A rede britânica BBC anunciou nesta terça-feira que vai contestar o processo de difamação movido pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que exige o pagamento de US$ 10 bilhões (R$ 54,3 bilhões no câmbio atual) em indenizações por causa de um documentário produzido e exibido pela emissora, que usou trechos editados de um discurso feito por ele em 2021, antes dos protestos que terminaram com a invasão do Capitólio. A edição provocou uma crise interna que derrubou executivos da emissora, e motivou um pedido de desculpas ao republicano — sem o reconhecimento, porém, de que haja causa para uma condenação por difamação. Entenda o caso: Trump processa BBC e pede R$ 54 bilhões por edição de discurso em documentário Responda o quiz: Você sabe tudo o que de mais importante aconteceu no mundo em 2025? "Como já deixamos claro anteriormente, iremos nos defender neste caso", disse um porta-voz da BBC, em um comunicado divulgado nesta terça, acrescentando que a empresa não fará "mais comentários sobre o processo judicial em andamento". Initial plugin text A disputa entre Trump e a BBC começou por causa de um vídeo divulgado pela emissora, que juntou duas partes distintas de um discurso do presidente americano em 6 de janeiro de 2021. A construção dava a entender que ele incitava explicitamente seus apoiadores a atacar o Capitólio — o que, de fato, fizeram —, onde os parlamentares certificavam a vitória de Joe Biden nas eleições de 2020. A equipe jurídica de Trump apresentou a ação judicial na segunda-feira a um tribunal federal de Miami, buscando uma "indenização no valor mínimo de US$ 5 bilhões" para cada uma das duas acusações: difamação e violação da Lei de Práticas Comerciais Enganosas e Desleais da Flórida. O pedido de indenização por difamação está diretamente ligado à edição do vídeo que deu origem ao processo. Duas partes distintas do discurso de Trump em 6 de janeiro de 2021 foram misturadas, de forma que deu a entender que ele incitava explicitamente seus apoiadores a atacar o Capitólio, onde os parlamentares certificavam a vitória de Joe Biden nas eleições de 2020. O vídeo foi exibido no ano passado, antes das eleições americanas de 2024, em um documentário no programa "Panorama", principal produção de atualidades da BBC. No discurso em questão, Trump disse à multidão: "Vamos caminhar até o Capitólio e vamos aplaudir nossos bravos senadores e congressistas". Mais de 50 minutos depois, no mesmo discurso, ele disse: "E lutaremos. Lutaremos com todas as nossas forças". No programa Panorama, o trecho mostrou-o dizendo: "Vamos caminhar até o Capitólio... e eu estarei lá com vocês. E lutaremos. Lutaremos com todas as nossas forças." Novas imagens da invasão ao Capitólio mostram alto risco à vida dos congressistas A BBC reconheceu que a edição deu "a impressão equivocada" de que ele havia "feito um apelo direto à violência", mas discordou que houvesse fundamento para um processo por difamação. Em novembro, um memorando interno vazado criticando a edição do discurso e levou à renúncia do diretor-geral da BBC, Tim Davie, e da chefe de jornalismo, Deborah Turness. A equipe de Trump não aceitou a resposta como suficiente. "A outrora respeitada e agora desonrada BBC difamou o presidente [Donald] Trump ao adulterar intencionalmente, maliciosamente e de forma enganosa seu discurso, numa tentativa descarada de interferir nas eleições presidenciais de 2024", acusou um porta-voz da equipe jurídica de Trump, em comunicado à AFP. "A BBC tem um longo histórico de enganar seu público na cobertura do presidente Trump, tudo a serviço de sua própria agenda política de esquerda". A rede britânica, por outro lado, rejeita as exigências de indenização feitas por Trump, embora o presidente da emissora, Samir Shah, tenha enviado uma carta de desculpas ao americano. A BBC também discorda da existência de "fundamento para uma ação por difamação". A ação movida por Trump, segundo o noticiado pela própria BBC sobre o caso, cita acordos que a rede britânica tinha com outras distribuidoras para exibir conteúdo do programa Panorama — a BBC afirma que não tinha os direitos de distribuição em canais nos EUA e não o distribuiu, embora o documentário estivesse disponível no BBC iPlayer, com exibição era restrita a telespectadores no Reino Unido. O presidente americano mencionou especificamente uma empresa de mídia terceirizada que supostamente detinha os direitos de licenciamento do documentário fora do Reino Unido, e que pessoas na Flórida podem ter acessado o programa usando uma VPN ou o serviço de streaming BritBox. A BBC ainda não se manifestou sobre essas alegações, assim como a empresa com a qual o suposto acordo de distribuição foi firmado. Trump fala durante reunião na Sala do Gabinete, na Casa Branca, em 8 de dezembro de 2025 Andrew Caballero-Reynolds/AFP Pressão política O processo surge em um momento em que o governo britânico lança uma revisão politicamente sensível da Carta Régia da rede, que define o financiamento e a governança da emissora e precisa ser renovada em 2027. Como parte da revisão, foi lançada uma consulta pública sobre questões como o papel da "precisão" na missão da BBC e reformas controversas no modelo de financiamento da emissora, que atualmente depende de uma taxa obrigatória para qualquer pessoa no país que assista à televisão. Também ocorre em meio a uma campanha ampla de Trump contra empresas de mídia, sendo o mais recente caso de uma série de ações judiciais movidas por ele. Várias delas resultaram em acordos que favoreceram o americano em milhões de dólares. Políticos britânicos defenderam a atitude da BBC de se defender na justiça, sem buscar acordo. Após revelação de mensagens enviadas a Jeffrey Epstein: Donald Trump anuncia processo contra o Wall Street Journal — [A BBC] foi muito clara ao afirmar que não há fundamento para a acusação do Sr. Trump sobre a questão mais ampla de calúnia ou difamação. Acho correto que a BBC se mantenha firme nesse ponto — disse o parlamentar bpitânico Stephen Kinnock, em entrevista à Sky News na terça-feira. O líder do Partido Liberal Democrata, sir Ed Davey, instou o primeiro-ministro Keir Starmer a dizer a Trump que sua decisão de processar a BBC era "inaceitável", enquanto Nigel Huddleston, secretário de Cultura do Partido Trabalhista, disse que o premier deveria "usar sua aparente influência" para demover a ideia do processo contra a emissora pública britânica. (Com AFP)