Ursula von der Leyen deveria assinar, no sábado, o maior acordo de livre-comércio da União Europeia, comprovando a posição do bloco como uma força geoeconômica. Em vez disso, a presidente da Comissão Europeia terá de encontrar uma forma de salvar o pacto com o Mercosul ao reunir apoio de última hora de países como a Itália, que ajudaram a adiar o acordo — mais uma vez — por temores de que ele prejudique os setores agrícolas domésticos. Assinatura postergada: Alckmin defende acordo Mercosul–UE e diz esperar adiamento curto 'É cedo demais': Macron não garante que acordo UE-Mercosul será assinado após adiamento As negociações do acordo comercial — com Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai — se arrastam há 25 anos, irritando os países sul-americanos. O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva afirmou no início desta semana que o momento é agora ou nunca. Autoridades dizem que tentarão novamente assinar o acordo em 12 de janeiro, mas não há garantia. O fracasso contínuo em ratificar o pacto é um golpe para a UE, que quer usar o acordo transatlântico como prova de que pode ser uma potência global. Em especial, o bloco quer demonstrar que consegue se mover fora da órbita da China e dos EUA, que têm relações comerciais cada vez mais antagonistas com a Europa. — Este é o momento da independência da Europa —, disse von der Leyen no início desta semana, antes de uma cúpula em que líderes da UE discutiriam opções de financiamento para a Ucrânia, além do Mercosul. A UE vê a China tanto como concorrente econômica quanto como rival sistêmica e tem lidado com um confronto comercial crescente, que já levou ambos os lados a impor tarifas às importações um do outro. No início deste ano, Pequim anunciou planos para apertar os controles sobre suas exportações de terras raras e outros materiais críticos, mostrando à UE o quão vulneráveis são suas indústrias. E, neste verão, a UE aceitou o que considerou um acordo comercial desequilibrado com os EUA, concordando com uma tarifa de 15% sobre a maioria de suas exportações, enquanto se comprometia a eliminar todas as tarifas sobre bens industriais americanos. O que diz a Bloomberg Economics… "O fracasso em autorizar o acordo prejudicaria economicamente mais o Mercosul do que a UE, mas seria um revés geopolítico para Bruxelas em um momento de crescente pressão dos EUA e da China" disse Antonio Barroso, em comentário. O pacto comercial UE-Mercosul poderia ajudar a Europa a escapar da deterioração de suas relações com os EUA e a China. O acordo criaria um mercado integrado de 780 milhões de consumidores, eliminaria gradualmente tarifas sobre bens como automóveis e daria à Europa acesso mais fácil à vasta indústria agrícola e aos recursos do Mercosul. De forma crucial, isso daria à UE laços econômicos e cadeias de suprimentos além dos EUA e da China. O acordo também mostraria à região que a Europa pode oferecer uma alternativa econômica crível às duas superpotências. O fracasso em assegurar a parceria com o Mercosul “certamente seria um erro de proporções épicas para as ambições da Europa de se posicionar como um ator relevante no cenário econômico global”, afirmou Agathe Demarais, pesquisadora sênior de políticas do Conselho Europeu de Relações Exteriores, um think tank. Por enquanto, a UE não conseguiu encontrar o apoio majoritário necessário para a aprovação, principalmente devido a ansiedades profundas de que a nova dinâmica comercial apenas enfraqueceria o setor agrícola europeu. Durante uma cúpula realizada na quinta-feira em Bruxelas, líderes da UE enfrentaram milhares de agricultores em protesto, incendiando pneus e despejando batatas nas ruas. Após o fim da cúpula, no entanto, os líderes expressaram otimismo de que ainda poderiam avançar em janeiro. Mais três semanas de espera são “toleráveis” após 25 anos de negociações, disse von der Leyen a jornalistas. “Estou muito confiante de que vamos concluir.” O destino do acordo pode depender da Itália. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, disse que precisa de mais tempo para obter aprovação interna. “Outras economias em desenvolvimento estão observando e tomariam nota de como é difícil concluir qualquer coisa com a UE”, disse Demarais. Para Berlim e muitos outros, no entanto, a líder italiana estaria tentando extrair o preço máximo por seu papel de fiel da balança, buscando mais concessões para seu setor agrícola. Lula disse que Meloni lhe afirmou que precisava apenas de mais alguns dias. — Ela me explicou que não é contra o acordo. Ela está apenas enfrentando um certo constrangimento político por causa dos agricultores italianos — disse Lula a repórteres em Brasília, na quinta-feira. — Mas está confiante de que pode convencê-los a aceitar o acordo. Mas, enquanto alguns esperam que a Itália acabe dando seu aval, dados os potenciais benefícios para seus exportadores, outros têm sido mais pessimistas. — Se não houver assinatura em 20 de dezembro, então o acordo está morto, e isso terá consequências para a UE em futuras relações comerciais com países de todo o mundo — disse Bernd Lange, presidente da comissão de comércio do Parlamento Europeu, nesta semana. Em uma tentativa de fazer o acordo avançar nesta semana, o Parlamento Europeu e as capitais da UE concordaram em acrescentar novas proteções para agricultores europeus, que os protegeriam de oscilações repentinas de preços ou importações. Não funcionou. E, se as coisas continuarem se arrastando sem uma conclusão, os dois blocos podem direcionar sua atenção para outros lugares. O Mercosul quer concluir um acordo com os Emirados Árabes Unidos e está explorando possíveis parcerias com Canadá, Reino Unido e Japão. A UE, por sua vez, tenta fechar um acordo com a Índia, que também está em negociação há quase duas décadas. “Se a UE quiser permanecer crível na política comercial global, decisões precisam ser tomadas agora”, disse o chanceler alemão Friedrich Merz ao chegar à cúpula em Bruxelas.