Em um galpão do tamanho de quadras de basquete, equipes do órgão eleitoral de Honduras realizam, manualmente, a revisão dos votos que definirão o vencedor das eleições presidenciais — um processo que evolui como uma novela marcada por interrupções, desconfiança e tensões externas. Leia mais: Com novo empréstimo da UE, Ucrânia evita crise orçamentária e fortalece sua posição nas negociações de paz Com luvas de látex, funcionários e representantes partidários examinam, desde quinta-feira, cada cédula como se fosse material forense. A apuração detalhada ocorre após a votação de 30 de novembro e deve confirmar se o próximo presidente será o empresário conservador Nasry Asfura, de 67 anos, apoiado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, ou o também direitista Salvador Nasralla, apresentador de televisão de 72 anos. Asfura mantém vantagem de apenas alguns milhares de votos, enquanto Nasralla assegura que ainda tem margem para virar o resultado. Voto a voto: Asfura, favorito de Trump, retoma a liderança na eleição presidencial de Honduras O processo ganhou novos contornos após a decisão do governo Trump de revogar o visto do magistrado eleitoral Mario Morazán e alegar que o conselheiro Marlon Ochoa, do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), estaria “obstruindo” a apuração. Ambos são próximos do governo da presidente hondurenha, Xiomara Castro, que acusa Trump de interferência para manipular a vontade popular. Washington também restringiu a entrada de outra pessoa não identificada. Trump já havia sacudido o cenário político ao conceder indulto ao ex-presidente Juan Orlando Hernández, aliado de Asfura e condenado a 45 anos de prisão nos Estados Unidos por narcotráfico. Fiscalização intensa e tensão nas ruas A revisão dos cerca de 2.800 registros considerados “inconsistentes” é acompanhada por câmeras de circuito interno e vigilância militar do lado de fora. A imprensa não tem acesso ao local, mas todo o processo é transmitido pelo canal do YouTube do CNE — alvo de críticas devido às frequentes falhas técnicas que interrompem a divulgação dos resultados. Esses problemas, somados à margem estreita entre os candidatos, às denúncias de fraude e à intervenção dos EUA, alimentaram protestos e teorias conspiratórias, lembrando episódios de crises eleitorais anteriores no país. A tensão, porém, começou a diminuir após o início do “escrutínio especial”. Ainda assim, o Partido Liberal, de Nasralla, e o governista Partido Livre exigem a recontagem total dos votos. Saiba mais: Na Flórida, migrantes concedem tutela de filhos a ativistas por medo de deportação — Agora estou mais tranquila porque vai ter presidente. Antes eu achava que não — disse à AFP Sandra Suazo, 68, que acompanhava o processo em Tegucigalpa. O CNE tem até 30 de dezembro para anunciar o vencedor, mas, segundo o diretor de Formação Política do órgão, Bladimir Bastida, a apuração pode ser concluída em poucas horas. Nasralla, contudo, insiste que, após esta etapa, será necessário revisar todas as inconsistências — o que, segundo ele, envolveria cerca de 8.000 urnas. Impactos econômicos Independente do desfecho, a prolongada incerteza eleitoral já afeta comerciantes em Tegucigalpa, que viram o movimento despencar por medo de violência e protestos. Sandra Reyes, 31, proprietária de uma banca no mercado ao ar livre do bairro Kennedy, disse ter investido US$ 1 mil em roupas usadas importadas dos EUA, mas não conseguiu vender quase nada. “As pessoas têm medo de gastar”, afirmou. Norman Sierra, 56, vendedor de carros usados, também sofreu perdas. “Dá medo porque podem ocorrer protestos e jogar pedras”, disse.