Vaqueirinho: em carta de Natal, jovem morto por leoa pediu felicidade que nunca teve, visita da mãe e emprego de policial ou veterinário

A conselheira tutelar Verônica Oliveira compartilhou com os seguidores a última carta de Natal que Gerson de Melo Machado escreveu quando era adolescente. O rapaz morreu no mês passado, aos 19 anos, depois de invadir o recinto dos felinos do Parque Zoobotânico Arruda Câmara, conhecido como Bica, em João Pessoa, na Paraíba. Diagnosticado tardiamente com esquizofrenia, Vaqueirinho, como era conhecido, teve uma vida marcada pelos transtornos mentais, pelo abandono e pela miséria. Gerson deu o título à carta de "Desejo do Coração". "Eu queria ter uma felicidade que eu nunca tive, mas, como Deus é maior, um dia irei ter. Eu queria ter visita da minha mãe para ter carinho e amor", escreveu ele. A mãe, diagnosticada com esquizofrenia, teve destituído o poder familiar do jovem e de seus quatro irmãos — que, diferentemente dele, foram adotados por outras famílias. Na carta, Gerson detalha o desejo de obter um emprego como polícia (sic), [agente] florestal ou veterinário. Ele agradeceu por estar privado de liberdade e por ter encontrado apoio de profissionais. Verônica já havia relatado, em entrevistas e postagens anteriores, que o rapaz só se sentia seguro em locais onde era aprisionado. "Eram pedidos de socorro", disse ela. O Parque da Bica detalhou o plano de retomada de visitações e confirmou que as portas serão reabertas ao público nesta quinta-feira (18). O espaço estava fechado desde 30 de novembro, quando o Gerson de Melo Machado, o Vaqueirinho, invadiu o recinto dos felinos e acabou morto pela leoa Leona. Vaqueirinho: abandono, miséria e demora em diagnóstico psiquiátrico marcaram o drama de jovem morto por leoa na Paraíba Leoa que matou jovem em João Pessoa (PB) volta para a jaula após observação por 'estresse' A administração do parque explicou que a área ficou fechada por mais de duas semanas "para revisão completa das estruturas, protocolos e rotinas de segurança", conforme recomendações de órgãos de controle. A retomada, disse a direção da Bica, será "parcial e controlada", com "limite de visitantes, controle de acesso, fluxo organizado, reforço de vigilância e novas sinalizações". A leoa Leona, por sua vez, terá um protocolo específico, com monitoramento contínuo, "enriquecimento ambiental" reforçado e critérios técnicos para abertura ou fechamento da área. O secretário municipal de Meio Ambiente, Welison Silveira, já havia destacado à imprensa na semana passada que a retomada das atividades seria controlada para que as autoridades acompanhassem como os animais vão reagir, principalmente a Leona. — Ela com certeza vai ser um animal bastante visitado — disse Welison Silveira em entrevistas à imprensa publicadas em suas redes sociais. Segundo a administração do parque, as equipes foram treinadas para identificar e acolher pessoas em vulnerabilidade psíquica, como Vaqueirinho, que havia sido diagnosticado com transtornos mentais. Essas pessoas terão encaminhamento adequado e apoio da área da saúde, afirmou a Bica. "Foram revisadas estruturas, grades, barreiras, vigilância, fluxos internos, rotinas de manejo e normas operacionais, com relatórios técnicos e checklist de conformidade", disse a direção da Bica, em nota. A entrada com balões passará a ser proibida no parque. Uma imagem divulgada pelo secretário mostra a instalação de novas placas que ressaltam a importância do silêncio e do respeito às barreiras de segurança. Os visitantes deverão tirar fotografias sem flash e não poderão tocar nos vidros. Funcionário instala nova placa no Parque da Bica Reprodução A prefeitura de João Pessoa, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, anunciou reforço de medidas de segurança e novos protocolos para o acesso a recintos de animais no parque. Welison Silveira destacou, pelo Instagram, que a parte externa da Avenida Ayrton Senna foi cercada e que o policiamento da Guarda Civil Metropolitana foi reforçado na região da Bica. As telas de proteção dos recintos também foram reforçadas e as placas de sinalização e educação ambiental, atualizadas. Reforço da segurança, câmeras com IA Além disso, uma portaria com novas regras foi assinada em 3 de dezembro e publicada dias depois no Diário Oficial do Município. Assinada pelo secretário municipal de Meio Ambiente, a portaria cita "a necessidade de regulamentar