Por muito tempo, brindar era sinônimo de álcool. Agora, no entanto, esse roteiro é reescrito. Em meio a festas, confraternizações e agendas sociais cada vez mais intensas, as bebidas sem álcool deixam de ser coadjuvantes e passam a ocupar o centro da mesa. Não como substitutas “sem graça”, mas como protagonistas de um novo jeito de socializar. A chamada onda de sobriedade, que ganhou força lá fora nos últimos anos, finalmente aterrissou no Brasil. O movimento não fala sobre parar de sair, de celebrar ou de brindar, mas sobre fazer isso de outra forma. Mais consciente, mais informada e, muitas vezes, mais alinhada ao bem-estar físico e mental. Segundo pesquisa Datafolha de 2024, 53% dos consumidores de bebidas alcoólicas afirmam ter diminuído o consumo nos últimos 12 meses, um dado que ajuda a explicar por que o mercado corre para oferecer novas alternativas. LUCIA Reprodução/Instagram Esse reposicionamento não acontece no vácuo. Para a expert em análise de tendências, Iza Dezon, esse crescimento é resultado de uma combinação de fatores. “Hoje, temos informação científica chegando de outra forma, o que está mudando a nossa percepção sobre os efeitos e impactos do álcool”, afirma em entrevista à Vogue. Ela também aponta a crise global de saúde mental e solidão, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como parte central dessa mudança, além de uma nova relação com a imagem em tempos de redes sociais, em que tudo é registrado e amplificado. Saiba mais Nesse contexto, surge uma categoria que vai além do “não-alcoólico”: os drinks funcionais. De acordo com o Whole Foods Market, uma das grandes tendências alimentícias para 2026 são justamente essas bebidas que “fazem algo por você”. Entram em cena ingredientes como adaptógenos, cogumelos funcionais, prebióticos e fórmulas que prometem foco, calmaria, energia ou suporte à imunidade. Para Iza, a ideia de funcionalidade faz sentido — com ressalvas. “Acredito que tudo que a gente come e bebe deveria funcionar a nosso favor”, diz. Ao mesmo tempo, ela alerta para o risco de transformar tudo em performance. “Grande parte da população está doente porque consome bebidas disfuncionais”, resume, ao apontar que a vilanização do álcool acontece em paralelo à glamurização dos refrigerantes e bebidas ultraprocessadas. O desafio, segundo ela, é não repetir velhos erros com uma nova roupagem. Katy Perry lançou a De Soi, linha de aperitivos sem álcool Reprodução Enquanto o Brasil amadurece essa conversa, celebridades internacionais já ajudam a pavimentar o caminho. Katy Perry lançou a De Soi, linha de aperitivos sem álcool com nomes como Spritz Italiano, Golden Hour e Purple Lune. Blake Lively apresentou a Betty Buzz, com mocktails como limonada defumada e maçã com gengibre. Já ZOA, criada por Dwayne “The Rock” Johnson, aposta em energéticos com ingredientes naturais, como cafeína de chá verde, camu-camu, eletrólitos e vitaminas. Bella Hadid, por sua vez, tornou-se executiva da Kin Euphorics, marca de bebidas sem álcool pensadas para beneficiar mente, corpo e espírito. Bella Hadid é uma das fundadoras da Kin Euphorics Reprodução/Instagram No Brasil, o movimento ganha sotaque próprio e ingredientes locais. Fundada em 2008 pelos irmãos Bruno e Fabrício Lot, a Easy Drinks segue um caminho diferente ao apostar em preparados de frutas, xaropes e bases de clássicos da coquetelaria. A empresa cresce cerca de 20% ao ano e já opera nos Estados Unidos. Já a Kiro, criada em 2017 por Roberto Meirelles, se posicionou desde o início como uma bebida não-alcoólica voltada para adultos, trabalhando com o switchel, bebida milenar à base de vinagre de maçã, gengibre e ingredientes brasileiros. “A nossa proposta sempre foi criar bebidas genuinamente sem álcool e não fazer um derivado sóbrio de bebidas alcoólicas”, explica Roberto à Vogue. Para ele, o desafio inicial foi cultural. “Falar mal do álcool no Brasil é arrumar um inimigo”, diz, ao comentar a dificuldade de abrir diálogo sobre consumo excessivo sem soar moralista. A estratégia da Kiro passa por unir indulgência e saúde, além de valorizar a biodiversidade brasileira. “Cupuaçu e cumaru são vistos como exóticos aqui, quando poderiam ser o nosso repertório natural”, observa. Kiro, criada em 2017 por Roberto Meirelles Reprodução/Instagram Mais recente no mercado, a paulistana LUCIA nasceu em agosto deste ano, criada pelas influenciadoras Bertha Jucá e Victória Linhares. A bebida aposta em plantas adaptógenas como artemísia, jambu e gengibre, em uma fórmula que passou por mais de 50 versões até chegar ao produto final. Desenvolvida por José Luiz Soares e pela mixologista Michelly Rossi, a marca já captou R$ 4 milhões em investimentos e projeta faturar R$ 10 milhões no primeiro ano. Para quem viveu a mudança na prática, os benefícios vão além do copo. O jornalista e consultor de maquiagem Tássio Santos está sem beber há quase dois anos e relata que a decisão transformou sua rotina. “A melhor dica de skincare que posso dar hoje é: pare de beber”, afirma, ao contar que percebeu melhora imediata na pele. No convívio social, o impacto também foi positivo: “Consigo ter conversas mais profundas, lembrar dos momentos e estar disposto no dia seguinte”. Revistas Newsletter Esse novo consumidor não quer escolher entre saúde e prazer, ele quer os dois. Como resume Roberto Meirelles, “as pessoas procuram socialização sem abrir mão da saúde”. Grupos de corrida, festas diurnas e encontros que não giram em torno da embriaguez são sinais de uma mudança estrutural, ainda em curso, mas cada vez mais visível. Ao que tudo indica, não se trata de uma moda passageira, e tampouco de um manifesto contra o álcool. Trata-se de ampliar o repertório. De reconhecer que o universo das bebidas é vasto, complexo e cultural e que brindar pode continuar sendo um gesto de celebração, só que com novos significados. Cheers! Canal da Vogue Quer saber as principais novidades sobre moda, beleza, cultura e lifestyle? Siga o novo canal da Vogue no WhatsApp e receba tudo em primeira mão!