Viemos em um mundo em que quase tudo está a dois cliques de distância. Estatísticas, vídeos, tendências, previsões, probabilidades. Dá para saber quem corre mais, quem chuta melhor, quem tem mais chance de ganhar antes mesmo de a bola rolar. Ainda assim, e também por isso, o futebol segue sendo um dos poucos territórios que resistem à superinformação. Todo fim de temporada ele encontra um jeito novo de nos lembrar que o roteiro nunca está totalmente escrito. Na final da Intercontinental, por exemplo, o nome da noite não foi Arrascaeta, nem Dembélé, nem qualquer estrela que costuma abrir chamadas. Foi Matvey Safonov. Goleiro russo, 25 anos, jeitão estranho, camisa maior que o tamanho, recém-chegado ao PSG, sem status de craque global, sem hype de rede social. Um jogador que, para a maioria, era apenas mais um nome no elenco estrelado. Até que virou protagonista do momento mais cruel e mais decisivo do futebol: a disputa de pênaltis. Safonov defendeu quatro cobranças contra o Flamengo, algo que ninguém havia feito em uma decisão desse nível em torneios Fifa. Um recorde histórico, construído não com pose, mas com reflexo, leitura e frieza. Em poucos minutos, passou de coadjuvante a herói mundial. Do outro lado do Atlântico, longe dos holofotes globais, outro personagem vive um roteiro oposto e, ao mesmo tempo, complementar. Rayan, atacante do Vasco, tem 19 anos e até pouco tempo atrás não era “ninguém” fora do universo da base. Em 2024, era promessa. Em 2025, virou presente. Impetuoso, físico, agressivo no ataque, Rayan se transformou na principal esperança vascaína na Copa do Brasil: justamente num clube que carrega 14 anos de espera por um grande título. Não é pouco peso para um garoto. Mas ele joga como quem ainda não aprendeu a ter medo. E talvez seja isso que explique por que uma torcida inteira passou a olhar para ele como símbolo de futuro imediato. Safonov e Rayan não poderiam ser mais diferentes. Um goleiro russo, discreto, emergindo no auge do futebol europeu. Um atacante brasileiro, jovem, formado em São Januário, carregando um sonho coletivo. Um decidiu um título na vitória. O outro ainda busca decidir um título na esperança. Mas os dois contam a mesma história maior: a de que o futebol segue sendo um teatro de emoções onde heróis e vilões se renovam numa velocidade maior do que qualquer personagem de novela. É isso que faz o futebol sobreviver, de certa forma. Mesmo quando a derrota dói, como para o Flamengo. Mesmo quando a vitória ainda é apenas uma promessa, como para o Vasco. O jogo continua apresentando novidades, personagens inesperados, histórias que ninguém tinha antecipado com exatidão. E talvez seja exatamente por isso que seguimos voltando. Semana após semana. Ano após ano. A temporada termina no domingo. O calendário se fecha. Mas 2026 já bate à porta com a promessa de Copa do Mundo, e com ela, inevitavelmente, novos Safonovs surgindo do anonimato e novos Rayans aparecendo como esperança, nas mais conhecidas e nas mais improváveis partes do planeta. Que venha 2026. Que venham mais histórias. E que o futebol siga fazendo aquilo que ele faz melhor: nos surpreender quando a gente já achava que sabia de tudo. Feliz Ano Novo. Essa newsletter volta no dia 2 de janeiro. Resta saber se com o Vasco campeão. THALESPÉDIA Em competições mundiais da Fifa (Copa do Mundo, Copa do Mundo de Clubes, Mundial de Clubes da Fifa ou Intercontinental) seja entre clubes ou seleções, no nível profissional, o goleiro Matvey Safonov estabeleceu um recorde absurdo e absoluto. Nunca ninguém havia defendido QUATRO pênaltis em uma única disputa desse nível. Até então, o máximo eram três defesas, marca dividida por: Ricardo (Portugal x Inglaterra, Copa 2006) Subašić (Croácia x Dinamarca, Copa 2018) Livaković (Croácia x Japão, Copa 2022) Em um torneio inteiro da Fifa, o recorde de defesas em disputas de pênaltis é quatro, alcançado por: Goycochea (1990) - Argentina Subašić (2018) - Croácia Livaković (2022) - Croácia Safonov, goleiro do PSG, fez tudo isso em um torneio que, para ele, teve um jogo. AS COISAS MAIS LEGAIS PARA SE LER NO ESPORTE DO GLOBO NESTA SEMANA Já virou debate. Lançamos nesta sexta a segunda edição do estudo que mede quais as torcidas que cantam mais alto no país. Uma só torcida levou todos os quatro quesitos. Já conferiu qual foi?