Perspectivas 2026: Insatisfação geral com economia nos EUA levará Trump a focar em lei e ordem, preveem analistas

Para Donald Trump, o próximo ano decididamente não será igual ao que quase já passou. Devem ser mais raras as mudanças radicais implantadas em tempo recorde pelo Executivo, com a aplicação da cartilha do Projeto 2025, descumprimento de ordens judiciais e ataques sem paralelo à democracia americana. No lugar do caos programado, apontam analistas ouvidos pelo GLOBO, 2026 será, no que depender da Casa Branca, de olho no pleito de novembro, quando as duas casas do Congresso estarão em jogo, o ano da lei e da ordem. Índice de 2,7%: Após Trump prometer queda de preços na TV, dados mostram inflação menor que o esperado em novembro nos EUA Perspectivas 2026: Diplomacia brasileira buscará equilíbrio com EUA de Trump, em meio a tensões na região O governo Trump atravessa dezembro ciente de que perdeu o trunfo da economia, crucial para a vitória sobre os democratas no ano passado. Ela segue em marcha lenta, com alta do custo de vida, do desemprego e, consequentemente, da insatisfação dos eleitores. Com os primeiros registros da popularidade do republicano abaixo dos 40% em pesquisas de opinião de referência, a principal estratégia para recuperar terreno até o pleito e evitar mais fissuras internas é demonstrar força, em três eixos principais. Donald Trump pede indenização de US$ 10 bilhões a BBC; entenda o caso Washington aumentará a ênfase na militarização do policiamento, prioritariamente em cidades e governos administrados pelo Partido Democrata, que serão apresentados como exemplos de ineficiência na segurança pública. As batidas dos agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE) serão incrementadas, com mais deportações de pessoas sem documentação necessária para permanecer no país. Trump já anunciou que considera mais investidas das Forças Armadas contra alvos caracterizados como narcotraficantes, como já se vê nas embarcações atacadas no Caribe e no Pacífico, com possível expansão para ataques no México e Colômbia. A escalada da tensão com a Venezuela, com o objetivo de derrubar a ditadura de Nicolás Maduro, também preocupa Brasília. Em junho, os EUA irão sediar, com Canadá e México, a Copa do Mundo. Em seguida, no 4 de Julho, serão celebrados os 250 anos da independência, com a vitória na Revolução Americana. O evento global e a efeméride maiúscula serão usados para anabolizar narrativas ufanistas e de união nacional. Mas estrategistas republicanos reconhecem, de modo reservado, ser este um movimento defensivo, cientes de que 2026 nos EUA será definido pela percepção dos americanos sobre a saúde econômica do país. Initial plugin text Quando decidiram, há pouco mais de um ano, que uma segunda temporada de Trump na Casa Branca seria uma boa ideia, os eleitores tinham em mente a inflação alta do governo Joe Biden, do Partido Democrata, com pico de 9,1%. Uma enormidade em comparação com o primeiro mandato do republicano, especialmente antes da pandemia. O dólar, apostaram, voltaria a comprar mais e melhores itens com o retorno do retrato do magnata de 79 anos ao Salão Oval. A decepção com as sequelas dos tarifaços, que devem seguir na estratégia trumpista, e a inexistência de uma política direcionada a engordar o bolso dos cidadãos já é detectada nas pesquisas. — Com o aumento do custo de vida e a queda de popularidade de Trump, trabalhamos com um cenário em que os democratas retomarão o controle da Câmara em novembro, ainda que, por conta do redesenho de vários distritos eleitorais, em uma onda azul [referência à cor do partido] menor do que a vista no meio do primeiro mandato do republicano, conquistando agora de 15 a 20 cadeiras. Mas, se a popularidade do presidente cair ainda mais, da média hoje de 42% para 38%, por exemplo, suas chances de perder também o Senado aumentarão — afirmou ao GLOBO Cristopher Garman, diretor-executivo para as Américas do Eurasia Group, a maior consultoria de risco global. 