Perspectivas 2026: Diplomacia brasileira buscará equilíbrio com EUA de Trump, em meio a tensões na região

No quarto ano de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá alguns objetivos centrais em sua agenda de política externa, entre eles — e com destaque — dar continuidade aos esforços para distensionar a relação com os Estados Unidos de Donald Trump. Esse será, na avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO, um dos temas mais desafiadores para Lula, que, em paralelo, deverá, segundo fontes oficiais, “realizar uma enfática defesa de que a América Latina continue sendo uma zona de paz”. Diplomacia: Lula oferece mediação em crise diplomática entre Trump e Maduro e diz que vai ter conversa com americano antes do Natal Da suspensão de tarifas às conversas com Lula: Entenda os movimentos de Trump até a derrubada de sanções contra Moraes Depois de superar a crise bilateral desencadeada pela aplicação do tarifaço de Trump ao Brasil, “ainda há passivos do tarifaço que vão nos ocupar”, explicou uma das fontes oficiais consultadas. Sem previsão para um novo encontro entre Lula e Trump, o governo brasileiro, já em clima de campanha eleitoral para tentar uma nova reeleição, terá de buscar um equilíbrio que evite novos sobressaltos no vínculo com a Casa Branca. Questões como os questionamentos de Lula à presença militar americana na região, a cada vez mais profunda relação do Brasil com a China e a participação ativa do país no Brics podem, a qualquer momento, contaminar negativamente as relações com Washington. — Para o Brasil, é importantíssima a visão de um mundo multipolar, essa deve ser nossa tônica na diplomacia. Penso não apenas na China, mas na Índia, nos países africanos, na América Latina e na Europa — aponta José Pio Borges, presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). Chefes de Estado e governo do Brics, além de países associados, antes de plenária durante reunião no Rio de Janeiro Pablo PORCIUNCULA / AFP Lula fará uma visita oficial à Coreia do Sul e à Índia, que presidirá o Brics em 2026, em fevereiro — e poderia fazer uma segunda viagem ao país para participar da cúpula de líderes do grupo, ainda sem data marcada. — A Ásia já representa 50% do total do comércio brasileiro, e essa nova realidade vai se expandir. A atenção dada pelo governo ao Brics e aos países asiáticos em geral é correta — enfatiza Borges. Exibir uma política externa autônoma, que respeite princípios elementares da tradição diplomática brasileira, entre eles a defesa do multilateralismo e da América Latina como zona de paz, pode gerar embates com Trump. A imprevisibilidade será permanente, admite Flávia Campos Mello, professora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu), num mundo no qual a política externa e interna estão cada vez mais inter-relacionadas. — Temas como o Brics permeiam campanhas políticas. É preciso avaliar as implicações de cada tema da agenda internacional em termos de impacto para as bases e os embates ideológicos — diz Campos Mello, lembrando que as ações de Trump na América Latina buscam, essencialmente, “atender demandas dos eleitores da Flórida”. O presidente do Panamá, José Raúl Mulino; o presidente da Argentina, Javier Milei; o presidente do Paraguai, Santiago Peña; o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva; o presidente do Uruguai, Yamandú Orsi; e o ministro das Relações Exteriores da Bolívia, Fernando Aramayo, posam para uma foto oficial durante a Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, nas Cataratas do Iguaçu, em Foz do Iguaçu, no estado do Paraná, Brasil, em 20 de dezembro de 2025. Evaristo Sa / AFP Numa América Latina desintegrada e na qual opções de direita vêm ganhando terreno em países como Argentina, Equador, Paraguai e Chile, não há espaço para pensar em projetos de integração regional. Essa era uma das metas de Lula para seu terceiro mandato, mas a situação regional impediu seu cumprimento — assim como outros fracassos, como a recuperação da democracia na Venezuela. A volta de Trump ao poder terminou de enterrar qualquer possibilidade de articulação regional, com cada vez mais países alinhados com a Casa Branca. Com esse pano de fundo, são esperadas posições cautelosas do Brasil em temas regionais, e um foco maior em sua agenda bilateral com os EUA. Mas o Brasil não abrirá mão da defesa da paz, posição que ficou clara com o recente telefonema de Lula ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro. Diante da ameaça de um ataque americano ao território venezuelano, Lula decidiu entrar em campo. — Manter a América do Sul como uma zona de paz é ao mesmo tempo a prioridade e o maior desafio da política externa brasileira em 2026 — assegura Pedro Silva Barros, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que ressalta a importância de “evitar alinhamentos profundos e automáticos dos vizinhos a polos externos e dissuadir ingerências”. — O pior cenário seria alguns vizinhos submissos aos EUA e outros à China, tornando nosso entorno palco de conflitos extrarregionais. A prioridade do Brasil deve ser evitar esse quadro. Cenário desfavorável: Maduro perde aliados com virada política na América Latina e sob cerco cada vez mais forte dos EUA O ano de 2026 não será o momento de abrir novas frentes na política externa, mas, sim, de consolidar o que foi feito pelo Brasil nos últimos três anos, como as cúpulas do G20, Brics e a COP30, avalia Haroldo Ramanzini Junior, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Apostar em fortalecer iniciativas como a Aliança Global contra a Fome, o Fundo de Florestas Tropicais (o TFFF), as negociações para conseguir mais apoio para o mapa sobre eliminação dos combustíveis fósseis, entre outras cruzadas lançadas pelo Brasil, seria uma maneira de buscar agendas positivas num mundo cada vez mais hostil. — A iniciativa sobre defesa da democracia e combate aos extremismos que o Brasil lançou junto à Espanha é outra frente positiva — afirma Ramanzini Junior. Na relação com os EUA, diz o professor, “é preciso manter uma agenda de negociação”. Porta-aviões USS Gerald R. Ford, os maiores do mundo, chegam ao Caribe, em meio à mobilização de tropas americanas na região Reprodução / Comando Sul dos EUA Todos os cenários, concordam os especialistas, poderiam ser alterados em caso de uma ação militar americana na Venezuela — ou em qualquer outro país da região. Se houver ataque, uma eventual mediação do Brasil entraria na agenda, e poderia se tornar o maior desafio da política externa em 2026. A preocupação maior é a Venezuela, mas também países como Colômbia e México, onde há décadas o narcotráfico tem importantes bases operacionais. Em momentos em que não existe uma governança regional sólida, o assédio inédito dos EUA de Trump à América Latina pode trazer surpresas e obrigar o Brasil a ter uma atuação mais firme — arriscando consequências negativas na relação bilateral. A China, importante aliada comercial da grande maioria dos países da região, divulgou recentemente seu documento de política externa sobre a América Latina e o Caribe. É o terceiro documento sobre o tema neste século — o anterior fora publicado há nove anos. Pequim rejeita a ideia de que a América Latina seja tratada como quintal dos EUA, e trata a região como parte do Sul Global, num esforço para se apresentar como parceiro de longo prazo, não interessado apenas nos recursos naturais. China responde a Trump: 'Não queremos brigar, mas não temos medo de brigar' Num eventual cenário de conflito bélico, a China provavelmente se colocará do lado dos países que rejeitarão um hipotético ataque militar americano a um país latino-americano. A tensão poderia se elevar a níveis complicados, exigindo da política externa brasileira esforços redobrados, em meio a pressões e ameaças de grandes potências. Instabilidade e incerteza estão no horizonte.