Como postar um simples meme pode arruinar sua viagem de férias

O governo dos EUA planos para analisar até cinco anos de publicações em redes sociais de visitantes de dezenas de países que têm direito a entrar no país por até 90 dias sem visto Getty Images O governo dos Estados Unidos anunciou recentemente planos para analisar até cinco anos de publicações em redes sociais de visitantes de dezenas de países que têm direito a entrar no país por até 90 dias sem visto. Embora os detalhes específicos da proposta ainda não estejam claros, o público americano terá algumas semanas para enviar comentários sobre o plano antes de sua entrada em vigor, em 8/2/26. Entre outras informações, os solicitantes do Sistema Eletrônico para Autorização de Viagem (ESTA, na sigla em inglês) terão de informar todos os endereços de e-mail usados nos últimos dez anos. A proposta reflete uma tendência recente de maior rigor na fiscalização de visitantes aos EUA, onde o rastro digital dos viajantes pode agora ser usado como base para barrar a entrada ou deportá-los do país. Veja os vídeos que estão em alta no g1 No início deste ano, um turista norueguês afirmou ter sido impedido de entrar nos EUA depois que autoridades examinaram seu telefone e encontraram um meme do vice-presidente americano, J.D. Vance. A US Customs and Border Protection (a alfândega americana, CBP, na sigla em inglês) nega a alegação e afirma que a decisão ocorreu devido ao "uso admitido de drogas" pelo norueguês. O site do CBP observa que "as buscas de dispositivos eletrônicos na fronteira costumam ser parte integrante da determinação das intenções de um indivíduo ao entrar nos EUA". Desde que retornou à Casa Branca, em janeiro, o presidente americano, Donald Trump, tem buscado reforçar a segurança das fronteiras do país, citando razões de segurança nacional. Alguns especialistas, porém, afirmam que o novo plano pode criar um obstáculo adicional e desestimular potenciais viajantes. Em geral, brasileiros precisam de visto para entrar nos EUA, mas isso não significa que todos eles estejam livres dessas exigências. Desde setembro de 2025, "todas as pessoas que solicitarem um visto de não imigrante das categorias H1-B, H-4, F, M ou J devem ajustar as configurações de privacidade de todas as suas contas de redes sociais para 'públicas', a fim de facilitar a verificação necessária para estabelecer sua identidade e elegibilidade para entrada nos Estados Unidos", afirma o governo americano. Os turistas (categoria B-2), por exemplo, não estão incluídos. As categorias H1-B e H-4 são voltadas para "funções especializadas em áreas que requerem conhecimento especializado e seus dependentes". As categorias F e M tratam de estudantes (acadêmicos ou vocacionais) e seus dependentes. A categoria J inclui, por exemplo, visitantes de intercâmbio, professores, pesquisadores e médicos (em programas de intercâmbio) e seus dependentes. Revistas na fronteira tornam-se digitais Donald Rothwell, professor de direito da Australian National University (Austrália) e comentarista frequente sobre questões jurídicas internacionais, é um dos muitos que agora têm receio de viajar para os EUA, afirmando que a experiência de entrada no país tem se tornado cada vez mais tensa. "Atualmente, no âmbito do Programa de Isenção de Visto (Visa Waiver Program), que permite a visitantes de 42 países entrar nos EUA por meio do processo ESTA, essas pessoas têm pouquíssimos direitos na fronteira", alerta. "Isso ocorre em parte porque, ao se candidatarem pelo Programa de Isenção de Visto, [os visitantes] abrem mão de alguns de seus direitos legais nos EUA para contestar determinadas decisões tomadas pela CBP (a alfândega americana). Assim, se, ao chegar a uma fronteira americana, um visitante estrangeiro não atender a uma solicitação de um agente do CBP, pode ter a entrada negada." O conselho dele aos viajantes é claro: ter extremo cuidado com o que publicam online, especialmente em relação a temas que envolvam políticas dos EUA ou cidadãos americanos. Os EUA não são os únicos a adotar esse tipo de vigilância. Cada vez mais países monitoram a atividade de viajantes nas redes sociais Getty Images Olhando mais adiante, Rothwell avalia que a crescente digitalização tende a tornar níveis elevados de fiscalização muito mais comuns e mais fáceis de implementar. "Se as viagens vão se tornar 'sem fronteiras', é natural que mais dados digitais sejam coletados sobre os viajantes." Quanto maior o volume de dados, acrescenta, maior é a confiança das autoridades de que o visitante não representa uma ameaça à segurança. "Suspeito que veremos um uso cada vez maior de inteligência artificial na tomada dessas decisões", afirma. Pense antes de postar Os EUA estão longe de ser o único país a adotar esse tipo de medida de vigilância. Governos ao redor do mundo monitoram cada vez mais a atividade de viajantes nas redes sociais, e o rastro digital de uma pessoa pode causar