Maiores símbolos da celebração em família e de encontros repletos de afeto e amor entre amigos, o Natal e o ano-novo se tornaram, há pouco tempo, o maior pesadelo da contadora Rosângela Silva, de 47 anos. Separada desde julho, após cinco anos de casamento, ela manteve uma boa relação com as enteadas e a família do ex. Apesar do sofrimento, aos poucos, foi se reerguendo: fez novas amizades, saiu para se divertir, tomar uma cervejinha e começou uma terapia tântrica. “Minha energia foi renovada”, diz. Mas, agora, o temido período de festas chegou. E, desta vez, sem planos e sem o ex-marido, com quem costumava ir à praia no réveillon. “É algo que me apavora! No dia 24, estarei com meus pais e irmãos, mas a virada para 2026 será na base do álcool, ao lado dos meus cachorros”, brinca Rosângela. Embora admita estar em uma fase de reencontro consigo mesma, reconstruindo a rotina e descobrindo hobbies, como as aulas de forró, a contadora enfrenta o luto sozinha. “Eu, aliás, me sinto só apenas em pensar nisso. É difícil, porque a família do meu ex me adora. E esta é uma época em que todos já têm planos. Acho chato me impor na vida das pessoas”, analisa. Para o psicanalista carioca Abílio Ribeiro Alves, as festividades representam mesmo um período difícil emocionalmente. Não por acaso, aquele quadro de estresse e angústia excessivos, que muita gente sente quando o ano acaba, já ganhou até nome: “dezembrite” ou “Síndrome do fim do ano”. Enfrentar o luto de um rompimento afetivo e as memórias resgatadas nessa época, comuns ao fazermos um balanço do que passou, podem agravar a saúde mental já fragilizada. “Uma coisa é viver o divórcio. Outra, é elaborá-lo. E estas são datas com um apelo de união familiar, do encontro. Quem se divorcia, está na contramão disso. E é preciso um tempo para refazer a vida emocional afetiva”, explica Abílio. “Quando a ficha cai, e a pessoa percebe o que perdeu, pensa: ‘E agora, o que vem pela frente? Como lidar com isso?’.” Além das próprias reflexões, o recém-divorciado ainda enfrenta uma onda de felicidade obrigatória, segundo o psiquiatra Ricardo Krause, do Rio. “O autor da separação sentirá um certo frisson, uma necessidade de estar feliz, achando que, por ter tomado tal atitude, todos os problemas se resolverão”, avalia. “Ele se vê na obrigação de ir a uma festa badalada, para mostrar que está tudo bem. Retrato de tempos narcísicos.” Quem foi deixado, por outro lado, pode assumir o papel de vítima, a fim de que os amigos condenem quem o abandonou. “Vão se criando fantasias: você se sente a pior pessoa do mundo, e acha que o seu ex é a melhor. E, provavelmente, ele já está em outra, enquanto você sofre”, continua Krause. Para o psiquiatra, esse quadro pode se agravar em reuniões natalinas. “Os colegas ou familiares, como forma de consolo, costumam dizer: ‘Ah, ainda bem que você saiu daquele casamento, aquela pessoa não prestava, não era para você’. E isso pode ser bastante tóxico.” Por essas e outras, a assistente administrativa Mariana Caris, de 35 anos, não pretende estar com a família na ceia do dia 24. Vivendo um processo de separação turbulento após dez anos de relação, não se sente preparada para falar sobre o assunto. “Meu ex-marido saiu de casa há um mês, e eu estou sozinha. Meus pais costumam comemorar o Natal na casa de um dos meus irmãos, mas não tenho vontade de ir, pois com certeza vão me perguntar sobre o divórcio. Prefiro evitar essa situação”, pontua Mariana. O momento, diz, é mais de reflexão, com a ajuda da terapia, do que de luto, porque a crise no casamento se arrastava há muitos Natais. “A gente já não conseguia mais se abraçar ou dizer ‘eu te amo’. No ano passado, estava com a família dele, e me tranquei no banheiro à meia-noite. Eu me sentia sozinha estando com com o meu ex, e não era mais feliz.” Segundo especialistas, quem está como Rosângela e Mariana, vivendo seu primeiro período de festas pós-divórcio, tende a querer recolher-se para “lamber as feridas”. Mas estar sozinho na noite de Natal ou réveillon não é a melhor opção. “Nessas ocasiões, o sentimento de solidão se intensifica ainda mais. Sem querer, o sujeito pode estar se condenando a esse isolamento, imputando um sofrimento maior, já que processos de separação envolvem a culpa”, destaca Abílio Ribeiro Alves. Por isso, continua ele, é importante procurar ajuda terapêutica. “Para, talvez, em um segundo momento, viver um novo amor.” Já o psiquiatra Ricardo Krause alerta: é importantíssimo estabelecer limites — em si e nos outros — nas interações sociais. “Muitos se automedicam, usam álcool ou se entopem de comida, o que nos deixa mais vulneráveis”, avisa. “Há famílias em que existe uma certa invasão de privacidade, então, é preciso se preparar. Dizer que entende a preocupação alheia, mas prefere não falar do assunto”. Os limites precisam estar claros para evitar que a ceia desande.