Vilã em sequência de 'Avatar', neta de Charlie Chaplin diz que chegou a fugir do sobrenome: 'Sentia quase vergonha'

“Avatar: fogo e cinzas”, o terceiro filme da saga de ficção científica dirigida por James Cameron, dá continuidade à história da família Sully, o clã de guerreiros Na’vi liderado pelo ex-humano Jake (Sam Worthington). Eles seguem sendo perseguidos implacavelmente pelo coronel Quaritch (Stephen Lang), o obstinado comandante da Marinha que se tornou um Avatar “recombinante” em tempo integral e continua sendo o maior inimigo de Jake. 'Faço filmes para o cinema': James Cameron fala sobre 'Avatar: Fogo & cinzas' e admite possível fim da franquia 'É sobre começar de novo e reconstruir': Miley Cyrus revela inspiração em tragédia pessoal para canção de 'Avatar 3' Varang em 'Avatar: fogo e cinzas' Divulgação Desta vez, porém, Quaritch ganha uma nova aliada: Varang, a líder do Povo das Cinzas — uma tribo temível que habita regiões vulcânicas, realiza incursões e coleciona escalpos. Quando somos apresentados ao Povo das Cinzas, eles surgem do nada, descendo das nuvens para emboscar um grupo de comerciantes pacifistas em um frenesi de violência brutal. Varang, coberta por pintura de guerra carmesim, impõe-se de forma especialmente intimidadora, ordenando ataques kamikazes às próprias forças enquanto solta seu grito inesquecível: “Eu sou o fogo!”. Varang é a personagem mais ameaçadora e de olhar mais selvagem do filme, e não é exagero dizer que ela pode vir a ocupar um lugar ao lado do T-1000 e da Rainha Alienígena no panteão de vilões memoráveis de Cameron. Isso se deve em grande parte à atuação de Oona Chaplin, que dá vida à personagem com intensidade. Em suas mãos, Varang é uma mulher de vontade indomável e brutalidade chocante, mas também marcada por dor e conflito internos, o que sugere a profundidade de seu trauma e de sua solidão. Trata-se de uma virada ousada para Chaplin, talvez mais conhecida por interpretar Talisa Stark, esposa de Robb Stark em "Game of Thrones", personagem que teve um fim cruel no episódio do Casamento Vermelho. Ela também carrega um sobrenome célebre: é filha de Geraldine Chaplin, neta de Charlie Chaplin e bisneta do dramaturgo Eugene O’Neill. A atriz conversou conosco por videochamada alguns dias antes da estreia de "Avatar: fogo e cinzas" nos cinemas. A seguir, trechos editados da entrevista. Conte como foi o teste para o papel. Eu estava lendo a cena da iurta com o Quaritch. Eles me trancaram numa sala — este filme tem mais segurança do que a fronteira da maioria dos países, é insano — e disseram que eu podia levar o tempo que quisesse para me preparar. Fiquei ali por algumas horas, e havia algo naquela cena, na história de origem dela. Na época, eu estava vivendo uma espécie de crise catártica. Tinha sido voluntária em um campo de refugiados [na França] e estava muito revoltada com o mundo, sentia profundamente as injustiças. Então me identifiquei instantaneamente com a raiva dela. Filmamos a cena e, algumas semanas depois, me ligaram para encontrar o Jim. Como foi o encontro? Eu estava apavorada. Eu adorava "Avatar". Mas isso passou imediatamente, porque ele é muito generoso com a atenção que dedica. Ele se movimentava comigo, se empolgava com a cena, e eu simplesmente me entreguei por completo. Depois, nos sentamos e conversamos sobre permacultura, alfafa e o teor de potássio no solo. Foi aí que consegui o papel. As filmagens começaram em 2017. Como é a sensação de finalmente ver o filme ser lançado? Sou muito grata pelo meu amadurecimento, que me permitiu lidar com essa intensidade. Acho que, naquela época, eu poderia ter sido um pouco mais engolida por tudo isso. Hoje sou mãe, então tenho outra perspectiva de vida. Essa parte de mim já está mais madura. Além disso, eu filmei tudo naquela época, mas de vez em quando o Jim ligava e dizia: “Tive uma nova ideia”, e a gente refazia. É uma personagem que me acompanha há muito tempo. Fiquei muito animada em reencontrá-la. Oona Chaplin: 'Cameron me dava tanta liberdade que, às vezes, era até assustador' Valerie Macon / AFP E o que você achou do resultado? Eu adorei o filme. Acho que é o meu favorito dos três. Talvez eu seja parcial, mas me senti triunfante porque funcionou — e fiquei orgulhosa do meu trabalho. Nem sempre me sinto assim depois de um projeto. Estou ansiosa para que o mundo a veja e a tema. Foi estranho assistir a "The Way of Water" depois de já ter filmado sua parte e não poder falar sobre isso? Depois, todos os meus amigos me mandaram mensagens perguntando: “Então, você estava lá?”