Enel sinaliza que está disposta a enterrar fios mediante 'estratégia compartilhada' com poder público

Após o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, anunciar que pedirá o rompimento do contrato com a Enel em São Paulo, a empresa afirmou nesta quarta-feira (17) que é preciso realizar "uma avaliação ampla para enfrentar os desafios relacionados ao fornecimento de energia" na região e sinalizou que está disposta a investir em enterramento de fios, mediante uma "estratégia compartilhada" com o poder público. Segundo a concessionária, isso pode ser feito após uma discussão sobre a "remuneração adequada" deste investimento. Entenda: Quebra de contrato com a Enel SP deve demorar e depende de provas de descumprimento de regras "A solução necessária exige investimentos maciços em redes resilientes e digitalizadas, além da implantação em larga escala de uma rede de distribuição subterrânea. Essa medida requer um plano estruturado e coordenado com as autoridades públicas, definindo as modalidades mais apropriadas para uma remuneração adequada desse investimento. A empresa está disposta a realizar esses investimentos como parte de uma estratégia compartilhada com todas as instituições envolvidas", falou a Enel Brasil em nota divulgada nesta quarta-feira (17). Nesta terça, Silveira se reuniu com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e com o prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB) no Palácio dos Bandeirantes. Após o encontro, os três anunciaram que vão oficiar a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para iniciar o processo de caducidade da concessão, ou seja, a rescisão do contrato com a empresa. A Enel é responsável por distribuir energia elétrica para 24 municípios na Região Metropolitana de São Paulo, incluindo a capital, que somam 8,5 milhões de endereços ao todo. A concessão foi assumida pela Enel em 2018, quando a empresa italiana comprou a Eletropaulo, mas virou epicentro de crises desde 2023, por conta de apagões que impactaram milhões de pessoas na maior cidade do país. Na semana passada, mais de 2,2 milhões ficaram sem luz após um ciclone extratropical que causou ventos de quase 100 quilômetros por hora na região, e alguns endereços ficaram até uma semana no escuro. No pronunciamento desta quarta, a concessionária informou que entre 2018 e 2024 investiu mais de R$ 10 bilhões em São Paulo e pretende investir mais R$ 10,4 bilhões até 2027. “A partir de 2024, a Enel também reforçou seu plano operacional e ampliou a força de trabalho na área de concessão com a contratação de cerca de 1.600 novos profissionais para serviços operacionais”, frisou a empresa. Ainda segundo a distribuidora, após o vendaval do último dia 10, “foram mobilizadas até 1.800 equipes ao longo do dia, número muito superior ao previsto no plano de contingência comunicado à Aneel, para restabelecer a energia elétrica” e “durante as operações de restabelecimento do serviço, rajadas constantes de vento causaram danos em diversos pontos da rede, provocando novas interrupções”. “Em toda a área de concessão, em 2024 e 2025 foram realizadas mais de 630 mil podas, o dobro em relação aos anos anteriores. Somente em 2025, a Enel efetuou cerca de 230 mil podas de árvores na cidade de São Paulo, número muito superior ao amplamente subestimado divulgado nos últimos dias. Até novembro, a Enel realizou reuniões periódicas de alinhamento com as autoridades municipais, nas quais foram apresentados os dados oficiais auditados pelo regulador”, diz a empresa. "A distribuidora confirma o cumprimento integral dos indicadores regulatórios, tendo apresentado avanços consistentes em todos os índices relacionados à qualidade do serviço, conforme comprovado pelas fiscalizações recentemente realizadas pela agência reguladora. A Enel Brasil reafirma sua confiança no sistema jurídico e regulatório brasileiro para garantir segurança e estabilidade aos investidores com compromissos de longo prazo no país.” Próximos passos O processo de análise de caducidade é complexo e pode levar anos, segundo especialistas em concessões de energia elétrica ouvidos pelo GLOBO. Caberá à Aneel analisar se houve descumprimento, pela Enel, do contrato e das leis e resoluções que regem o setor de distribuição e se há cabimento para rescisão do contrato. Depois de uma avaliação minuciosa sobre a prestação de serviços e indicadores da concessionária, a agência vai votar e recomendar ou não a caducidade da concessão. A empresa terá prazo para se defender e contestar essas informações, e aí os cinco diretores da Aneel votarão sobre o tema. Ao fim, com o embasamento técnico suficiente, quem bate o martelo sobre esse rompimento contratual é o próprio Ministério de Minas e Energia. O rompimento de contrato é a sanção mais extrema e incomum em concessões de distribuição de energia, que é o caso da Enel São Paulo, sendo mais rotineiro em concessões de geração e transmissão de energia elétrica. A Lei de Concessões, de 1995, prevê a medida quando serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, com descumprimento de normas, indicadores e parâmetros que definem a qualidade do serviço; quando a empresa descumpre cláusulas contratuais, leis e regulamentações; ou quando há paralisação do serviço sem que haja caso de força maior que justifique essa paralisação. Não cumprir determinações e sanções impostas pela Aneel ou pelo governo federal também são motivos possíveis para caducidade, segundo a lei. Após o anúncio de Silveira, a Aneel informou que já vem avaliando a prestação de serviços da Enel no âmbito de um Termo de Intimação desde 2024. A agência cobrou melhorias nos indicadores da empresa especialmente para reduzir o tempo médio de atendimento a ocorrências emergenciais, a redução das interrupção de 24 horas ou mais e a melhoria na capacidade de mobilização de equipes em caso de eventos climáticos extremos. "A Aneel informa que os seguidos eventos de interrupção de fornecimento desde 2023 ocasionaram a maior multa aplicada pela Agência em empresas do setor no valor de R$ 165 milhões, cuja exigibilidade encontra-se suspensa por decisão judicial. Na interrupção observada em 2024, a Aneel emitiu termo de intimação como etapa preparatória para recomendação da caducidade do contrato a ser encaminhada ao Ministério de Minas e Energia. Por fim, a Aneel destaca a atuação diligente em estrita observância ao processo legal e ao interesse público para a adequada prestação do serviço de distribuição aos consumidores paulistas, em atendimento às diretrizes do Governo Federal", frisou a agência. A Enel apresentou um plano para melhorar esses indicadores e, no mês passado, a Aneel decidiu prorrogar o prazo da fiscalização até março de 2026, para avaliar como o serviço vai ser prestado no período de chuvas — em São Paulo, geralmente entre dezembro e fevereiro. Na semana passada, mais de 2,2 milhões de pessoas ficaram sem luz devido a um ciclone extratropical que atingiu São Paulo e causou ventos de quase 100 quilômetros por hora. A Aneel vai verificar, dentro desse termo de intimação já em curso, como a Enel se comportou nesse episódio. O contrato com a Enel vence em 2028, e a análise de eventual renovação está suspensa até que a agência reguladora finalize este processo.