Com novo empréstimo da UE, Ucrânia evita crise orçamentária e fortalece sua posição nas negociações de paz

Após uma das noites mais longas desde o início da invasão russa da Ucrânia, há quase quatro anos, líderes da União Europeia (UE) aprovaram um empréstimo de € 90 bilhões (R$ 583,66 bilhões) a Kiev, considerado vital para manter o país funcionando e conseguir planejar seus próximos passos na guerra. Embora a proposta anunciada em Bruxelas não tenha sido a esperada por boa parte dos governos europeus, para o lado ucraniano apenas uma coisa importa: o dinheiro chegará em breve. Há 22 anos: Putin se exime de culpa por mortes na guerra da Ucrânia e diz que fim do conflito depende de Kiev em coletiva de imprensa anual Trabalhou com Putin por três décadas: Quem é o aliado de Vladimir Putin que se levantou contra a guerra na Ucrânia Pelo plano, respaldado pelos 27 governos do bloco, o valor do empréstimo será levantado nos mercados dando como garantia o orçamento da UE, e depois repassado aos ucranianos já a partir de meados de janeiro, com o pagamento das parcelas — sem juros — apenas depois que a Rússia pagasse pelas reparações da guerra. Para garantir o apoio unânime, o texto final estabeleceu que não haveria qualquer tipo de impacto a Hungria, Eslováquia e República Tcheca, países que se opunham ao uso de dinheiro europeu para financiar a Ucrânia. Foi uma saída de última hora para o fracasso de uma proposta inicial que previa o uso de € 210 bilhões (R$ 1,2 trilhão) em ativos russos congelados no bloco como garantia para um “fundo de reparações”. Especialistas questionavam sua legalidade, enquanto a Bélgica, onde está depositada a maior parte desses ativos, queria garantias incondicionais contra processos judiciais. Se ao final da maratona de negociações em Bruxelas nem todos saíram satisfeitos, a aprovação foi recebida com alívio na Ucrânia. “Sem estes fundos, seria muito difícil para nós”, escreveu o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, em suas redes sociais. “Não há resultados positivos em uma guerra, mas hoje, este é um sinal positivo importante para a nossa sociedade e um sinal severo para o inimigo.” Guerra na Ucrânia, dia 1.395: Rússia diz ter o 'controle' de Kupiansk, cidade estratégica no nordeste da Ucrânia Estima-se que o Estado ucraniano precise de € 137 bilhões (R$ 888 bilhões) para financiar a administração pública e as despesas militares ao longo de 2026 e 2027. O dinheiro europeu será responsável por suprir dois terços do valor, e a expectativa é de que ele abra caminho para novos financiamentos. No mês passado, Kiev firmou um acordo com o Fundo Monetário Internacional para ter acesso a uma linha de ajuda de US$ 8,1 bilhões (R$ 44,1 bilhões). — A estabilidade financeira é estrategicamente importante em tempos de guerra. Ao fortalecê-la hoje, aproximamos uma paz justa — afirmou o ministro das Finanças ucraniano, Sergii Marchenko, em declarações ao G7, o grupo de sete das maiores economias do planeta. — Ele (empréstimo) garantirá capacidades de defesa sustentáveis ​​e protegerá a Europa de futuros conflitos. Impactos da guerra: Alemanha inaugura centro antidrone após incursões em locais estratégicos do país atribuídas a Rússia O dinheiro garantirá investimentos na construção de novos drones, uma arma primordial em ataques contra alvos russos e para conter ofensivas terrestres, a compra de equipamentos militares convencionais e o pagamento de salários e benefícios a pensionistas. No ano passado, diante de apertos orçamentários, o governo aumentou impostos para manter os esforços de guerra, uma medida impopular em um país esgotado mentalmente e financeiramente pelo conflito. Mas o respaldo unânime dos europeus ao empréstimo também tem impactos políticos, ao demonstrar, em termos financeiros, como Bruxelas está ao lado de Kiev em um momento crucial para o conflito, com as negociações sobre um acordo de paz com Moscou. — O mais assustador para a Rússia é se estivermos juntos. Porque eles definitivamente não podem nos derrotar sozinhos — disse Zelensky ao premier da Polônia, Donald Tusk, em Varsóvia, nesta sexta-feira. Alcance de 3 mil km: Ucrânia produz míssil em fábricas secretas e aposta em autonomia militar para enfrentar a Rússia Lideradas pelos EUA, as conversas estão centradas em um plano apresentado por Washington que, em sua versão inicial, estava carregado de tons pró-Rússia. Na quinta-feira, quando a UE estava reunida em Bruxelas, o presidente Donald Trump cobrou pressa de Kiev para aceitar um acordo, “antes que os russos mudem de ideia”. Vladimir Putin, líder russo, também jogou para os ucranianos e para Bruxelas a responsabilidade pela paz, ao mesmo tempo em que seguia com sua ofensiva terrestre e aérea. “[O empréstimo] fortalece significativamente nossa posição de negociação, enviando um sinal a Putin, que estava convencido de que a Ucrânia seria deixada em paz e que ele a pressionaria”, escreveu em suas redes sociais o cientista político ucraniano Viktor Taran. ”E agora ele precisa tomar decisões, em um contexto de queda dos indicadores econômicos.” Novas conversas entre representantes dos EUA, Rússia e Ucrânia — separadamente — estão previstas para o fim de semana. Sem comentar o pacote europeu aprovado horas antes, o secretário de Estado americano Marco Rubio, disse que progressos foram feitos nas negociações, mas evitou dizer quando ou mesmo se um acordo será fechado. — Talvez isso aconteça esta semana, talvez no mês que vem, talvez não esteja pronto por alguns meses — declarou Rubio nesta quinta-feira sem excluir a possibilidade dos dois lados não se entenderem. — Acho que fizemos progressos, mas ainda temos um longo caminho a percorrer. E, obviamente, as questões mais difíceis são sempre as últimas. Além do petróleo: 'Frota fantasma' russa é usada para ações de inteligência na Europa, diz TV dos EUA O lado russo exige a cessão completa das regiões de Donetsk e Luhansk, incluindo as áreas ainda sob poder da Ucrânia, além do congelamento das linhas de frente e o reconhecimento internacional das anexações. Outras demandas, igualmente presentes no plano de 28 pontos apresentado pela Casa Branca, incluem um veto permanente da Ucrânia na Otan, a principal aliança militar do Ocidente, e limites ao tamanho das forças de defesa ucranianas no pós-guerra. Kiev reluta em ceder seus territórios, algo visto como uma admissão de derrota, e insiste que o plano traga garantias de segurança contra novas invasões, preferencialmente com o respaldo militar do Ocidente. Uma forma de elevar o preço de violações, como a ocorrida em um passado recente. Em 1994, Ucrânia, Cazaquistão e Bielorrússia concordaram em enviar as armas nucleares herdadas da antiga União Soviética à Rússia, em troca de um compromisso dos EUA, Rússia e Reino Unido de que não sofreriam agressões militares ou econômicas. O Memorando de Budapeste foi violado em 2014, com a anexação da Crimeia e o apoio de Moscou aos separatistas no no leste ucraniano, e se tornou letra-morta em fevereiro de 2022, quando os tanques russos cruzaram a fronteira. (Com The New York Times)