Delegado baleado em megaoperação no Alemão relembra resgate, amputação e diz que sobreviveu por um milagre

O delegado da Polícia Civil Bernardo Leal, de 45 anos, voltou a ficar de pé — um fato que, há pouco mais de 50 dias, parecia improvável até para os médicos. Baleado por um tiro de fuzil durante a megaoperação policial nos complexos da Penha e do Alemão, em 28 de outubro, ele sobreviveu a uma lesão considerada raríssima e hoje se define como alguém que renasceu. Crime: Homem é morto a tiros em praça de Bento Ribeiro, na Zona Norte do Rio Da Brasil a Botafogo: Perseguição da PM deixa um morto e cinco presos após ação que atravessou a cidade A trajetória de sobrevivência foi contada em entrevista exibida no "Fantástico", da TV Globo. — Primeiro, feliz de estar vivo. Desde o início não existiu lamentação, só gratidão. Os médicos diziam que era um milagre — afirmou Leal. A operação, uma das mais letais da história do Rio de Janeiro, deixou 122 mortos, entre eles cinco policiais. Leal foi atingido quando atuava a pé dentro da comunidade, após horas de deslocamento e buscas por alvos ligados ao tráfico. — A gente sabia que ia ter resistência, mas não tinha ideia do tamanho — relembrou. Segundo o delegado, a equipe havia identificado uma casa fortificada, apontada pela inteligência como possível esconderijo de um dos líderes do Comando Vermelho. O grupo tentou se aproximar por vielas estreitas, preparadas como um verdadeiro labirinto para dificultar qualquer recuo. Em meio ao confronto intenso, um homem vestindo roupas semelhantes às dos policiais se aproximou e respondeu corretamente à senha e à contrassenha usadas na operação. Leal acreditou que se tratava de um agente de outra força de segurança. — Quando eu corri para o lado, foi aí que ele atirou. Tomei o tiro na perna — contou. O disparo atingiu a perna direita, na altura da coxa, provocando fratura no fêmur e rompimento da artéria e da veia femoral — estruturas vitais para a circulação sanguínea dos membros inferiores. A hemorragia foi imediata e severa. A partir daí, começou um resgate dramático que durou cerca de uma hora e quinze minutos, sob intenso tiroteio. Imagens exibidas pelo Fantástico mostram policiais quebrando paredes de casas para retirar o delegado, que perdia a consciência repetidamente. — Eu apagava, alguém me acordava. Lembro de pedir para ligarem para minha mulher. Eu sabia que estava muito ruim — relatou. Os colegas improvisaram torniquetes, carregaram Leal nas costas e chegaram a usar uma moto para retirá-lo da área de confronto. Um dos agentes tirou o próprio colete à prova de balas para conseguir subir escadas com o delegado ferido. — Ele me botou nas costas, sem colete, e falou: “segura, doutor, vambora” — disse. No trajeto até o Hospital Getúlio Vargas, Leal desmaiou várias vezes. A última lembrança antes de perder completamente a consciência foi a de ser colocado em uma maca. No hospital, o quadro era crítico. Leal recebeu 30 bolsas de sangue — volume suficiente para trocar todo o sangue do corpo três vezes. Houve suspeita de morte cerebral. — Disseram que ele tinha 3% de chance de sobreviver — contou a esposa, Elen Leal, também em entrevista ao Fantástico. — Eu me isolei do mundo. Era só oração. Foram nove cirurgias. A primeira amputação ocorreu abaixo do joelho, numa tentativa de preservar parte da perna. Com a progressão das complicações vasculares, a amputação precisou ser elevada até a altura do fêmur. — Cada cirurgia a amputação subia um pouco mais — disse o delegado. Leal ficou sete dias em coma e só tomou consciência da amputação ao despertar, já em outro hospital, o Samaritano. Após 47 dias de internação, recebeu alta há uma semana. Hoje, ele inicia a fase de readaptação e reabilitação, que inclui o uso de prótese. Os custos do tratamento e da prótese, segundo ele, serão arcados pelo governo do estado. — O governador se prontificou a cobrir esses gastos, e temos essa promessa — afirmou. Leal pretende seguir na carreira policial, mas não mais em operações de rua. Emocionado, fez questão de agradecer à equipe que participou do resgate. — Eu só estou vivo porque eles não desistiram de mim em momento algum. Minha gratidão é eterna. Ao final da entrevista, o delegado também deixou uma reflexão sobre violência, desigualdade e oportunidades. — Falta educação, falta saúde, falta o mínimo. Nenhuma mãe deveria passar por isso — disse, em referência às famílias que perderam filhos na operação. — Foi um renascimento. As pessoas podem mudar, podem renascer. Estou tentando fazer isso também.