Centenas de soldados colombianos foram atraídos à sangrenta guerra civil no Sudão, com a promessa de salários elevados. Mas muitos encontraram a morte no campo de batalha, e os que sobreviveram podem ser processados por crimes de guerra. Eles fazem parte de uma rede de mercenários que se estende dos Andes até a região sudanesa de Darfur. Assassinatos em massa e violações sistemáticas: Paramilitares do Sudão destroem provas de violências em El Fasher, diz relatório Apelo por cessar-fogo: Papa denuncia 'sofrimento inaceitável' da população no Sudão Desde 2023, o Sudão vive uma guerra entre as Forças de Ação Rápida (FAR) e o Exército comandado pelo governo de fato, que envolve interesses dos Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Irã e outros países. Neste contexto, os mercenários de países como Eritreia e Chade lutam dos dois lados, mas os colombianos, conhecidos por sua experiência com drones e artilharia, são os mais “cobiçados” pelos beligerantes: segundo um ex-militar, eles recebem salários de até US$ 4 mil, seis vezes mais do que no Exército do país. De acordo com os EUA, o apoio deles foi crucial para que as FAR tomassem a cidade de El Fasher, em outubro, em meio a relatos de execuções sumárias, sequestros e outros tipos de abusos. Violência extrema: Após quase 3 anos de guerra municiada por agentes externos, Sudão enfrenta risco de novo ciclo de violência genocida Vídeos obtidos pela AFP mostram colombianos dentro e os arredores da cidade, atravessando as ruas em um veículo blindado e mostrando um campo de refugiados, destruído pelos milicianos. Mais de 400 mil moradores da cidade fugiram, e estima-se que mil tenham sido mortos. Outras imagens mostram um homem com sotaque colombiano posando ao lado de crianças com fuzis de assalto. Em outras, seus companheiros ensinam um combatente a disparar um lançados de foguetes. O homem morreu pouco depois, e fotos mostram seu corpo ensanguentado e identificado como “comandante". O governo sudanês afirma que 80 colombianos participaram do ataque a El Fasher, e ao menos 43 morreram. A Chancelaria da Colômbia diz que muitos foram enganados por “redes de tráfico humano”. ‘Interessado em trabalhar?’ A um ano de se aposentar, um oficial colombiano especialista em drones recebeu uma mensagem inesperada no Whatsapp: “Algum veterano interessado em trabalhar? Buscamos reservistas de qualquer Força.” Segundo o militar, que não quis se identificar, a mensagem vinha de uma pessoa que se identificava como ex-coronel da Força Aérea, oferecendo uma posição em Dubai com salário de US$ 4,2 mil. Ele aceitou, mas depois ficou sabendo que a passagem por Dubai seria apenas para um treinamento de dois meses, e que depois seria mandado à África para missões de reconhecimento com drones. Um amigo lhe disse que provavelmente terminaria no Sudão, e ele depois desistiu da proposta. Muitos compatriotas, por sua vez, aceitaram e chegaram a publicar fotos de suas jornadas em redes sociais. Um deles, Cristian Lombana, documentou a viagem ao Sudão passando por França e Emirados, permitindo que o grupo de análise de dados Bellingcat determinasse que ele estava no sudeste da Líbia, área controlada pelas FAR. Dias depois de publicar um vídeo no TikTok, ele sofreu uma emboscada em Darfur, e sua morte nunca foi confirmada pelo governo colombiano. Atrocidade em El Fasher: Imagens de satélite mostram impacto do massacre no Sudão com mais de 2 mil mortos; veja vídeo Documentos e testemunhos apontam para o ex-coronel colombiano Álvaro Quijano como o chefe do esquema. Segundo um antigo sócio, ouvido pela AFP, o major reformado Omar Rodríguez, Quijano “suspendeu” a operação em 2024, mas a retomou pouco depois, com modificações. Os mercenários, por exemplo, começaram a transitar por Bosaso, na Somália, cujo aeroporto tem uma base militar gerida pelos Emirados Árabes. Moradores da área dizem ter visto pelotões de estrangeiros uniformizados ali. Em novembro, um vazamento de dados do sistema de vistos da Somália revelou que alguns colombianos deixaram o país rumo ao Sudão, e o ministro da Defesa somaliano afirmou que aviões deixaram Bosaso em direção “ao Chade, ao Níger e ao oeste do Sudão”. Imagens de satélite revelam uma atividade constante de aeronaves Ilyushin Il-76D, similares às vistas em aeroportos da Líbia e dos Emirados. Em El Fasher: Com fome, crianças comem ração animal em cidade sitiada por 'guerra ignorada' no Sudão Na semana passada, os EUA sancionaram Quijano e sua mulher, Cláudia Oliveros, os acusando de serem figuras centrais em uma rede transnacional que recruta colombianos para “lutar ao lado do grupo paramilitar sudanês”. "Desde setembro de 2024, centenas de ex-militares colombianos viajaram para o Sudão para lutar ao lado das FAR", afirmou o Departamento do Tesouro americano, especificando ainda que alguns treinaram menores para o combate. Contrato confidencial A empresa militar privada de Quijano foi fundada por Omar Rodríguez, em 2017, como uma agência de empregos. A associação com Quijano ocorreu depois, devido às conexões dele com os emiradentes. Afogado em dívidas, Rodríguez vendeu sua participação à mulher de Quijano em 2022, que hoje aparece como responsável pela companhia. A AFP teve acesso a 26 documentos assinados por colombianos na Líbia, que autorizam a empresa emiradense GSSG a pagar seus salários através de uma firma registrada no Panamá. O contrato como “guarda de segurança” alerta sobre consequências civis e penais caso os termos de confidencialidade sejam violados. Em seu site, a GSSG se descreve como “o único provedor de serviços de segurança privada armada para o governo dos Emirados Árabes”. Nenhuma das empresas citadas quis se pronunciar. 'Parece o apocalipse': Massacre segue no Sudão, mostram satélites, e líderes europeus reagem O governo dos Emirados nega sua participação na guerra através de grupos paramilitares, apesar de especialistas da ONU, congressistas americanos e organizações internacionais dizerem o contrário. Segundo diplomatas e analistas, o país tem interesses nas minas de ouro, em terras para a agricultura e na posição estratégica do Sudão, no Mar Vermelho. O Congresso da Colômbia aprovou recentemente uma lei proibindo o recrutamento de mercenários, depois de décadas de relatos sobre a participação de ex-militares em conflitos no Haiti, Afeganistão e Colômbia.