'O melhor ainda está por vir': Trump sugere tom econômico a discurso na TV americana Em seu discurso de posse, em janeiro, Trump vislumbrou uma era de ouro para os EUA. Mas os eleitores não viram em seu cotidiano brilho algum. A mais recente edição da tradicional pesquisa semestral do Instituto Marista, feita para as redes públicas de rádio (NPR) e televisão (PBS), divulgada na última quarta-feira, cravou recorde negativo para o republicano. Apenas 34% dos entrevistados afirmaram aprovar a maneira como ele comanda a economia. Pela primeira vez em décadas, mais americanos confiam no Partido Democrata do que no Republicano no quesito, 37% a 33%. A diferença parece pífia, mas, na mesma enquete, a direita tinha vantagem de 16 pontos percentuais em 2022. Ao esmiuçar estratos do eleitorado, o Marista registra desaprovação do direcionamento da economia por 49% dos moradores de áreas rurais, especialmente afetados pelos tarifaços, de 48% das mulheres sem educação universitária, e de impressionantes 60% dos que vivem nos subúrbios. Enquanto os dois primeiros grupos são protagonistas da coalizão trumpista, o terceiro concentra eleitores sem fidelidade partidária, os mais disputados para as eleições de novembro. Vídeo: EUA apreendem novo petroleiro perto da costa da Venezuela, dias depois de Trump declarar bloqueio naval ao país O pessimismo é tamanho que, para 52% dos entrevistados, o país já vive em recessão. Entre os latinos, que vivem a realidade das batidas constantes e assustadoras do ICE, o número é ainda maior, de 68%. Fraturas no trumpismo também foram identificadas na pesquisa, com metade dos que votam nos republicanos afirmando que pagar as contas no fim do mês ficou mais complicado no Trump 2.0. E isso se traduz em menos incentivo a sair de casa para votar. Na avaliação geral, Trump alcançou outro mínimo histórico: somente 38% dos entrevistados veem seu governo de forma positiva. Entre os independentes, 30%. Um dia antes, outra pesquisa de peso, a bimensal da NBC News, cravara 42% de apoio à Casa Branca, com aumento contínuo da insatisfação desde junho. Caso Epstein: Divulgação da primeira parte dos documentos destaca Clinton e faz poucas menções a Trump; entenda Os retratos de fim de ano do Marista e da NBC são alvissareiros para os democratas, vencedores nas principais disputas deste ano. Retomaram o governo da Virgínia, ampliaram a vantagem em Nova Jersey nos bolsões de população de origem latina, onde Trump havia avançado, elegeram um imigrante socialista para a prefeitura de Nova York, retomaram, após três décadas, o comando em Miami, e confirmaram nas urnas o radical projeto de redesenho de distritos eleitorais defendido pelo governador da Califórnia, Gavin Newsom, percebido como líder futuro mais provável de uma oposição ainda acéfala. Também na quarta-feira, o presidente fez um balanço oficial da economia. Afirmou, entre outras inverdades, ter retornado ao poder com a inflação mais alta desde o governo Gerald Ford, nos anos 1970, quando na verdade era de 3% e terminou o ano no mesmo patamar. Disse que o galão da gasolina recuara para US$ 1,99, mas a média nacional, mostram dados de seu governo, é de US$ 2,90. E teve pouco a celebrar além do fim da taxação de gorjetas, de horsa extras trabalhadas e das contribuições para a Previdência, além de anunciar bônus de US$ 1.776 (cerca de R$ 9,8 mil) para os militares. O valor remete à certidão de nascimento do país. Embora não tenha repetido o equívoco de classificar o desalento dos americanos como reação à“narrativa trapaceira dos democratas”, o presidente pareceu, uma vez mais, duvidar da percepção dos cidadãos da realidade. Na The Atlantic, o jornalista Tom Nichols viu na prestação de contas, feita em “tom rabugento”, uma “demonstração de pânico”, com sinais de que o avanço da agenda do trumpismo deverá ser interrompido em 2026. Tensão elevada: 'Não descarto', diz Trump sobre possível guerra com a Venezuela após sobrevoo de aviões americanos na região Enquanto não transformam em realidade a aposta no aumento de postos de trabalho a partir da reindustrialização financiada pelos tarifaços, sublinha Cristopher Garman, restará aos republicanos a estratégia da lei e da ordem, que impacta inclusive o enfrentamento a Maduro. — O xadrez eleitoral de 2026 explica o envolvimento direto de Stephen Miller, assessor especial para Segurança Interna e Imigração, na Venezuela. Imagens de militares tomando petroleiros e bombardeando o país tendem a ser lidas como demonstração de força, sem o custo político de uma invasão e das complexas negociações para uma transição democrática — afirma o diretor da Eurasia.