De Romário e Edmundo no Flamengo ao gol de barriga de Renato Gaúcho: série revisita o futebol carioca dos anos 1990

Não é preciso esperar o momento atual passar para compreender que o futebol carioca vive um de seus períodos mais gloriosos. Desde 2019, já são cinco títulos da Libertadores, quatro do Brasileiro e dois da Copa do Brasil — podendo chegar a três, hoje, caso o Vasco leve a melhor na final contra o Corinthians. Sem contar as estrelas nos elencos e os estádios lotados. Ainda assim, uma outra década tem exercido forte fascínio no imaginário do torcedor: os anos 1990 e todo o seu folclore. Para retratar esta década, a série documental “1995 — No tempo dos bad boys”, que estreia hoje, às 22h, no Sportv, escolheu o ano que dá título à produção como síntese deste período. Ingredientes não faltam: um centenário megalomaníaco, uma disputa de atacantes extrovertidos e vaidosos em torno do posto simbólico de “Rei do Rio”, o melhor jogador do mundo e o do Brasil juntos, o funk nas arquibancadas e um campeão brasileiro. Tudo isso num cenário de clubes endividados e com dificuldade para pagar salários. —Eu acho que sempre, de tempos em tempos, nós ficamos com saudade de uma década específica. E a gente sentia, nas nossas reuniões e conversas de redação, essa vontade de falar dos anos 1990 — diz o jornalista Chico Trigo, especialista em formatos esportivos no Globoplay e diretor da série, que aponta ainda a importância do futebol para a cidade no ano de 1995: — A volta do Romário, essa disputa para ser o rei do Rio, o Túlio ser o grande goleador do futebol brasileiro, o Renato Gaúcho ser aquele cara mais midiático, tudo isso fez o futebol voltar a ser pulsante no Rio e resgatou um pouco a imagem da cidade, que estava manchada. Só se falava em violência e em arrastão. Túlio Maravilha, destaque do Botafogo em 1995, comemora seu gol na final contra o Santos Cezar Loureiro/Agência O Globo O projeto nasce com a ideia de se resgatar o centenário do Flamengo, uma comemoração que teve de tudo: a chegada de Romário seis meses após seu protagonismo na conquista da Copa de 1994, seus desentendimentos com o treinador Vanderlei Luxemburgo, a posterior contratação de Edmundo, que depois se envolveria num acidente de trânsito com vítimas fatais, e até o radialista Washington Rodrigues (o Apolinho) no comando técnico da equipe. Na verdade, teve quase tudo neste centenário. Faltou um título, o que os rivais Fluminense, campeão carioca graças ao histórico gol de barriga de Renato Gaúcho; e Botafogo, campeão brasileiro, conseguiram. Por isso, o foco da série foi ampliado para o futebol carioca de uma maneira geral. Mas os 100 anos do rubro-negro são o fio condutor da narrativa, dividida em três episódios (os outros dois serão exibidos, respectivamente, amanhã, também às 22h; e na terça, às 20h — e todos serão disponibilizados em seguida no Globoplay). — A gente entendeu que aquele ano que se anunciava muito especial para o Flamengo tinha elementos para a gente contar uma história que, de alguma forma, representava o que foram os anos 1990. E essa história cresce muito porque, ao mesmo tempo que o Flamengo faz de tudo para ganhar um título em 1995, os adversários se armam para não deixá-lo ganhar — argumenta o diretor da série. — Então, numa história clássica, o Flamengo seria o protagonista e os outros dois, os antagonistas. Só que são eles que saem vitoriosos. Rei do Rio? Renato Gaúcho, no jogo do Gol de Barriga de 1995 Aníbal Philot / Agência O Globo Para além do saudosismo, o olhar para os anos 1990 permite uma reflexão sobre as mudanças no futebol e nas arquibancadas do Rio. Os clubes cariocas, que naquela década ainda conseguiriam driblar as dívidas para contratar estrelas e conquistar títulos relevantes, atravessariam um longo inverno no começo deste século antes de darem a volta por cima — que veio com responsabilidade financeira ou entrada de investidor externo. Nas arquibancadas, a mudança foi de caráter definitivo, seja do ponto de vista físico, com as reformas do Maracanã e o fim da geral, seja pela mudança de perfil do público. A série mostra como a popularização do funk carioca impactou os estádios, com o ritmo virando a grande inspiração para os cantos das torcidas. Romário e Edmundo pelo Flamengo em 1995; dupla participou de pancadaria contra o Velez pela Supercopa Libertadores Jorge Williams/Acervo O Globo Em 1995, surgiram a “Dança da bundinha”, o “Rap da cabeça” e, claro, o “Rap do centenário”. O funk foi cantado nas arquibancadas e até pelos jogadores. Que o digam Romário e Edmundo, que lançaram o “Rap dos bad boys” quando atuaram juntos pelo Flamengo. — Tem uma coisa que a gente não botou na série, apenas por uma questão de não caber no roteiro, mas que ouvimos de alguns personagens entrevistados, é que as pessoas não faziam selfies, elas não estavam ali para se mostrar — conta Trigo, que faz ainda outra reflexão. —Você não tem mais aqueles hits avassaladores que todo mundo conhecia. As músicas são mais nichadas hoje em dia. Naquela época, qualquer hit era parodiado com muita facilidade. A série conta com depoimentos de personagens que protagonizaram aquelas histórias, como Romário, Túlio Maravilha, Renato Gaúcho, Joel Santana e Kleber Leite. Edmundo e Vanderlei Luxemburgo não quiseram participar.