e aumentar a segurança no acesso às áreas restritas" do parque e trata como "imprescindível" a iniciativa de garantir a integridade física de servidores, visitantes e dos animais sob tutela. Silveira defendeu que o Parque da Bica já atende às exigências de órgãos de fiscalização, mas anunciou novas medidas de segurança. Nas entrevistas, o secretário afirmou que o espaço agora terá efetivo reforçado da Guarda Municipal, cercamento de áreas vulneráveis e novas câmeras integradas ao programa Smart City. — Essas câmeras são com inteligência artificial, monitoram comportamentos suspeitos, faces com mandados de busca e apreensão. Então, pessoas em situação suspeita serão identificadas pela inteligência artificial para evitar, inclusive, casos de furtos — destacou. A prefeitura também adotou novos protocolos para o manejo dos animais. A portaria publicada estabelece que o acesso aos recintos dos animais será permitido somente a funcionários autorizados do parque da Bica e a pessoas autorizadas pela diretoria técnica do estabelecimento e pelo secretário. A entrada nesses locais ficará condicionada, porém, ao uso de vestimenta adequada e de aparatos de proteção considerados "necessários para a segurança do indivíduo e do animal". Eventual autorização para pessoas que não façam parte da rotina de manejo dos animais no parque dependerá de requerimento prévio e da devida identificação à direção do parque antes do acesso, diz a portaria. Além disso, a partir esta quinta, será "terminantemente proibido" entrar nas dependências onde estão os animais com celulares, câmeras fotográficas ou aparelhos similares, exceto se houve autorização expressa para essa atividade. Entenda o que levou Leona a atacar Vaquerinho, jovem que invadiu o território da leoa Antes de invadir jaula, Vaqueirinho disse que queria ver leoa 'mais de perto': 'Não teve noção do perigo' A leoa que matou Gerson voltou à jaula dias depois do incidente. O animal ficou dias isolado, em observação, por ter passado no episódio por um "nível elevado de estresse". A administração do parque destacou que a eutanásia nunca foi cogitada e que a reintrodução no espaço ocorreu "aos poucos". Logo depois da confirmação da morte, a administração do parque ressaltou que o animal não apresentava comportamento agressivo, embora ainda estivesse um pouco agitado. Afirmou, ainda, que médicos veterinários, tratadores e técnicos se dedicariam "integralmente" ao bem-estar de Leona para garantir que ela "fique bem, se estabilize emocionalmente e retome sua rotina com segurança". De acordo com a administração do Parque da Bica e a prefeitura de João Pessoa, Vaqueirinho invadiu "deliberadamente" o recinto da leoa no zoológico. O poder municipal destacou que, "de maneira rápida e surpreendente", ele escalou uma parede de seis metros, as grades de segurança, chegou a uma das árvores do espaço e entrou na jaula. Vídeos que circulam pelas redes sociais mostram a ação do homem, que foi atacado pelo animal e não resistiu aos ferimentos. A prefeitura afirmou, em nota, que equipes de segurança tentaram impedir a ação do homem, mas não conseguiram. A Polícia Civil da Paraíba apura o caso. Josenise de Andrade, delegada adjunta da Delegacia Especializada de Homicídios de João Pessoa (PB) responsável pela primeira averiguação da ocorrência, disse que a morte de Vaqueirinho, a princípio, foi uma "fatalidade". — Ele verbalizou a ideia de ver o animal mais de perto, o que bate com informações de policiais de que ele, mais de uma vez, e numa postagem de uma conselheira tutelar, que ele verbalizava a vontade de ir para a África cuidar dos leões. No vídeo, a gente pode ver ele descendo pela árvore, e as pessoas gritam, dizem para voltar. Ele poderia ter voltado, mas ele desce. Ao que parece, ele não tinha a intenção de atentar contra a própria vida, mas de se aproximar dos animais. Pelo histórico que me foi passado, ele tinha comprometimento psiquiátrico. Ele não teve a noção do perigo — disse Josenise. Segundo a investigadora, testemunhas e o vídeo do caso apontam que o jovem acessou a jaula por uma árvore externa e depois escalou o muro até uma grade de proteção. Na sequência, desceu ao recinto por uma árvore do espaço. A delegada afirmou ter determinado o fechamento do parque ao receber a notícia da morte. Após a retirada do corpo, porém, ela autorizou que a administração do zoológico gerisse a visitação como achasse mais prudente.