Voices 2025: Yamê Reis e Oskar Metsavaht debatem o algoritmo da moda

Para estilistas e pesquisadores, um dos maiores desafios vivenciados pelo segmento de moda no Brasil é a ausência de políticas públicas que estimulem o descarte responsável e possam frear a cultura do consumo excessivo alimentada por algoritmos. Os especialistas concordam que a tecnologia é uma aliada nesse processo, mas o custo da inovação ainda é alto para os envolvidos na cadeia da moda e, por isso, demanda incentivos fiscais. Durante o Voices 2025, Yamê Reis, fundadora da Rio Ethical Fashion e do Instituto Muda Mais, ressaltou a urgência na implantação de políticas públicas para estimular a reciclagem da produção da indústria da moda: — O desafio hoje não é descobrir soluções em termos de tecnologia para o problema do consumo e do descarte excessivo, porque elas já existem e são muitas. Falta implementação, e isso tem muito a ver com política pública. Durante o painel “O algoritmo da moda”, Yamê enfatizou a responsabilidade da indústria nas emissões de gases de efeito estufa. Empenhada em disseminar a cultura da sustentabilidade na moda, a ativista chamou a atenção para a atuação dos algoritmos que influenciam a sociedade e aumentam o consumo e ela ressalta a cultura do fast fashion, o que resulta no descarte inadequado. — A cadeia da moda, no mundo, responde entre 5% e 8% das emissões de gases de efeito estufa, sendo comparável às emissões de transportes aéreos e marítimos. Além disso, 70% produzido por essa indústria são descartados de forma incorreta, sendo direcionados a países do hemisfério Sul, como ocorre no Chile. A inovação tem contribuído, sobretudo na questão dos materiais sustentáveis. Yamê citou o trabalho da pesquisadora paraibana Thamires Pontes, fundadora da startup Phycolabs, que transforma algas marinhas em fios têxteis. — Temos muita tecnologia para soluções sustentáveis, mas ainda faltam incentivos fiscais para impulsionar essas iniciativas. Biodiversidade rica O olhar da tecnologia de ponta para o desenvolvimento de fios representa o futuro da moda na visão de Oskar Metsavaht, fundador da marca Osklen. Para o empreendedor, que também é ambientalista, o Brasil tem total condição de assumir a liderança no desenvolvimento sustentável da indústria da moda, mas precisa avançar mais em políticas públicas nesse segmento. — Ajudamos a colocar esse tema no mapa, e o mundo espera isso de nós. Temos uma biodiversidade rica e sabemos conviver com a natureza — afirmou. Sobre o papel da inteligência artificial no processo de produção, Metsavaht enxerga mais potencial que ameaças. Na visão dele, a IA pode ampliar a visão sobre conceitos de matérias-primas, possibilidades e referências. O algoritmo pode ser ainda um instrumento para potencializar a questão ambiental e otimizar propósitos, ressaltou. Por outro lado, Metsavaht chamou a atenção para os custos da inovação, ainda muito altos. — Sustentabilidade é inovação, que custa caro por não ter escala. É um custo a mais para a academia, para a pesquisa e para a indústria. Os produtos sustentáveis são mais caros, porque toda cadeia produtiva é de inovação — observou. Porém, não basta ter tecnologia, é preciso promover uma mudança na cultura da sociedade, ressaltou Metsavaht, preocupado com o consumo excessivo e o estímulo ao fast fashion. — O fast fashion, que muitos de nós aplaudimos por ter preço viável, tem o seu custo: os lixões no Atacama, no Chile. Quando se consome muito a moda, também se consomem muitos materiais, muita água e energia. A tecnologia como tendência na moda é muito positiva, ressaltou Yamê. Porém, a fundadora da Rio Ethical Fashion, também coordenadora de design de moda do Instituto Europeu de Design, teme o avanço do algoritmo que fomenta o consumo. — É obrigação das marcas encontrarem a fórmula de mudar essa cultura do superconsumo, da hiperprodução, do fast fashion que está dominando o ecossistema da moda. Quando a gente achava que tinha se livrado do fast fashion, aparecem os gigantes digitais, que passam por cima de processos de criação de moda, fazendo com que nosso desejo seja dominado pelo algoritmo — provocou Reis. Para Metsavaht, nós, como sociedade, precisamos também assumir responsabilidades para nos tornar mais conscientes em termos de consumo. — Consumimos demais. Buscamos estética, beleza, status com produtos mais viáveis, mas nossos critérios não priorizam produtos sustentáveis — afirmou.