Podas inadequadas transformam verde em dor de cabeça em São Paulo a cada temporal e contribuem para quedas de luz

O patrimônio verde da cidade de São Paulo vira dor de cabeça a cada temporal. Ano sim ano também, milhares de árvores caídas causam interrupções na rede de energia e transtornos para milhões de paulistanos, como no vendaval que varreu a cidade na semana passada. São Paulo: Aneel inicia processo que pode levar à caducidade de concessão da Enel após apagão STF: Corte tem maioria de votos contrários ao marco temporal das terras indígenas A poda de árvores é uma das principais demandas do paulistano junto à prefeitura. Segundo dados abertos da plataforma SP156 analisados por O GLOBO, em 2024 foram 77.625 pedidos de manejo de árvores abertos pelos moradores da capital, o maior índice desde 2018. Neste ano, até setembro, foram 52.428, número 7,5% menor que o registrado no mesmo período do ano passado. O manejo virou um jogo de empurra entre a prefeitura de Ricardo Nunes (MDB) e a Enel, com números conflitantes. A prefeitura afirma que realizou 162 mil podas de árvores em 2025, além de 13,3 mil remoções preventivas. Diz também que aumentou o número de equipes que atuam pelas ruas realizando o manejo, de 122 para 182, e que iniciou um inventário digitalizado da vegetação da cidade. Nunes acusa a Enel de realizar apenas 31.945 podas no ano. Segundo a prefeitura, a empresa teria se comprometido a podar 282.271 árvores. A Enel rebate a afirmação, e diz que somente em 2025 fez 232.000 podas e responde que o número em mãos do poder municipal está desatualizado em função de uma “falha no sistema do município, de conhecimento da prefeitura desde o início do ano”. Volume, de qualquer forma, não é sinônimo de qualidade, alerta o professor e doutor em botânica pela Universidade de São Paulo, Giuliano Locosselli. Ele é um dos autores de um estudo, publicado em 2024 na revista Urban Forestry & Urban Greening, em que pesquisadores de diversas universidades analisaram dados da prefeitura sobre 456 árvores que caíram entre 2016 e 2018. Com ajuda da inteligência artificial, foi possível detectar as principais causas para as quedas, como podas inadequadas, a exemplo das feitas pelas empresas de energia — as chamadas podas em “V”, em que os galhos do meio da árvore são cortados para a passagem de fiação, causando desequilíbrio. — Não quer dizer que todas são mal feitas, mas muitas são feitas pensando na fiação. A poda é uma técnica de manejo importante, mas se não é feita de maneira correta é realmente muito danosa — afirma Locosselli. — A gente vê nas ruas que muitas das podas feitas desequilibram as árvores, diminuem a copa, a quantidade de folhas necessárias para elas se alimentarem, fazerem fotossíntese e tudo isso compromete o funcionamento e o equilíbrio Identificar se uma árvore veio abaixo por uma poda inadequada é relativamente simples. O professor explica que o manejo inadequado pode afetar o caule da planta, ou seja, o tronco. — Muitas vezes você vê uma árvore que quebra no meio, ou ela abre. Esse tipo de falha é diretamente associado à poda, principalmente a poda em V, e o que chamamos de poda drástica — diz o botânico. Os vilões também incluem as calçadas que estrangulam as raízes, a construção de “muretinhas” no entorno das raízes e o plantio de espécimes inadequados. — Todos os setores da sociedade envolvidos devem planejar o manejo e o plantio. No final das contas, todo mundo sai perdendo. Tem que envolver a prefeitura, a concessionária e conscientização da população — observa Locosselli. Outra queixa constante do prefeito é um suposto investimento abaixo do previsto da Enel na infraestrutura elétrica. Nunes, em entrevista ao programa Roda Viva na última segunda-feira, alegou que a empresa deveria ter investido R$3,9 bilhões no último ano na área da Grande São Paulo, mas gastou menos, R$3 bilhões. A empresa afirma, no entanto, que aprovou um plano de investimentos para o período de 2025 a 2027 de R$ 10,4 bilhões. No temporal da última semana, ao menos 231 árvores vieram abaixo na cidade. Questionado sobre o papel da prefeitura em prevenir a interrupção de energia, Nunes afirmou no Roda Viva que apenas “10%” das interrupções no fornecimento de energia foram causadas por problemas com vegetação. O número, no entanto, contrasta com dados reportados pela Enel para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), analisados por O GLOBO. Em 11 de outubro de 2024, outro grande temporal varreu a cidade, com registro de fortes ventos. Na ocasião, mais de 3 milhões de imóveis ficaram no escuro na cidade de São Paulo e, como neste ano, o restabelecimento também foi lento: a Enel levou uma média de 41,5 horas para atender as ocorrências. No dia 11, a concessionária reportou falhas em 4.307 pontos da rede elétrica. Os motivos das interrupções não programadas foram, em vasta maioria, mais relacionados aos danos causados pelo vento, responsável por 51% dos problemas na infraestrutura, e interferências de árvores, acumulando 30%. Outras causas incluem falhas em equipamentos, com 9% dos casos, e sobrecargas na rede, respondendo por 3,3%.