Selton Mello estreia no cinema americano em 'Anaconda' e se prepara para dirigir adaptação de 'O Alienista': 'O brilho no olho voltou'

“Versão brasileira: Herbert Richers”. Marco cultural da televisão brasileira, a frase era ouvida na abertura da maioria dos filmes e desenhos exibidos nas telinhas entre as décadas de 1970 e 1990, e se tornou sinônimo especialmente dos chamados clássicos da “Sessão da Tarde”, da TV Globo. Foi no tradicional estúdio de dublagem que, após estrear como ator aos 8 anos na novela “Dona santa” (1991), Selton Mello dedicou boa parte dos primeiros anos de sua trajetória profissional. Emprestou sua voz a clássicos da época, como “Clube dos cinco” (1985), “Os Goonies” (1985), “ Karatê Kid: parte 2” (1986) e “Indiana Jones e a última cruzada” (1989). Cerca de quatro décadas depois, o ator faz sua estreia no cinema internacional em um filme e busca resgatar este sentimento: “Anaconda”. Confira a lista: Selton Mello elege seus quatro filmes favoritos da vida Selton Mello narra luta contra o cigarro: 'Vinte e cinco anos de um casamento fedido; relação tóxica chegou ao fim' — Comecei como ator muito cedo, mas aos 11 anos as portas da atuação se fecharam. Fui para a dublagem, passei toda minha adolescência dublando e tenho muito carinho por essa época. Dublei tantos filmes que passam a vida toda na Sessão da Tarde. E “Anaconda” é este tipo de filme — conta Selton, que teve a oportunidade de se dublar no novo trabalho. — Fui gravar no estúdio e quando olhei para a tela, não era mais um ator americano que estava lá, era eu. Achei uma coisa muito emocionante, fecha um círculo bonito. “Anaconda” acompanha os amigos Doug (Jack Black), Griff (Paul Rudd), Kenny (Steve Zahn) e Claire (Thandiwe Newton), quatro amigos de infância que decidem se reunir para uma missão bem inusitada: refilmar “Anaconda” (1997), popular longa estrelado por Jennifer Lopez, Jon Voight e Ice Cube. O quarteto viaja até a Floresta Amazônica, onde contratam o treinador de cobras Santiago Braga (Selton Mello). Efeito ‘Ainda estou aqui’ O brasileiro atribui a oportunidade de estrear em Hollywood ao impacto de “Ainda estou aqui” em 2024. Ele lembra que, após a estreia no Festival de Veneza e primeiras exibições nos festivais de Toronto, Londres e Nova York, se aproximou de estúdios e executivos americanos e passou um período em Los Angeles. Foi convidado para conversar sobre “Anaconda” e realizou um Zoom com o diretor e roteirista Tom Gormican. Assim que deixou a conversa, Selton recebeu uma ligação com a notícia: “Queremos você”. — Foi um negócio que não esperava que fosse aparecer. Já era superfã do Jack e do Paul e foi incrível fazer uma comédia desse porte com eles. É muito legal ver que os ídolos são pessoas maneiras. Me senti muito bem acolhido, me trataram muito bem e me deixaram bem solto até para improvisar — diz o brasileiro. — O nome disso é generosidade. Eles podiam achar que eu estava inventando muito, podiam cortar minhas asinhas, mas me ajudaram a construir asas maiores. Acho que o personagem ficou ainda mais legal do que estava no roteiro. Selton Melo no filme 'Ainda estou aqui' Divulgação Perto de completar 53 anos, no dia 30, o mineiro de Passos comemora a oportunidade de trabalhar em projetos tão distintos. — Saltei de Waltinho para “Anaconda” e achei isso muito bom. Ajuda a exercitar a musculatura. Eu tive um momento na minha carreira como ator em que olhei para o lado e pensei: fiz teatro, dublagem, novela, cinema para grande público, cinema de arte, fiz “O auto da Compadecida” e fiz Júlio Bressane, para onde eu vou? — destaca o artista. — Foi quando decidi dirigir, contar as histórias do meu ponto de vista. Só que o tempo passou. Fiz três filmes, série e voltei para este lugar do “e agora?”