Eles se amarraram com uma corda na cintura e viveram assim durante um ano: o que descobriram enquanto viviam juntos os surpreendeu

Em 4 de julho de 1983, às 18h, os artistas performáticos Linda Montano e Tehching Hsieh lançaram uma das ações mais radicais da arte contemporânea. A obra, intitulada “Arte/Vida: Performance de Um Ano”, consistia em permanecerem unidos durante um ano inteiro por uma corda de dois metros e meio amarrada à cintura de ambos. Quando a mente avisa do perigo: roer as unhas, procrastinar e outras formas de autossabotagem Vivi para contar: ‘Precisamos falar de morte todos os dias’, diz Andreas Kisser, que criou associação pela eutanásia no Brasil depois da morte da mulher O experimento se desenrolou sob regras rígidas: eles não podiam se tocar, tinham que sempre compartilhar o mesmo espaço fechado quando estivessem em ambientes internos e juraram permanecer celibatários. O que começou como um experimento artístico se transformou em uma convivência marcada por conflitos e tensões emocionais. Desde o início, a proposta expôs tensões constantes. Apesar da proibição do contato físico, cerca de 60 toques acidentais e apenas um abraço intencional, iniciado por Montano, foram registrados ao longo do ano. Eles dormiam em camas separadas, colocadas a uma curta distância uma da outra, e qualquer atividade diária exigia coordenação: se um tomasse banho, o outro tinha que esperar do lado de fora do banheiro para cumprir a regra de não ocupar quartos separados. Essa total falta de privacidade tornou-se uma fonte constante de atrito. De acordo com o site ArtForum, “a hipocrisia social usual, como ser diferente dos outros amigos ao telefone, era anulada pela presença constante do pior crítico um do outro”. Coabitação forçada e ruptura da comunicação Com o passar dos meses, a deterioração da comunicação entre eles tornou-se um dos efeitos mais notáveis. Ambos os artistas quase pararam de falar completamente e, segundo Montano, começaram a se comunicar por meio de sons, gemidos e grunhidos. A incapacidade de agir de forma independente agravou a situação: qualquer decisão exigia o consentimento do outro, o que levava a bloqueios deliberados e períodos de inatividade que duravam várias horas como forma de resistência mútua. As discussões eram frequentes e, segundo a estimativa de Montano, eles brigavam em 80% dos casos. Ela e Hsieh concordaram que estavam se tornando mais parecidos com animais, puxando violentamente a corda que os prendia, sem jamais recorrer à agressão física. Diferenças conceituais quanto ao significado da arte também vieram à tona. Montano entendia a obra como um exercício de atenção plena, semelhante a um retiro meditativo, focado em manter um relacionamento sob condições extremas. Hsieh, por outro lado, abordava a performance de uma perspectiva mais impessoal, onde o gesto absolutista era puro e o incidente humano era irrelevante para ele. Ele chegou a comparar a experiência com seus três anos de serviço no exército taiwanês. Com o tempo, ambos perderam o respeito pelo trabalho um do outro, o que transformou a colaboração na sobreposição de duas peças distintas em andamento. A dependência absoluta um do outro para as necessidades básicas intensificava o estresse diário. Ações simples como ir ao banheiro ou beber água estavam sujeitas ao poder de veto do outro, um mecanismo que Montano comparou a uma constituição romana, onde um único voto negativo era decisivo. Às vezes, essa dinâmica levava a represálias silenciosas que os deixavam imobilizados por horas, consumidos por um "ódio sombrio". Montano chegou a afirmar que, não fosse a regra de não se tocarem, teria matado Hsieh mil vezes. Ele, por sua vez, admitiu que em duas ocasiões atirou móveis perto dela, embora sem realmente feri-la. No final do projeto, a relação tomou um rumo inesperado. Hsieh recordou que 80 dias antes do fim, começaram a agir mais como seres humanos. "Era quase como se tivéssemos emergido de um submarino”, relatou. Longe de ser interpretada como um fracasso, a dureza da experiência foi compreendida como a essência do seu valor artístico. A obra, ao incorporar “o poder bruto da vida em todo o seu perigo, confere dignidade e integridade ao compromisso entre arte e vida”, confirmando que a arte pode conter até mesmo os aspectos mais conflituosos da existência. Nesse processo, os artistas deixaram de ser observadores e se tornaram sujeitos aprisionados em sua própria criação.