Infância On/Off #5 | Entretenimento: toda criança saudável brinca

Este texto faz parte da newsletter Infância ON/OFF, sobre tecnologia e crianças de até 6 anos. Para receber a série no seu e-mail, clique aqui. A atriz Laila Zaid mantém restrito o acesso dos filhos às telas. Nada de celular. TV, só no momento adequado e com o que ela ou o pai das crianças escolhe. Num dia mais corrido, a curadoria foi menos rigorosa e ela se surpreendeu com tamanho interesse dos filhos por um desenho bobinho. Na época, o caçula, Tom, tinha 3 anos e a mais velha, Clara, 5. — Ali fui ingênua. Achei que fosse tranquilo, mas depois descobri que era feito a partir de uma tecnologia que disputa a atenção da criança. Algo quase algorítmico — lembra Zaid. — Na hora eles ficaram muito, muito interessados, o que me deixou impressionada. Bebês e crianças pequenas expostos demais a televisão ou vídeos em aparelhos móveis podem ser mais propensos a apresentar desinteresse e desapego por atividades físicas e a buscar estímulos mais intensos no ambiente ou a ter sensação de sobrecarga sensorial causada por sons altos ou luzes fortes. Alguns contextos, no entanto, não levam a esses prejuízos. Para isso, como tenho mostrado aqui em Infância ON/OFF, é preciso moderação no tempo de uso e cuidado na escolha dos conteúdos. — A gente tenta fazer uma curadoria, só dar o que tiver indicação, conteúdos longos. Mas chega um momento em que passa a ser impossível blindar. A Clara já tem 8 anos e tem demandas de coisas que ouve dos coleguinhas — conta Zaid. Hoje, no último capítulo da newsletter, vamos tratar de entretenimento. O que diz a ciência ? De 0 a 2 anos Até 2 anos, nada de tela. Lembra? O professor Nelio Spréa é doutor em brincadeiras — já que esse foi o tema de doutorado dele na pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele explica que o brincar nessa idade ainda não é estruturado, é mais livre. — Brincadeira não estruturada é aquela em que a criança mergulha numa experiência e vai inventando sua fantasia. Ela transforma um punhado de terra em um castelo. Já a estruturada são os jogos, as regras da amarelinha, a búlica, o pega-pega, o esconde-esconde — explica. A recomendação de Nélio é que os pais também admitam um pouco de bagunça para estimular seus filhos a mexerem nos objetos da casa com liberdade — as exceções, óbvias, são para aqueles que oferecem algum tipo de risco. — Outra coisa que pode acontecer, para momentos íntimos e breves, são as parlendas e cantigas para bebês. O cuidador faz, e a criança imita, porque têm gestos — conta o especialista, que também é conhecido como um grande colecionador de brincadeiras. Sabe o que é parlenda? São aquelas brincadeiras como "uni, duni, tê". Nelio ensina algumas aqui. De 3 a 6 anos Aqui as telas já são liberadas com moderação. Veja aqui o limite de tempo por faixa etária. Além disso, há uma série de características do conteúdo que é bom você observar. O doutor em neurociência Fernando Louzada, que faz parte do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), explica: Observe que conteúdos e habilidades o vídeo trabalha. Devem ser priorizados vídeos que contribuem para a ampliação do vocabulário; para estímulo à observação da natureza, plantas, animais; para estímulo à cooperação em vez da competição; e que transmitam valores positivos (respeito, amizade). Por outro lado, devem ser evitados aqueles com conteúdo violento (implícito ou explícito), que envolvam medo ou terror, que estimulem a sexualização precoce ou a competição. Vídeos curtos fazem mal? Não necessariamente. Mas normalmente são mais acelerados, com uma quantidade exagerada de estímulos (sons e cores, por exemplo), que, se vistos frequentemente, podem comprometer a capacidade da atenção da criança. Conteúdos de baixo estímulo têm as seguintes características: ritmo mais lento, paleta de cores mais suave, movimentos mais simples, enredo mais linear, mais previsíveis. Esses são os mais indicados. Mas não esqueça: criança precisa brincar! — A brincadeira, a experiência lúdica da criança é, na verdade, o próprio modo com que ela experimenta a vida. Toda criança saudável brinca — diz. Faltou criatividade aí? O perfil no Instagram do Tempo Juntos que diz promover uma "parentalidade brincante" tem uma série de sugestões de brincadeiras, assim como as redes do Nelio, que reúnem uma porção de parlendas para crianças mais velhas. O que você faria? ? Enquanto meu filho está brincando na sala, deixo a TV ligada com desenho passando ou algum programa — mesmo que ele não esteja vendo. Tem problema? A) Não, ajuda a mantê-lo entretido B) Sim, distrai do que ele está fazendo fora da tela C) Não faz diferença O que o especialista faria? ? A pesquisadora Sumudu Mallawaarachchi, da University of Wollongong (Austrália), observou em suas pesquisa que os contextos mais benéficos para as crianças são aqueles em que elas usam as telas com outras pessoas (pais, adultos, irmãos). Segundo ela, quando o tempo de tela se torna um momento compartilhado em família, é possível ter mais conversas sobre o que as crianças estão vendo, fazendo ou jogando — e nós, adultos, podemos ajudá-las a compreender aquele conteúdo. — Podemos fazer perguntas como “por que você acha que ele fez isso?” e também ajudá-las a relacionar o conteúdo ao mundo real (“você já se sentiu assim?”) — indica a australiana. Ela também aponta três contextos em que as crianças correm risco de ter seu desenvolvimento intelectual prejudicado. Repare que a maior parte deles tem mais a ver com os adultos. Os resultados mais negativos aparecem quando há: Exposição a conteúdos inadequados para a idade (violentos, com temas adultos ou voltados a públicos gerais); Uso excessivo de dispositivos por cuidadores, o que acaba interrompendo interações e rotinas entre pais e filhos. Isso está associado a piores habilidades sociais, de comportamento e de regulação emocional nas crianças. A TV ligada ao fundo é outro contexto problemático: ela desvia a atenção de adultos e crianças de outras atividades e reduz a quantidade de conversas, o que a ciência já mostrou ser prejudicial. Por isso, é uma ótima ideia desligar a TV quando ninguém está realmente vendo. Portanto, a resposta da pergunta lá de cima é a letra B! Ajuda digital ‍ Crianças gostam de vídeos de músicas claras, repetitivas, com refrões curtos. Também funcionam bem aquelas que trabalham com comandos, como "pule", "bata palmas", etc. Por isso, naquele dia de chuva que você não pode sair de casa, você pode usar vídeos de danças guiadas com coreografia ou de ioga para crianças para gasto de energia. Mas não abuse dessa estratégia. No dia a dia, priorize atividades ao ar livre. Em vez de aplicativos, aqui vão sugestões de filmes, séries e desenhos recomendados pelos especialistas ouvidos para esta newsletter: Vila Sésamo é um clássico que incentiva a imaginação e o faz de conta Bluey é conhecido por ter mensagens sociais positivas Mabô e Fifi é uma produção brasileira de ótimos vídeos musicais animados, inclusive com parlendas Quer saber mais? ??‍♀️ Bad Influence: The Dark Side Of Kidfluencing é um documentário que investiga os riscos, crimes e a exploração por trás das câmeras dos influenciadores infantis nos EUA. O Lado Sombrio da TV Infantil apresenta a cultura tóxica por trás de alguns dos programas infantis mais icônicos dos anos 1990 e 2000.