O sorriso de Augusto Pinochet voltou às ruas de Santiago no último domingo. Eleitores de José Antonio Kast exibiram retratos do ditador para comemorar a vitória do ultradireitista na eleição do Chile. O novo presidente nunca disfarçou a admiração pelo velho general. Votou contra o retorno à democracia no plebiscito de 1988 e prometeu tirar da cadeia militares condenados por crimes contra a humanidade. “Se estivesse vivo, Pinochet votaria em mim”, garantiu Kast, na primeira campanha ao Palácio de La Moneda. Na terceira tentativa, ele chegou lá. Foi eleito com 58% dos votos em disputa com a comunista Jeannette Jara, apoiada pelo atual presidente Gabriel Boric. Desde o fim da ditadura, o Chile alternava entre governos de centro-esquerda e centro-direita. Agora terá o primeiro líder que defende e cultua o passado autoritário. Ultraconservador e pai de nove filhos, Kast se apresenta como um católico fervoroso. Já prometeu proibir a pílula do dia seguinte e limitar as hipóteses de aborto permitidas por lei. Na economia, reza pela cartilha do mercado: privatizações, corte de gastos e flexibilização de leis trabalhistas e ambientais. O presidente eleito é filho de um alemão que pertenceu ao Partido Nazista e lutou no Exército de Hitler. Seu irmão mais velho foi ministro e comandou o Banco Central na ditadura pinochetista. Há seis anos, Kast fundou o Partido Republicano, com logotipo copiado da sigla de extrema direita francesa Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen. Depois adotou um novo símbolo inspirado no escudo do Capitão América. Para vencer em 2025, o chileno suavizou a retórica conservadora e evitou temas como aborto e casamento homoafetivo. Preferiu apostar no discurso linha dura sobre imigração e segurança pública. Inspirado em Donald Trump e Nayib Bukele, prometeu militarizar as fronteiras, deportar estrangeiros sem documentos e endurecer regras nos presídios. No segundo turno, recebeu a visita do ministro de Segurança Pública e Justiça de El Salvador, cujo governo é acusado de desrespeitar direitos humanos, perseguir opositores e fazer acordo com gangues para reduzir as taxas de homicídios. A vitória de Kast era esperada, mas não deixou de ser má notícia para o governo brasileiro. O chileno já atacou Lula e mantém laços com a família Bolsonaro. Seu triunfo reforça a guinada da América do Sul à ultradireita, iniciada na Argentina, e amplia a influência de Trump na região. Na primeira viagem após a eleição, Kast visitou a Casa Rosada e segurou a motosserra dourada de Javier Milei. Depois disse apoiar uma intervenção militar dos Estados Unidos no continente, a pretexto de derrubar o regime de Nicolás Maduro na Venezuela. A semana indicou que o tom menos beligerante da campanha foi só estratégia de marketing. Mas quem comprou a tese do Kast moderado não deve se incomodar com a volta das fotos de Pinochet. Instintos primitivos: Manifestações de 2019 no Chile assustaram Bolsonaro Financiador: Bolsonarista radical disse se inspirar em Pinochet