. Foi quando surgiu a oportunidade de trabalhar no cinema internacional, em outras línguas, com pessoas que não conhecem a minha história. O brilho no olho voltou. Gravação secreta Selton lembra que o “projeto dos sonhos” chegou em um momento complicadíssimo, no último trimestre do ano passado, em meio à campanha de “Ainda estou aqui” na temporada de premiações e ao lançamento de “O auto da Compadecida 2” nos cinemas brasileiros. — Tinha de estar na Austrália em dezembro para gravar uma cena de “Anaconda” e não podia falar para ninguém. Tive que antecipar uma pré-estreia do “Auto” e fazer toda uma logística. “Anaconda” entrou em recesso de final de ano. Voltei para casa e só queria dormir — conta Selton, que só fez duas exigências em contrato: poder comparecer às cerimônias do Globo de Ouro e do Oscar, durante as gravações da comédia, entre janeiro e março. — Eu tinha que estar lá para gritar pela Nanda (Fernanda Torres) e para mostrar os bastidores nas minhas redes. Eu vim do interior de Minas, meus pais não eram famosos, eu não fingi costume. Foi muito legal. ‘O auto da Compadecida 2’ divulgação Com a experiência vivida com “Ainda estou aqui”, Selton vê com empolgação o caminho traçado pelo representante brasileiro na corrida pelo Oscar 2026: “O agente secreto”. — Estamos vendo um momento muito lindo. A safra do último ano, com “Malu”, “Oeste outra vez”, “Kasa Branca”, são muitos filmes incríveis e diferentes entre si. “O agente secreto” já começou fazendo história em Cannes e acho que eles vão muito longe. Converso muito com o Wagner (Moura), que é um amigo próximo e é muito merecedor de tudo que está vivendo. O Kleber (Mendonça Filho) é um talento fora da curva e não podemos esquecer da Emilie (Lesclaux), que é uma danada, uma grande produtora. Ao amigo Wagner, Selton deu apenas um conselho: “Dorme. Dorme em todas as chances que tiver. Dorme no carro, no avião. É muito exaustivo”, afirma o Marcelo Rubens Paia de “Ainda estou aqui” sobre a agenda de eventos que tem de ser cumprida para a divulgação de um filme. Adaptação de ‘O alienista’ Após a estreia em Hollywood, Selton Mello diz que quer continuar trabalhando no cenário internacional, reproduzindo o tipo de escolha que fazia no Brasil. Ele acaba de filmar “La perra”, novo longa de Dominga Sotomayor, com produção de Rodrigo Teixeira, no Chile. — Essa expansão para o universo internacional é estimulante e a ideia é fazer lá fora o que sempre fiz no Brasil. Eu fiz “O auto da Compadecia” e “Árido movie”, fiz “A mulher invisível” e “O cheiro do ralo”, e agora fiz “Anaconda” e “La perra”. Selton Mello com Steve Zahn e Jack Black em “Anaconda” Divulgação Em 2026, lança a sexta temporada de “Sessão de terapia”, produção para o Globoplay em que divide as funções de protagonista e diretor e da qual tem muito orgulho. Recentemente, Selton anunciou os planos para um novo longa como diretor, o primeiro desde 2017, quando lançou “O filme da minha vida”. Antes disso, havia feito “Feliz Natal” (2008) e “O palhaço” (2011). Agora, ele se prepara para dar início a um grande desafio: adaptar “O alienista”, clássico conto de Machado de Assis. — Fazer “O alienista” era um sonho antigo. Vou dirigir e fazer o Dr. Simão Bacamarte. É um conto que me deixou doido quando eu li. Tem aquela ironia machadiana e continua muito atual e divertido — conta Selton. — Estou doido para apresentar o Machado para uma nova geração e incentivar novos leitores. É um conto com humor muito refinado, que joga uma lente de aumento no limite entre a razão e a loucura. Ele espera rodar “O alienista” até 2027 e já tem outro projeto para dirigir no Brasil na sequência, mas que ainda não revela detalhes. Cronicamente on-line e com fama de “rei dos memes”, Selton fala que demorou a se entender com as redes, mas achou seu “jeito de estar ali”. E defende seu uso apenas para fins pacíficos. — Uso para me divertir, para ver coisas legais. O mundo já está muito pesado. Uso para deixar o meu dia e o das pessoas mais leve — diz o ator, que valoriza a força das redes profissionalmente. — Comecei nas novelas quando só existia TV aberta. Eu vi o nascimento da TV a cabo, do YouTube, do streaming. Eu estranho, mas não luto contra as novidades. Me adapto. Acho extraordinário ter milhões de seguidores me acompanhando nas redes sociais.