É quase natal. Em alguns dias, a manjedoura estará preparada para o nascer do amor. E um menino silenciará o mundo com sua capacidade de silêncio. Eu era menino em alguns quase natais dos ontens da minha vida. Eu era menino e via meu pai, em sua loja, cultivando a atenção. Nunca deixou de estar em mim a memória de uma senhora que ia quase todos os dias em nossa loja para dizer conversas e para não comprar. Eu era um menino apressado que queria vender. Meu pai, que via o invisível, acalmava minha pressa. Eu perguntava por que tanta atenção se ela não comprava. Ele sorria explicando o bonito do ouvir. O demitir das pressas. O estar ali quando o outro precisa que estejamos. Meu pai era um poema. Um poema oração. No poema oração, nos esvaziamos para dizer bondade ao outro. No poema oração, nos elevamos para contemplar o que de baixo não conseguimos. Na semana passada, foi aniversário do meu pai. Não sei como são os festejos da eternidade. Por aqui, era muito simples. Tão simples quanto um poema. Na cidade pequena daqueles dias, havia o aquecimento natural do amor. Minha mãe era inteira na gratidão pela vida que viviam juntos. Eram de fé os dois. A fé silencia as ambições, as disputas, os enredos sem harmonia. Nos natais daquele tempo, estávamos todos. E o tempo parecia gostar das esperas. A loja era fechada, enquanto a comida ia sendo preparada. Íamos à missa e, depois, abríamos os presentes. E comíamos a presença. O presépio recebia a última imagem que faltava, Jesus criança. E eu olhava aqueles movimentos todos com a ingênua vontade de que todo dia fosse natal. Antes da missa e dos presentes e das comidas, íamos a um Asilo. Um asilo que meu pai havia ajudado a construir. E levávamos presentes para os velhinhos. Como eu gostava de ir alguns dias antes e perguntar qual o presente que cada um gostaria de ganhar. Eram coisas simples. Uma camiseta, um rádio de pilha, um leque, um vestido, uma caixa de lenços. uma boneca, a visita dos filhos. Quantas vezes eu fui em busca dos filhos que já não buscavam os pais para fazer com que o pedido fosse atendido. Nunca concordei com os abandonos. Gestos simples devolvem vida à vida. Ainda sei o nome de alguns dos velhinhos daquele asilo naquele tempo. Teodoro, Anésia, Ermelinda, Bonifácio, Trudes, Agenor. Havia um José que dizia ser meu pai. E dizia aos outros, também. Eu achava bonito ele querer filhos e acreditar. Meu pai se chamava José. E não se importava em, naqueles instantes, dividir um pouco a paternidade. É quase natal. Ainda há tempo para limpezas na gente. Ainda há tempo de cultivar a atenção, de decidir fazer algum gesto que alimente a bondade na humanidade. O menino amor não veio para julgamentos, veio para encontros. A estrela que iluminou os reis que vieram de longe ainda existe. Há momentos na vida que estamos longe da vida. É preciso, então, olhar para o alto. E se esvaziar para se preencher de luz. De atenção. No poema oração, nos encontramos com o outro e, com o outro, caminhamos os caminhos que nos levam à manjedoura. Os caminhos de dentro. Do coração preparado para receber. É quase natal. E, depois do natal, também será natal. Se compreendermos. Se decidirmos. Ainda dá tempo de preparar para o nascer. De limpar. De sorrir. De dizer ao nosso próximo, como se fosse Ele, "Seja bem-vindo, meu irmão, estou aqui para você. Feliz Natal".