Uma publicação que circulou nas redes sociais, especialmente no X (antigo Twitter), nos últimos dias levantou questões sobre um detalhe urbano pouco comum aos olhos de quem vive em cidades tropicais: uma publicação chamava atenção ao fato de quase não existirem bueiros, angulação em telhados e sistemas de escoamento de água na cidade de Lima, capital do Peru. Mas o que fez a publicação viralizar foi um fato inusitado: "Lá não chove desde a década de 1970". Será que é isso mesmo? Leia mais: EUA e México fecham acordo para encerrar disputa por água no Rio Grande Vídeo: Perseguição de três horas e 300 km termina em fuga para o México após motorista 'ziguezaguear' pela Califórnia A constatação despertou curiosidade e estranhamento. A ideia, embora amplamente difundida, pede mais contexto. Afinal, por que Lima construiu sua paisagem urbana como se a chuva não existisse? Não existe mesmo? É só garoa? Initial plugin text A frase é repetida com naturalidade por guias turísticos, moradores e visitantes: em Lima, não chove. A afirmação, embora não seja precisa do ponto de vista estritamente meteorológico, também não pode ser tratada como um erro. Ela traduz uma experiência cotidiana marcada pela ausência de temporais e pela presença de um tipo de precipitação tão discreta que, para muitos, não chega a ser reconhecida como chuva. Chove ou não chove em Lima? Na capital do Peru, o que cai do céu é, na maior parte do tempo, a chamada garúa — uma garoa muito fina, semelhante à de São Paulo, formada por gotas pequenas, quase imperceptíveis. A intensidade é baixa, não há acúmulo de água no solo e tampouco registros de trovoadas, relâmpagos ou pancadas fortes. Em muitos dias, a umidade se faz sentir mais no ar do que no chão. A diferença de referência também ajuda a entender a reputação da cidade. Para quem vem de regiões tropicais, como o Brasil, onde são comuns chuvas intensas em curtos períodos, o padrão de Lima soa como ausência de chuva. A cidade, inclusive, realmente não conta com sistemas de drenagem comparáveis aos de grandes centros brasileiros, justamente porque a precipitação raramente exige esse tipo de infraestrutura. Ainda assim, episódios de chuva existem. Durante um evento-teste dos Jogos Pan-Americanos, em 2019, por exemplo, houve precipitação na cidade. Foi fraca, sem maiores impactos, mas suficiente para lembrar que Lima não é, tecnicamente, um “deserto” urbano. O clima singular, sem muito risco de temporais, tem explicação geográfica. Lima está situada entre o oceano Pacífico e a Cordilheira dos Andes, uma combinação que dificulta a formação de nuvens carregadas. Os Andes funcionam como uma barreira às massas de ar úmidas vindas do interior do continente, enquanto o Pacífico, influenciado por correntes frias, não oferece energia suficiente para a formação de tempestades. O resultado é um quadro de estabilidade atmosférica, no qual o ar não sobe com facilidade — condição essencial para chuvas intensas. A precipitação, quando ocorre, tende a ser fraca e persistente, mais próxima de uma névoa úmida do que de uma chuva propriamente dita. A história, no entanto, registra exceções. Em janeiro de 1970, Lima foi atingida por uma chuva torrencial que durou dois dias, inundou ruas, provocou cortes de energia, interrompeu comunicações telefônicas e destruiu casas. A capital peruana chegou a ser declarada em estado de emergência, na ocasião.