O grito de vida que venceu o silêncio do genocídio: nasce o primeiro bebê Akuntsú em 30 Anos

Por mais de três décadas, o destino do povo Akuntsú parecia selado pelo silêncio. Reduzidos a um pequeno grupo de sobreviventes de massacres brutais, eles eram, para muitos especialistas, uma etnia em contagem regressiva para o desaparecimento. Mas há onze dias, a história deste grupo que vive no coração da Amazônia ganhou um novo e vigoroso capítulo quando o choro de um recém-nascido ecoou na Terra Indígena Rio Omerê, área de 26 mil hectares localizada em Rondônia. Filho de Babawru Akuntsú, o bebê é o primeiro de sua etnia a nascer em mais de 30 anos. O nascimento não é apenas um evento biológico; é um ato de resistência política e cultural. Até a sua chegada, a etnia era composta por apenas três mulheres: Babawru, Pugapia e Aiga. Elas eram as guardiãs solitárias de uma língua, de uma cosmologia e de uma memória que o mundo quase permitiu que se apagasse. Guardiões misteriosos: povos isolados da Amazônia prosperam em meio a ameaças ambientais Invalidade da lei: STF tem 9 votos a 1 pela inconstitucionalidade do marco temporal das terras indígenas Novo bebê Akuntsú tem nascimento comemorado por comunidade indígena, que lida com histórico de redução populacional por conflitos territoriais Divulgação Funai A história dos Akuntsú é uma das mais dolorosas do indigenismo brasileiro. Vítimas de uma ocupação violenta nas regiões dos rios Trincheira e Caiubá, o povo foi caçado por frentes de expansão não indígenas que avançaram sobre Rondônia. A tragédia ganhou as telas no premiado documentário "Corumbiara" (2009), de Vincent Carelli, que revelou ao mundo as cicatrizes físicas e emocionais de um povo que viu seus parentes serem dizimados em conflitos de terra. Forçados ao deslocamento e hoje confinados em um território homologado entre Chupinguaia e Corumbiara (RO), os Akuntsú tornaram-se o símbolo vivo das consequências devastadoras do contato forçado e da omissão estatal no passado. Guerra pela vida Para que este bebê nascesse em segurança, foi montada uma rede de proteção que uniu a ancestralidade e a ciência. A Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé, da Funai, monitorou a gestação sob a ótica do "recente contato", respeitando o isolamento e as especificidades culturais da etnia. O parto contou com o apoio da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e do Hospital Regional de Vilhena. Mais do que assistência médica, a operação exigiu sensibilidade: foi necessário garantir que o conhecimento técnico-científico não atropelasse os modos de vida das mulheres Akuntsú, que mantêm sua organização social e tradições vivas, mesmo diante de tantas perdas. O Futuro no Colo Para a Funai, este nascimento é a prova definitiva de que a proteção territorial é a única vacina contra a extinção. Sem a Terra Indígena Rio Omerê devidamente resguardada, não haveria segurança para que Babawru trouxesse uma nova vida ao mundo. Mulheres do povo Akuntsú Divulgação / Funai A história dos Akuntsú demonstra que a proteção territorial se faz necessária para garantir a reprodução física e cultural dos povos indígenas, como prevê a Constituição Federal", afirmou o órgão em nota. O novo pequeno Akuntsú agora cresce sob o olhar atento de suas três tias e mães. Ele carrega nos ombros o peso de um povo, mas traz nas mãos a semente da continuidade. Onde antes havia o medo do fim, agora existe o desafio — e a alegria — de criar o futuro. Proteção territorial Os povos indígenas isolados e de recente contato são atendidos por Coordenações de Frentes de Proteção Etnoambiental (CFPEs), unidades especializadas nesse atendimento, vinculadas à Coordenação-Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato. No caso da Terra Indígena Rio Omerê, o monitoramento e a vigilância são feitos pela CFPE Guaporé. A atuação do órgão é pautada pelo respeito ao ritmo e às escolhas desses povos, garantindo que o território permaneça livre de invasões e pressões externas que possam comprometer a integridade física e cultural de seus habitantes.