Justiça decide que bancos são responsáveis por perdas em golpes do motoboy

GABRIELA CECCHIN SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) Bancos perdem na maioria das ações movidas por vítimas de golpes conhecidos como "do motoboy", "do delivery" ou "da falsa central", em que criminosos se passam por funcionários da instituição financeira e convencem o consumidor a entregar cartão e senha. Um estudo da plataforma de pesquisa jurídica com inteligência artificial Juit, que analisou 559 decisões do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) entre 2019 e 2025, mostra que os consumidores venceram 82,1% das ações movidas contra bancos e empresas da cadeia de pagamentos. O principal argumento adotado pelos magistrados é que houve falha nos sistemas de segurança das instituições financeiras, que autorizaram transações incompatíveis com o perfil do cliente. A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirmou, em nota, que o istema bancário possui robustas estruturas de monitoramento de seus sistemas, e que utiliza o que há de mais moderno em termos de tecnologia e segurança da informação. "Neste ano, são mais de R$ 50 bilhões em investimentos, sendo que, deste total, 10% voltados para a prevenção a golpes e fraudes", diz. Segundo o levantamento, das 437 ações em que consumidores processaram bancos e empresas de pagamento, 359 terminaram com decisão favorável às vítimas. Em apenas 16% dos casos houve vitória das instituições financeiras. O cenário é ainda mais desfavorável aos bancos na segunda instância. Nos julgamentos em grau de recurso, os consumidores venceram cerca de 90% das ações analisadas. A tese de culpa exclusiva da vítima -baseada no fato de o cliente ter entregue voluntariamente o cartão e a senha- foi aceita em apenas 17% dos casos. O entendimento predominante é que o banco ainda falhou em identificar movimentações atípicas, como compras de alto valor, realizadas em sequência ou fora do padrão de consumo do correntista. Esse raciocínio segue a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que classifica esse tipo de fraude como "fortuito interno" --ou seja, um risco inerente à atividade bancária, que não pode ser transferido ao consumidor. O estudo também analisou as ações de regresso, em que bancos tentam repassar o prejuízo às empresas responsáveis pelas maquininhas de cartão, alegando falhas no credenciamento dos estabelecimentos usados pelos golpistas. Nesse cenário, a Justiça paulista tem adotado posição inversa à observada nas ações de consumo. Das 122 decisões analisadas, as empresas de meios de pagamento venceram 81% dos processos, enquanto os bancos tiveram sucesso em apenas 18% . O entendimento predominante do TJ-SP é que as maquininhas são apenas uma intermediação tecnológica. Para os magistrados, o dano não decorre do uso da maquininha, mas da autorização da transação pelo banco emissor do cartão. Na primeira instância, os bancos ainda conseguem algum êxito -vencem cerca de 29% das ações de regresso. No tribunal, porém, em 49 recursos analisados, houve apenas uma decisão favorável às instituições financeiras. Esse caso isolado reconheceu corresponsabilidade da empresa de pagamentos por falhas graves no processo de identificação do cliente. Ainda assim, o tribunal determinou o ressarcimento de apenas metade do prejuízo. De forma geral, os desembargadores rejeitam o argumento de falta de fiscalização no credenciamento das maquininhas. Em apenas 9% das decisões essa tese foi acolhida como fundamento principal. Para os autores do estudo, o TJ-SP consolidou o entendimento de que o risco da fraude está concentrado na atividade de crédito e gestão de contas, exercida pelos bancos, e não na captura da transação pelas empresas de pagamento . A Febraban afirma que bancos associados contam com mensageria criptografada, autenticação biométrica e tokenização, além de tecnologias como big data, analytics e inteligência artificial em processos de prevenção de riscos. "Estes processos são continuamente aprimorados, considerando os avanços tecnológicos e as mudanças no ambiente de riscos. Os bancos também atuam em parceria com forças policiais para auxiliar na identificação e punição de criminosos virtuais", afirma. A associação entende que o combate aos golpes e fraudes depende do enfrentamento conjunto do fornecedor do serviço bancário e também do consumidor, em que cada parte envolvida assume a sua responsabilidade. "Assim, quando for constatada falha do fornecedor do serviço, cabe a este ressarcir quem for prejudicado. Contudo, se a transferência questionada decorre de responsabilidade exclusiva do consumidor, não cabe à instituição financeira arcar com o ônus", diz. Quanto à jurisprudência, a Febraban afirma que, apesar de o entendimento dos tribunais superiores ainda não estar consolidado, há precedentes confirmando que, nos casos de culpa exclusiva do consumidor, inclusive em golpes, não há responsabilidade dos bancos.