O Crítico Antigourmet | 14 verdades sobre o Natal que as pessoas não estão preparadas para ouvir

Este texto foi enviado na newsletter semanal O Crítico Antigourmet, em que Ian Oliver faz resenhas da gastronomia de São Paulo. Quer receber o conteúdo antes da publicação on-line? Clique aqui para se inscrever. 1. Seguir tradição cegamente é uma forma socialmente aceita de preguiça mental. Especialmente quando a tradição nem é sua, nem do seu território. Não existem itens obrigatórios numa ceia de Natal. O que deveria existir é bom senso: contexto cultural da família, capacidade técnica de quem cozinha e disponibilidade real de ingredientes. 2. Se cada família fizesse sua ceia de Natal segundo sua própria cultura alimentar, não teríamos peru industrializado pré-temperado e superfaturado em absolutamente todos os lares brasileiros. Comida é variação, singularidade e diversidade. Seja autêntico. Como disse Proust, “O hábito é o anestesista da sensibilidade.” 3. O tempero industrial para peru é o equivalente culinário de "O grito", de Munch. Uma avalanche de aromas fáceis, indeterminados e grosseiros. Intensos? Sim. Agradáveis? Nunca. São feitos para anestesiar papilas e combinar com rojões disparados por parentes que você finge tolerar uma vez por ano. 4. Vai fazer peru? Faça direito — ou não faça. Procure um sem tempero (boa sorte) e acerte na marinada. Boa vontade não fala por você quando o prato está seco. Se não domina o processo, faça outra coisa. Não é crime abandonar o peru. Crime é insistir nele. LEIA AS CRÍTICAS JÁ PUBLICADAS DO CRÍTICO ANTIGOURMET Para o Crítico Antigourmet, "o tempero industrial para peru é o equivalente culinário de 'O grito'", quadro de Edvard Munch (acima, em paródia natalina) Divulgação/Rosie Parker Inc. 5. O Natal brasileiro não peca pela falta — peca pelo excesso mal produzido. A ostentação aqui é volumétrica, não qualitativa. Mesa farta, paladar cansado. 6. O resultado costuma ser uma sinfonia irritante de seco + doce. Peru seco, farofa seca (e doce), lombo seco, tender doce, espumante doce, frutas doces em calda açucarada. Tudo junto. Tudo errado. 7. A uva-passa do supermercado é simplesmente a metonímia da ceia como um todo: dura, doce, seca, borrachuda — e indesejada. Não combina com arroz, que deveria ser base neutra. Nunca combinou. 8. Nem tudo precisa ter nozes, castanhas ou frutas no Natal. Isso não é um teste de resistência para prótese dentária nem um concurso de toppings. 9. Ao comer no Natal, lembre-se: você não está no filme "O poço". Não precisa empilhar tudo no prato como se o alimento fosse acabar para sempre. "Uva passa não combina com arroz, que deveria ser base neutra. Nunca combinou" Reprodução 10. A rabanada é um doce respeitável — quando bem feito. O problema é que, no Brasil, ela costuma sair oleosa e mole, como se tivesse passado um tempo no bufê do Viena. 11. Precisamos conversar seriamente sobre o conceito de “chocotone funcional”. Funcional para quem? E funcional para quê, exatamente? 12. Chester e Tender não são animais. São marcas. Chester é um frango peitudo com nome de fantasia. Nunca foi visto ciscando por aí. E não, ele não nasceu em laboratório — apenas no marketing. 13. Se você já desistiu da comida da ceia, invista na bebida. Ela pode não salvar o jantar, mas salva a noite. Às vezes, salva a família inteira. 14. E, sim: sua mãe dirá que você engordou este ano. Ela estará certa, por mais um ano. A newsletter volta a ser enviada em janeiro. Boas festas. "Rabanada é um doce respeitável — quando bem feito" Divulgação