O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem uma "relação difícil" com o mercado financeiro e que há uma "falta de reconhecimento" da imprensa brasileira com a situação das contas públicas. As declarações foram dadas nesta quarta-feira (17) durante reunião ministerial na Granja do Torto, em Brasília. Ele avaliou que os resultados das contas do governo estão melhorando, assim como os indicadores econômicos e sociais. "Muito difícil a relação com o mercado financeiro, porque esses indicadores que eu estou falando [sobre as contas públicas] não são reconhecidos. São números oficiais que não são reconhecidos pela imprensa. É como se o presidente Lula tivesse herdado um paraíso, e tivesse agora com problema nas contas. Não, o presidente lula herdou um inferno depois de sete anos de governo extrema direita. ", afirmou Haddad. No campo social, ele citou melhoras no emprego e na queda da pobreza, assim como inflação em baixa (resultado de aumento de juros nos últimos anos) e crescimento médio do PIB próximo de 3% ao ano no governo do presidente Lula. Números do Tesouro Nacional mostram que as contas do governo registraram um déficit de R$ 230,5 bilhões em 2023 e de R$ 43 bilhões em 2024. Para este ano, a projeção é de um rombo de R$ 75 bilhões e, para 2026, de outros R$ 23,3 bilhões, apesar da meta de zerar o déficit fiscal a partir de 2025. O equilíbrio fiscal não será atingido por conta das exceções à meta fiscal, como gastos com precatórios, despesas com a calamidade no Rio Grande do Sul, com o tarifaço imposto pelos Estados Unidos e até mesmo com a área de Defesa, estimados em mais de R$ 170 bilhões em quatro anos - algo criticado por economistas. Os déficits fiscais permanecerão em todos os anos do mandato do presidente Lula apesar do aumento da impostos. No ano passado, de acordo com números da Receita Federal, a carga tributária brasileira (patamar de impostos pagos em relação ao PIB), bateu recorde, atingindo o maior nível em mais de duas décadas. Segundo o ministro Haddad, o governo vai continuar buscando superar a tensão "muitas vezes artificialmente construída" com o mercado financeiro e com a imprensa. Ele avaliou que 2026 será um ano difícil, no qual haverá guerra de narrativas. "A guerra de comunicação, de narrativa, vai continuar um inferno na vida de todos nós. É um desafio lidar com essas redes sociais, a verdade. O presidente Lula fala que o ano que vem é o ano da verdade. Se a gente transformar o ano que vem no ano da verdade, teremos mais quatro anos de trabalho", acrescentou Haddad, referindo-se às eleições presidenciais. Dívida pública em alta As críticas do ministro Haddad ao mercado e à imprensa, em suas análises sobre as contas públicas, acontecem apesar do forte aumento na dívida brasileira - um indicador que é considerado um termômetro da chamada "solvência" de uma nação, ou seja, da capacidade de honrar seus compromissos futuros. Quanto maior o nível, maior o risco de um calote em momentos de crise. A dívida do setor público consolidado registrou alta de um ponto percentual em setembro, atingindo 78,1% do PIB — o equivalente a R$ 9,75 trilhões, segundo dados do Banco Central. No padrão do Fundo Monetário Internacional (FMI), referência para comparação internacional, a dívida do país é muito maior: 90,5% do PIB (patamar de setembro). Na comparação internacional, o endividamento brasileiro já estava muito próximo do padrão de países da Zona do Euro em 2024; bem acima de países da América Latina e de nações emergentes. Mas segue abaixo endividamento de países desenvolvidos. Em termos práticos, com uma dívida mais alta há uma pressão maior sobre a taxa de juros brasileira. Isso se reflete nos juros cobrados pelo mercado financeiro ao setor produtivo da economia, restringindo o crescimento do país. Dívida pública por mandatos pelo critério do FMI ➡️Entre o início de 2023 e setembro deste ano, a alta na dívida brasileira foi de 6,5 pontos percentuais, e o Tesouro Nacional admite que o endividamento vai subir mais até o fim do atual mandato. A projeção é de que a dívida subirá cerca de 11 pontos percentuais no atual mandato. Lula (2003 a 2006): queda de 11,5 pontos do PIB; Lula (2006 a 2010): recuo de 2,2 pontos do PIB; Dilma (2010 a 2014): queda de 0,8 ponto do PIB; Dilma (2014 a agosto de 2016): alta de 10,7 pontos do PIB; Temer (setembro 2016 a dezembro de 2018): alta de 12,5 pontos do PIB; Bolsonaro (2019 a 2022): recuo de 0,8 ponto do PIB; Lula (considerando a projeção do Tesouro Nacional): alta de 10,8 pontos percentuais. Aumento no 3º mandato de Lula No terceiro mandato de Lula, o endividamento subiu 6,6 pontos percentuais em pouco mais de dois anos e meio por conta do aumento de despesas públicas, algo que tem pressionado a taxa de juros, tais como: PEC da transição: ampliou o limite para gastos públicos, permanentemente, em cerca de R$ 170 bilhões por ano. Reajuste real do salário mínimo: é um dos principais motivo da alta, pois os benefícios previdenciários têm como piso o salário mínimo. Pisos saúde e educação: retomada da política de atrelar à receita os gastos mínimos em saúde e educação. Pagamento de precatórios atrasados: valores que deixaram de ser pagos com Bolsonaro foram acertados com Lula, um montante de R$ 92,3 bilhões. Reajustes a servidores públicos: retomada dos reajustes a servidores públicos, represada com Bolsonaro, com base na inflação. Cerca de 100 categorias contempladas. Despesas com juros da dívida pública: em doze meses até setembro, esses gastos somaram R$ 985 bilhões, segundo o BC. Como a dívida é alta, na ausência de um ajuste fiscal maior, o mercado cobra juros maiores para comprar títulos do governo, explicou o ex-presidente do BC, Roberto Campos Neto.