A União Europeia voltou atrás e suavizou as regras que, na prática, proibiriam a venda de novos veículos com motor a combustão a partir de 2035. Pelas novas propostas, a Comissão Europeia, braço executivo da UE, permitirá a continuidade da comercialização de um determinado número de carros novos com motores movidos a gasolina e diesel, além de híbridos plug-in e veículos com extensores de autonomia, que utilizam combustível. O bloco estabeleceu como condição que as montadoras precisem compensar a poluição adicional por meio do uso de combustíveis de baixo carbono ou renováveis, ou de aço verde produzido localmente. E determinou que as emissões no escapamento terão de ser reduzidas em 90% até meados da próxima década, em comparação com a meta atual de redução de 100%. A revisão oferecerá mais flexibilidade às montadoras na transição para um transporte mais limpo, após meses de pressão da Alemanha, da Itália e do setor automotivo europeu. Ou seja, indica uma adoção mais lenta dos veículos elétricos na Europa, ao mesmo tempo que aproxima a região dos Estados Unidos, onde o presidente Donald Trump vem desfazendo padrões de eficiência para automóveis implementados pelo governo anterior. Globalmente, as montadoras enfrentam dificuldades para tornar a transição lucrativa, com a Ford anunciando na segunda-feira que registrará US$ 19,5 bilhões em encargos relacionados a uma ampla reformulação de seu negócio de veículos elétricos. Trata-se do passo mais recente em um recuo global de políticas verdes, à medida que as realidades econômicas da transição para a energia de baixo carbono se impõem. O aumento das tensões comerciais com os EUA e a China também leva a Europa a priorizar ainda mais o fortalecimento de suas indústrias domésticas, em parte mitigando o custo da transição. Embora o bloco esteja legalmente comprometido a alcançar a neutralidade climática até 2050, governos e empresas intensificam os pedidos por maior flexibilidade, alertando que metas rígidas podem colocar em risco a estabilidade econômica. — O setor automotivo europeu chegou a uma encruzilhada — disse Valdis Dombrovskis, comissário de Economia da UE. — Precisamos agir agora para garantir que ele permaneça parte integrante do futuro industrial da Europa, e não apenas de seu patrimônio. A comissão também propôs maior margem de manobra para que os fabricantes cumpram a meta de emissões para carros e vans em 2030, permitindo que ela seja calculada como uma média ao longo de um período de três anos. Também foi oferecida flexibilidade adicional para as vans, cujo objetivo de redução da poluição até o fim desta década foi reduzido de 50% para 40%. As novas propostas da UE também incluem medidas para tornar mais verdes as frotas corporativas de veículos e aumentar a adoção de pequenos veículos elétricos fabricados na Europa. Os VEs com menos de 4,2 metros de comprimento se beneficiarão de um sistema de “supercréditos”, que lhes permitirá contribuir mais para as metas de emissões. Eles também terão uma isenção de 10 anos de certos requisitos de segurança e se beneficiarão de incentivos na forma de vagas de estacionamento e subsídios. A proposta adotada pelos comissários da UE será agora discutida pelo Parlamento Europeu e pelos Estados-membros no Conselho da UE. Cada instituição tem o direito de propor suas próprias emendas, e a forma final da medida será negociada nas chamadas negociações de “trílogo”, que envolverão o Parlamento, o Conselho e a Comissão. Com as montadoras agora ganhando mais tempo para se tornarem totalmente elétricas, grupos ambientalistas temem que as mudanças criem novas brechas que enfraqueçam a ambição climática da Europa e deixem importantes fabricantes de automóveis ainda mais atrás da China na corrida pelo transporte rodoviário movido a baterias. A diluição da meta de emissões para carros evidencia a distância entre as premissas regulatórias no auge do entusiasmo com o Pacto Verde Europeu e a atual situação geopolítica e econômica que o continente enfrenta. Um dos marcos estabelecidos pela comissão em sua estratégia de mobilidade de 2023 previa pelo menos 30 milhões de carros de emissão zero circulando nas estradas da Europa até o fim da década. No final do ano passado, havia cerca de 5,9 milhões de veículos totalmente elétricos nas estradas da UE, segundo a comissão. Ao mesmo tempo, a China continua sua rápida eletrificação do transporte, e marcas estrangeiras vêm sendo deixadas de lado no maior mercado automotivo do mundo. Mesmo em seus países de origem, as montadoras europeias enfrentam uma ameaça competitiva crescente das importações chinesas, sendo que as novas tarifas impostas pela UE oferecem apenas proteção limitada. A situação levou a um intenso lobby por parte da Stellantis, da Mercedes-Benz e de outras empresas. O governo da Alemanha, sede da Mercedes, da Volkswagen e da BMW, também pressionou por mudanças para aliviar tensões políticas e proteger empregos. No início deste mês, seis primeiros-ministros, entre eles Giorgia Meloni, da Itália, e Donald Tusk, da Polônia, pressionaram a comissão a permitir híbridos plug-in, veículos com extensores de autonomia e tecnologia de células a combustível após 2035. As vendas de novos carros elétricos a bateria desaceleraram no ano passado depois que países, incluindo a Alemanha — o maior mercado da UE —, retiraram incentivos à compra. Embora o crescimento esteja se recuperando, em parte graças ao retorno de alguns subsídios, o ritmo permanece muito aquém do necessário para cumprir as metas da UE. A adoção na região é desigual. Os registros de veículos totalmente elétricos representaram 35% das vendas na Holanda neste ano, em comparação com apenas 8% na Espanha, onde opções irregulares de recarga e preços relativamente altos continuam afastando os compradores.