A ciência brasileira acompanhou uma tendência mundial e voltou a crescer depois do impacto sofrido nos anos críticos da Covid-19, mas o dado mais recente, referente ao 2024, indica que o setor ainda não conseguiu voltar ao nível anterior à pandemia. Medida pela produção de artigos acadêmicos indexados, a atividade científica no país aumentou 4,5% no último ano (de 70.095 para 73.220 artigos), após amargar dois anos seguidos com reduções superiores a 7%. O resultado mais recente não atingiu ainda o pico verificado em 2019, quando pesquisadores do país publicaram 82.440 artigos. Esses dados estão no último relatório que a Elsevier, maior editora de periódicos científicos do mundo, produziu em parceria com a Agência Bori de comunicação científica para avaliar a saúde da produção acadêmica do Brasil e compará-la a outros países. A queda verificada nos anos de 2022 e 2023 foi mais intensa do que a de outros países e, em média, mais duradoura. No total mundial, países conseguiram retomar o crescimento em um ano, mas pesquisadores brasileiros levaram dois. Se é verdade que praticamente todos os cientistas do mundo tiveram seus trabalhos afetados pela pandemia, é consenso entre pesquisadores que o Brasil também viveu um período hostil à ciência ao mesmo tempo em que enfrentava o auge da Covid-19. A gestão federal da época, com Jair Bolsonaro presidente e Marcos Pontes no ministério da Ciência, frequentemente se viu em conflito com a academia. — Os cientistas relatam que houve um período corte de recursos, de ataque às instituições e à figura dos cientistas, o que acabou afetando o trabalho deles — afirma Sabine Righetti, especialista em política científica da Bori e coautora do relatório. — Nesse cenário, o pesquisador também demandava menos recurso para fazer pesquisa, fazia menos pesquisa, e vinha esse efeito cascata. A queda ocorreu em mais da metade dos países que nós analisamos, mas o Brasil teve uma das piores quedas. O princípio de recuperação verificado agora mostra uma tendência esperada, mas que demorou um pouco para se tornar visível, pois as oscilações da atividade científica demoram para se refletir na produtividade. Artigos são tipicamente resultado de projetos que duram mais de um ano, e levam um tempo razoável para sair uma vez que uma pesquisa nova é iniciada. A análise feita pela Elsevier e pela Bori comparou o Brasil a 53 outros países que também têm uma comunidade acadêmica robusta. Foram incluídos aqueles que produziram pelo menos 10 mil artigos científicos em 2024. Neste ano, todos os países investigados no relatório tiveram atividade de ciência crescendo, à exceção de Rússia e Ucrânia, que ainda travam uma guerra entre si. Os artigos contabilizados no levantamento são aqueles indexados em bases de dados que tenham um rigor mínimo, incluindo apenas periódicos que tenham pelo menos revisão independente por pares (peer review) para aprovar trabalhos. — O volume de publicação de artigos de um país reflete, entre outros fatores, o volume de investimento feito em pesquisa científica alguns anos atrás — afirma Dante Cid, vice-presidente de Relações Institucionais da Elsevier para a América Latina e também coautor do relatório — Mediante o melhor nível de investimentos feito nestes últimos anos, esperávamos que a produção nacional retomasse o crescimento. Longo prazo A análise dos pesquisadores tratou também da produtividade científica dos países a longo prazo, medida com um índice chamado taxa de crescimento anual composta (TCAC). Este número usa médias de períodos mais longos para enxergar tendências além das perturbações de curto prazo como a pandemia. Quando dividido pelo número de autores de artigos em cada país, mostra a capacidade de produção. "A TCAC para o número de autores no Brasil, medida em períodos decenais, caiu rapidamente após 2013. De 1996 a 2013 essa taxa foi sempre superior a 13% por ano e, após 2013, caiu até chegar a 4,8% por ano", afirmam os autores. "Esse é um valor baixo para um país que está ainda construindo seu sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação." Tipicamente, apenas países desenvolvidos têm essa taxa composta abaixo de 5%, um sinal de que sua ciência já está madura e sua comunidade acadêmica já têm um mínimo de massa crítica. Não é o caso do Brasil. A retomada da produção científica brasileira em 2024 foi puxada por quase todos os campos de pesquisa, tendo no setor de energias e tecnologias o maior aumento (7,1%). A única área onde a queda ainda não se reverteu foi a de humanidades, que reduziu sua produção de artigos em 1,1% no último ano. Nas humanas, porém, o uso de artigos nem sempre é a melhor métrica para estimar produção, porque em sub-áreas desse campo os livros são a forma de trabalho mais comum, e estes demoram mais para serem editados. Levando em conta todas as áreas, é esperado que no próximo ano avaliado (2025) o Brasil já deva pelo menos chegar de novo ao nível pré-pandemia. O projeto de desenvolvimento do país, porém, precisa contemplar um investimento maior em ciência, que inclui elevar o número de cientistas, dizem os analistas. "É essencial para a competitividade da ciência feita no Brasil que o crescimento no número de pesquisadores ativos (autores de artigos científicos) cresça a taxas mais altas do que aquelas observadas a partir de 2015", afirma o trabalho.