizzotto, porém, cobra também medidas de prevenção: — Defendo a implementação de um exame randômico. Você receberia na sua CNH digital um alerta dando 30 dias para apresentar um laudo negativo. Substâncias ilícitas ficam no organismo por 90 dias, e são detectadas no exame com fio de cabelo. Além disso, temos buracos na fiscalização: a Lei Seca, por exemplo, não para ônibus ou caminhões.