Vivi para contar: 'Ele perguntava o tempo todo se eu queria morrer', conta jovem que ilustra violência revelada pelo Mapa do Crime

Caroline Vasconcelos da Silva, de 22 anos, é um dos rostos por trás da violência mapeada pelo GLOBO no Mapa do Crime, com base em dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Rendida junto com o marido por dois assaltantes armados enquanto jantava na parte externa de um restaurante na Avenida Olegário Maciel, na Barra da Tijuca, Zona Sudoeste do Rio, no início deste ano, ela viveu minutos de terror que terminaram em troca de tiros e na morte de um dos criminosos após a reação de um policial civil à paisana. Mapa do Crime no Rio e em Niterói: consulte os índices de violência em seu bairro Guerra do CV impulsiona explosão dos roubos em região com cerca de 600 mil moradores no Rio; Mapa do Crime revela os bairros com mais assaltos em 2025 "Eu ainda tenho dificuldade de falar sobre aquele dia. Foi em 19 de janeiro. Eu e meu marido estávamos jantando na parte externa de um restaurante, na Olegário Maciel. A gente costumava frequentar muito a região, principalmente à noite e aos fins de semana. Era algo normal para nós. Nesse dia, inclusive, a gente tinha mudado um hábito. Antes, costumávamos sentar em um restaurante da região, mas por conta de algumas situações de tumulto, resolvemos ficar neste outro. Sentamos do lado de fora. Chegamos até a tirar uma foto da mesa onde estávamos sentados. Roubo de veículo na Zona Sul do Rio: veja os bairros onde o crime aumentou no primeiro semestre de 2025 Antes mesmo do assalto, algo já tinha me deixado desconfortável. Um rapaz apareceu dizendo que estava vendendo bala, mas o tom não era de vendedor nem de pedinte. Era agressivo. Ele pediu dinheiro 'para comer alguma coisa', num tom violento. Meu marido chegou a tirar a carteira para dar algum dinheiro. Nesse momento, tudo ficou exposto: nossos celulares estavam sobre a mesa, eu e meu marido estávamos de aliança, e ele também estava com cordão e relógio. Uns dez minutos depois, vi dois rapazes passando por várias mesas. Eles passaram por todo mundo e vieram direto na nossa direção. Eles chegaram por trás. Estavam de moto, estacionaram e caminharam até nós. Um deles estava armado. No início, tentaram esconder a arma, mas rapidamente tudo ficou muito claro. Ele colocou o revólver muito próximo ao meu peito. Logo depois, já apontava para o rosto do meu marido. Em seguida, a arma ficou encostada em mim — no meu peito, na minha costela. Roubo de veículo na Zona Sudoeste do Rio: veja os bairros onde o crime mais aumentou no primeiro semestre de 2025 Eles começaram a ameaçar o tempo todo. Perguntavam repetidamente se eu queria morrer. O outro incentivava: 'Mata, mata.' Era uma comunicação constante entre eles, como se estivessem se estimulando a puxar o gatilho. Parecia que ele só estava esperando um motivo para atirar. Escondi o celular num primeiro momento, mas não adiantou. Eles exigiram tudo. Pegaram meu celular, pediram a senha e conferiram se estava certa. Pegaram o celular do meu marido também. Levaram relógio, cordão, carteira. Um deles segurou meu braço com força e arrancou minha aliança do meu dedo. Depois, ainda perguntou ao meu marido se ele tinha entregado a aliança dele, insinuando que ele queria morrer por não ter dado. A arma ficou o tempo todo encostada em mim. Eu não consegui nem levantar da cadeira. Só consegui me abaixar e ficar ali, tentando sobreviver. De repente, começou o tiroteio. Naquele momento, eu achei que eles estavam atirando na nossa direção. Foi desespero puro. As pessoas começaram a correr. Eu e meu marido entramos correndo dentro do restaurante. Só depois fui entender o que tinha acontecido. Havia um policial civil à paisana, sozinho, dentro do restaurante. Ele presenciou tudo. Quando os assaltantes se afastaram da mesa e caminharam em direção à moto, ainda com a arma em punho, ele se levantou, se identificou como policial e tentou render os dois. Eles não se renderam. Viraram a arma na direção dele, e houve troca de tiros. Não vi exatamente quem atirou primeiro. Só ouvi os disparos. Depois, vi os dois criminosos no chão. Um deles estava muito ferido. Vi o desespero no rosto dele. Ele se mexia muito, babava, chamava pelo pai. Foi uma cena muito pesada. Um deles morreu. Depois disso, fomos encaminhados para a delegacia. Conseguimos recuperar quase todos os bens. Só a minha aliança não foi recuperada. Na correria, acredito que ela tenha sido perdida. O policial chegou a perguntar onde estava, chegou a revistar o criminoso, mas não encontrou. A suspeita é de que ele a teria engolido. Vida breve nas mãos do crime: por um ano, O GLOBO acompanhou dez adolescentes do tráfico; seis já morreram O impacto disso tudo na minha vida foi enorme. Não foi só pelo que levaram, mas pela vulnerabilidade. Eles pegaram meu celular, minha senha. Tiveram acesso à minha vida inteira: onde eu moro, onde trabalho, quem eu sou. Isso me destruiu psicologicamente. Depois desse dia, eu tive crise de pânico. Vivo em estado de alerta. Não fico mais em área externa de restaurante, de jeito nenhum. Avalio tudo: se tem segurança, se o ambiente é fechado, se há controle de acesso. Até para andar na rua, eu fico em alerta constante. É um trauma muito grande. Marketing do crime: quadrilhas usam redes sociais para se promover e recrutar jovens Hoje, a gente evita sair na Barra. Quando sai, vai com um carro simples, que não chama atenção. Não é algo combinado, é algo que simplesmente não cabe mais na nossa vida. Eu já tinha sido assaltada antes, outras duas vezes. Mas nada se compara a isso. Dessa vez foi uma arma de verdade apontada para mim, o tempo todo, com ameaças explícitas de morte. Apesar de tudo, eu faço questão de reconhecer o policial que interveio. Para mim, ele foi um herói. Se não fosse ele, eu não sei que rumo a minha vida teria tomado. Fiz questão de registrar isso oficialmente, de agradecer" Em entrevista à repórter Anna Bustamante* Expansão da facção fluminense: Como conexões nas prisões federais ajudaram a tornar o CV nacional e reforçaram migração de criminosos para o Rio Initial plugin text