Estudos recentes apontam que a corrida pela adoção da inteligência artificial (IA) está moldando o futuro dos negócios e expondo um paradoxo: enquanto a tecnologia avança em velocidade acelerada, organizações ainda enfrentam dificuldades para aplicar a IA de forma consistente na resolução de problemas e na tomada de decisão. Como demonstrado no relatório The GenAI Divide: State of AI in Business 2025, publicado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), "95% das iniciativas de IA nas empresas não conseguem gerar impacto direto na receita". O estudo revela que a maior barreira é a falta de conhecimento e preparo sobre como aplicar a IA de forma consistente e integrá-la ao dia a dia corporativo. Para Carlos Felippe Cardoso (CFC), cofundador e CEO da Nower, consultoria especializada em gestão de resultados e transformação organizacional, "a maior transformação provocada pela IA nas empresas não será tecnológica, mas sim na capacidade de endereçar problemas reais e transformar hipóteses em soluções testáveis". Segundo Carlos, empresas continuam investindo fortemente em tecnologia com o propósito de aumentar a eficiência e a digitalização de parte da cadeia de trabalho. "Mas negligenciam algo essencial: a necessidade de desenvolver pessoas que sejam capazes de usar a IA para gerar valor real para o negócio". Na perspectiva de Luis Fernando Orleans — especialista em IA, pesquisador, PhD em Computação e líder de Data Science em startups nos EUA —, um dos maiores equívocos das empresas hoje é acreditar que os resultados com IA virão apenas pela implementação de ferramentas. "Existe uma pressão enorme para adotar IA rapidamente, mas pouca atenção ao preparo das pessoas que vão usar essa tecnologia. O treinamento acaba surgindo como efeito colateral da urgência, quando deveria ser o ponto de partida", afirma Luis. Para ele, capacitar a equipe não só reduz riscos como revela lacunas de conhecimento que podem ser solucionadas antes que se tornem barreiras. "Investir no desenvolvimento das pessoas é um dos maiores benefícios para o futuro do negócio. Times bem treinados tomam melhores decisões, entendem limites e possibilidades e constroem soluções mais sustentáveis para o negócio". O papel da liderança na transformação com IA Para Carlos, o ponto central da transformação digital e da adoção da IA está no papel da liderança. "A tecnologia acelera, mas é a liderança que dá direção. Se a liderança não tem clareza sobre quais oportunidades precisam ser evoluídas, a IA pode otimizar processos que talvez nem deveriam existir". Carlos reforça que a transição para modelos de trabalho mediados por IA exige segurança de dados e psicológica, além de autonomia e confiança. "Liderar na era da IA é conduzir pessoas em meio à incerteza. O líder precisa ser capaz de direcionar e criar condições para que a equipe experimente, aprenda rápido e tome decisões baseadas em evidências. Sem isso, a IA se torna apenas mais um projeto que não entregou o esperado", afirma. Dados do relatório BCG Build for the Future 2025 Global Study, que analisou mais de 1.250 empresas globalmente, mostram que apenas 5% das organizações conseguem gerar valor significativo com Inteligência Artificial. O estudo também aponta que cerca de 60% ainda estão atrasadas no desenvolvimento de capacidades críticas em IA. Para evitar esses erros, Carlos recomenda que as empresas adotem uma abordagem prática e evolutiva, começando por projetos-piloto que resolvam problemas reais e gerem aprendizado interno. "Ainda vemos iniciativas de IA motivadas mais pelo hype do que pela estratégia, a promessa do santo graal da eficiência. Sem uma boa visão estratégica e equipes preparadas, o custo e a complexidade se tornam insustentáveis", analisa Carlos. A lacuna entre tecnologia e cultura organizacional Estudos recentes, como o relatório Superagency in the Workplace, apontam que as organizações que capacitam suas equipes para trabalhar lado a lado com a IA dobram as chances de gerar valor de negócio. O mesmo estudo revela que a ausência de programas estruturados de treinamento e desenvolvimento de pessoas é hoje um dos maiores gargalos na implementação bem-sucedida da tecnologia. Rodrigo de Toledo, cofundador e Trainer na Nower e K21, reforça que "a IA é uma extensão da capacidade humana. Quando bem aplicada, induz as pessoas a pensar criticamente, tomar decisões estratégicas e inovar". Porém, ele ressalta que esses efeitos só emergem quando a cultura organizacional valoriza o aprendizado contínuo e a experimentação. O futuro das organizações Para Carlos Felippe Cardoso, Rodrigo de Toledo e Luis Fernando Orleans, o desafio da adoção da IA nas organizações não é apenas técnico, mas envolve a capacidade de aprender, amadurecer e lidar com os novos padrões emergentes trazidos pela tecnologia. Luis recomenda que os executivos desenvolvam lideranças e equipes para tomar decisões mais conscientes e reduzir riscos. "Criar protótipos com IA é mais fácil, mas escalar soluções exige preparo técnico, clareza de objetivos e avaliação cuidadosa de custos. As pessoas e o negócio precisam estar preparados para usar a IA com propósito", afirma. Toledo avalia que as organizações que mais estão se beneficiando da IA são aquelas que entenderam que a tecnologia não substitui o talento humano, mas o amplia exponencialmente. "Quando as pessoas são preparadas para usar IA de forma estratégica, o impacto vai além da eficiência; elas passam a gerar novas soluções, novos negócios e novas formas de trabalhar". Carlos conclui recomendando que as lideranças, antes de investir em novas posições, projetos ou fornecedores, questionem qual impacto de negócio desejam gerar e de que forma as tecnologias — em especial a inteligência artificial — podem ampliar esse resultado, reduzindo a necessidade de escalar a operação. "A tecnologia deve estar a serviço da estratégia, não o contrário".