Da feira à hospedagem com moradores, turistas trocam roteiros clássicos por experiências locais no Rio

Desde a chegada ao Rio, na semana passada, a rotina do italiano Alfonso Carbone, de 54 anos, não é nem de morador, nem de gringo total. De férias na cidade, ele faz questão de acordar cedo, por volta das 6h. Depois de misto-quente e suco de laranja no café da manhã, caminha de Ipanema até Copacabana e, na volta, toma um açaí. O almoço se resolve com um PF de esquina. Ele já fez o circuito turístico clássico, e até visitou a Rocinha. Agora, a “vibe” é outra: Rio: Verão começa no domingo com sol e temperatura elevada Três Rios: Projeto inaugura centro com atendimento psicológico e assistência jurídica para a população LGBT+ no RJ — Gosto de ver as coisas locais. Agora quero comer comida caseira, jogar tênis na praia, altinha, conhecer as pessoas daqui — conta Alfonso, que se apaixonou pelo espírito carioca desde a primeira visita, em 2012. Na Feira do Lido, em Copacabana, provou seriguela e se divertiu com os feirantes que puxavam papo: — Na Itália, de Nápoles para baixo é assim. As pessoas são simpáticas, falam alto, conversam com a gente sorrindo. É uma gente muito calorosa. Por isso gosto do Brasil. É muito parecido com a minha casa — compara. Nas feiras de Ipanema, estrangeiros são boa parte dos clientes do comerciante Diogo Araújo. Ele conta que atende americanos, argentinos, equatorianos, bolivianos, franceses, alemães... — Pratico toda hora, every single day (todo santo dia, em tradução livre do inglês). Eles vêm provar frutas diferentes — diz o poliglota Diogo. Pertencimento Esse jeito de “turistar” como local é tendência global e tem ganhado força no Rio, através de diferentes iniciativas. Uma delas é o aplicativo Couchsurfing, que conecta viajantes para encontros de grupos, eventos e até para pedir ou oferecer hospedagem gratuita no sofá de casa. Aumento de 22%: Polícia Militar bate recorde e apreende 784 fuzis no Rio em 2025; 94 foram retirados em megaoperação no Alemão e na Penha Preso: Turista americano agride namorada com mais de 15 socos em elevador de prédio na Zona Sul do Rio; vídeo A proposta é fazer amigos e aprender sobre hábitos, costumes e culturas. Os usuários da plataforma criam perfis detalhados, colocam suas fotos e, ao final da experiência, podem escrever um texto sobre os anfitriões, e vice-versa. A avaliação fica no perfil como referência. Grupo de brasileiros e estrangeiros conectados pelo aplicativo Couchsurfing se encontra em bar na cidade Camila Araujo Esse movimento já se reflete no Rio, onde turistas estrangeiros têm ampliado seus roteiros para além da Zona Sul. No ano passado, um grupo de espanhóis ficou na casa do montanhista Sandro Silvestre, de 43 anos, em São Cristóvão, na Zona Norte da cidade. Sandro Silvestre, que mora em São Cristóvão, já recebeu espanhóis e está hospedando um costa-riquenho Domingos Peixoto — Eles tiraram foto ali embaixo do viaduto da Rua Bela como se fosse o Cristo Redentor. Eu achei tão engraçado. Mas também cozinharam lá em casa, mostrei o bairro, o Centro de Tradições Nordestinas — conta ele, que está hospedando um turista costa-riquenho. Mas o que leva uma pessoa a abrigar um estranho dentro de casa? O que, para uns, parece loucura, para a carioca Milena Soares é diversão. Ela está há 11 anos na plataforma e já hospedou cerca de dez visitantes. Initial plugin text — É muito rico. Para quem recebe, a gente acaba conhecendo um país e uma cultura sem sair do lugar, só pelo jeito da pessoa. Para o estrangeiro, é uma experiência mais raiz. Ele participa da nossa rotina e tem acesso a vivências que não teria com o roteiro tradicional — relata ela. No mês passado, o funcionário público Wallace Calixto, de 38 anos, hospedou um jamaicano em Laranjeiras: — Ele desconstruiu várias coisas que eu pensava sobre a Jamaica. Treinei meu inglês. Foi uma troca cultural importante. Cada vez que você abre a casa, você tem mil surpresas. Podem ser positivas ou negativas — diz. Marco histórico Neste ano, o Rio ultrapassou, pela primeira vez, a marca de dois milhões de turistas internacionais, de acordo com o Observatório do Turismo Carioca, da Secretaria Municipal de Turismo (SMTUR-RIO). Um dos segredos apontados pela secretária Daniela Maia é a hospitalidade do povo: — Cada visitante que chega vive a energia única do Rio, nossas paisagens, nossa cultura, nossa gastronomia e o jeito carioca de receber bem — afirma. Os números acompanham o restante do país, que também registrou recorde em 2025: 9 milhões de visitantes estrangeiros, segundo a Embratur. — O mundo está redescobrindo o Brasil. E não apenas pelos cartões-postais, mas pela nossa cultura, pela diversidade dos territórios, pela música, pela gastronomia e pelas experiências autênticas que só o Brasil pode oferecer — observa Marcelo Freixo, presidente da Embratur. Nômade digital, o inglês Harvey Morgan está viajando pelo Rio há semanas. Na última quarta-feira, tal qual um carioca, foi para o bar assistir ao jogo do Flamengo contra o Paris Saint-Germain com amigos que fez aqui. — Fui ao Museu do Amanhã e à tarde sentei para ver o jogo. Fiquei desapontado porque o Flamengo perdeu tantos pênaltis — relatou ele. O Rio do carioca Viajante e organizadora de encontros entre turistas e locais no Rio, Vanessa Little acredita que a procura por essa vivência foi influenciada pelas redes sociais. — Muitos perfis têm mostrado o Rio real, fora dos padrões turísticos, e as pessoas vêm para cá buscando isso. Uma galera quer andar de mototáxi — conta, rindo. Ela relembrou a vez que recebeu um ucraniano em casa e o levou a uma festa gratuita, no Museu do Amanhã: — Eu descobri por acaso e consegui ingresso de graça. Ele ficou maravilhado. Outro turista, marroquino, eu levei para um churrasco de família, num aniversário, perto de uma comunidade. São experiências que só quem mora aqui vivencia, eles acabam aprendendo muito. Também ocorre o contrário: o carioca viver a experiência fora e levar a cultura do Rio por aí. A influenciadora digital Manuela Nagib, de 29 anos, também já dormiu no sofá em Dubai, na casa de um jordaniano. Mas chamou a atenção para cuidados necessários. — Tem gente que teve histórias negativas em termos de segurança. Eu só fui porque era um homem com centenas de referências e avaliações feitas por mulheres. Deu tudo certo — conta Manu. — Me deu esperança de que ainda existe gente boa no mundo, com espírito viajante e que se alimenta dessas trocas.