. Eu não podia dizer nada, porque assinei um acordo de confidencialidade, e essas pessoas são muito influentes — vai que mandam atiradores de elite se eu falar alguma coisa. O que Cameron disse que queria para esse papel? Ele tinha uma visão clara da personagem? Ele me dava tanta liberdade que, às vezes, era até assustador. Eu pensava: “Ele não está me dando nada — talvez não goste do que estou fazendo e eu acabe cortada na edição final”. Ele elogiava, mas não dizia coisas como “me traga mais disso” ou “me dê mais daquilo”. Acho que isso nos pegou de surpresa. Ouvi dizer que vocês criaram seus próprios rituais e danças. Totalmente. Na segunda semana, mais ou menos, o Cameron me disse: “Preciso que você crie uma cerimônia do fogo”. Eu fiquei tipo: “OK?”. Por sorte, há anos sou fascinada por tecnologia indígena e dediquei muito tempo a aprender e a construir relações com povos indígenas do mundo todo, especialmente das Américas. Na época, um casal de maias morava comigo. Eles trabalham muito com o fogo em suas cerimônias, então tudo começou a fazer sentido — foi uma sincronicidade total. Observei como alimentavam o fogo, queimando comida, velas e diferentes resinas. Me inspirei nisso e criei a minha própria versão. E as armas? As armas, os Buugeng [objetos em forma de S usados por malabaristas], foram fundamentais para a personagem. São sólidos, mas, quando você se move com eles, ganham vida. Exigem muita precisão, mas também fluidez. Há um momento em que você caminha com eles girando, e eu não consegui entender exatamente o que você estava fazendo. É algum truque visual? Não! É assim que os Buugeng se movem. É assim que você dá vida a eles. No começo, eu era muito desajeitada. Quando peguei um pela primeira vez, pensei: “Isso nunca vai funcionar”. Pratiquei obsessivamente por horas e horas, porque sentia que eles eram a chave para Varang, para entender como ela se move nesse mundo. Eu escovava os dentes com um Buugeng em uma das mãos. Até que, um dia, juntaram um monte de gente numa sala de ensaio e disseram: “Ok, façam a cerimônia do fogo”. E eu: “Ok!”. E atuar com todo o equipamento de captura de movimento interfere de alguma forma? Não, porque eu fui criada no teatro. Foi como voltar à essência da narrativa. Era um “teatro pobre”, o que é uma loucura, considerando que é o filme com o maior orçamento da história. A vaidade, a pressão dos closes — tudo isso desaparece. Parece um ensaio de palco repetido várias vezes. Senti que, finalmente, podia atuar do jeito que quisesse. Recomendo muito — mas só com diretores excelentes. Falando em teatro: vi uma foto sua de 2003, quando você tinha cerca de 15 anos, interpretando seu avô, Charlie Chaplin. Ele faz parte da minha mitologia pessoal. Nunca o conheci, então ele sempre foi quase uma lenda para mim. Sou muito fã, e, como pessoa, ele é um exemplo incrível do que se pode fazer com uma vida. E Jim Cameron também está nesse mesmo patamar. Mas o nome Chaplin foi algo com que eu lutei. Cheguei a cogitar nomes artísticos realmente terríveis e acabei voltando para Chaplin. Trabalhei muito para me reconciliar com ele, porque sentia quase vergonha e constrangimento pela quantidade de portas que esse sobrenome abria. Grande parte do legado do meu avô que recebi foi sua ética de trabalho. Existe uma ética muito forte na nossa família. Trabalhamos duro — e temos orgulho disso. Tento honrar quem veio antes de mim e também quem virá depois. Quantos anos sua filha tem agora? Dois anos e dois meses. É uma loucura, porque ela se move como ele — exatamente como Charlie Chaplin. É a coisa mais psicodélica do mundo.