problemas mesmo depois de ela cruzar uma fronteira. Em 2018, a Nova Zelândia introduziu o que descreveu como a primeira lei do mundo a autorizar agentes de fronteira a exigir acesso aos celulares de viajantes, prevendo multas elevadas para quem se recusar a compartilhar senhas. Os Emirados Árabes Unidos vão ainda mais longe: as autoridades podem deter estrangeiros que publiquem, ou até republiquem, conteúdo considerado difamatório, como descobriu um irlandês no ano passado ao deixar uma avaliação negativa online sobre um antigo empregador local. Os riscos também aumentam porque os viajantes geram volumes cada vez maiores de conteúdo potencialmente sensível. Uma pesquisa com britânicos realizada pela Virgin Mobile constatou que mais da metade "não consegue imaginar não tirar fotos durante as férias", geralmente publicando sete imagens por semana nas redes sociais. Na corrida do chamado travel porn (exibição de viagens, em tradução livre), muitos usuários entram em competição. Um em cada dez entrevistados afirmou que iria a extremos por uma selfie de férias, incluindo ficar à beira de um penhasco ou posar com animais selvagens. O problema é que essas imagens muitas vezes são feitas sem consideração pelas normas locais, o que provoca reações negativas que podem escalar rapidamente. Em 2022, uma influenciadora russa e o marido foram deportados de Bali após encenarem um ensaio fotográfico nu sob uma árvore sagrada. Pouco depois de as fotos serem publicadas nas redes sociais, a política local Niluh Djelantik pediu que cidadãos denunciassem a influenciadora à polícia. "Ela deveria ser responsabilizada pelo custo da cerimônia de purificação que precisa ser realizada pelos moradores da vila", escreveu Djelantik. "Turista vulgar. Vá embora!" Casos como esse levaram governos a correr para orientar seus cidadãos viajantes, com páginas na internet dedicadas às regras, sempre mutáveis, de etiqueta nas redes sociais no exterior, além de normas culturais que muitos turistas desconhecem. O portal do governo do Canadá, por exemplo, alerta que, na Tailândia, é ilegal promover o consumo de álcool e que é possível ser multado por publicar fotos com bebidas alcoólicas nas redes sociais. O espectro do mal-entendido Sucheta Rawal, palestrante sobre viagens e autora de livros infantis, vivenciou como uma publicação feita durante as férias pode sair rapidamente do controle. Em uma viagem à África no ano passado, um de seus posts foi visto por um contato, que reagiu com indignação e o republicou globalmente. "Eu não senti que estivesse sendo insensível", afirma. "Mas isso levou a interpretações equivocadas, acusações e hostilidade contra mim, o que tornou o restante da viagem muito difícil." Segundo Rawal, todo conteúdo é vulnerável, seja publicado de forma pessoal ou privada. "No ambiente atual, não é nada difícil tirar comentários do contexto ou encaixá-los em narrativas que você nunca pretendeu contar", diz. Turistas podem desrespeitar costumes locais sem perceber, como virar as costas para um portão torii em um santuário xintoísta Getty Images Em um momento em que cada vez mais viajantes se tornam criadores de conteúdo e publicam gigabytes de material todos os meses, o risco de mal-entendidos aumenta. "Quando eu estava escrevendo Beato Goes to Japan", afirma Rawal, "percebi que precisava estar atenta a inúmeras nuances culturais sutis nas imagens". Ela observa, por exemplo, que a forma de vestir um yukata (quimono de verão, em tradução livre) difere entre pessoas vivas e cadáveres, e que virar as costas para um torii — o portal de entrada de um santuário xintoísta — é considerado desrespeitoso. À medida que a fotografia de viagem se torna cada vez mais performática, milhões de pessoas tiram selfies usando roupas locais ou visitando locais religiosos. Esses deslizes podem ofender quem está por perto muito antes de a imagem ser publicada online. O contexto é tudo Em geral, esses episódios decorrem mais do desconhecimento de normas culturais, e não de má-fé. O Japão, por exemplo, assim como muitos países da Ásia e do Oriente Médio, é considerado uma "sociedade de alto contexto". Em uma palestra sobre o tema, a especialista em comunicação intercultural Erin Meyer explica que, nessas culturas, a comunicação "é mais implícita, mais complexa e cheia de nuances", e muito do que é transmitido ocorre por gestos simbólicos ou entendimentos implícitos. Viajantes de "sociedades de baixo contexto", que priorizam a comunicação verbal direta, podem achar esse tipo de interação sutil um campo minado de possíveis grosserias, no qual, mesmo evitando palavras, não se evita necessariamente causar ofensa. Hoje, quando postagens nas redes sociais permitem a inclusão de uma profusão de emojis, um simples vídeo gravado em um mercado de frutas no exterior, acompanhado do ícone de uma melancia, pode facilmente provocar reações de quem interprete o símbolo como um sinal de antissemitismo ou como um estereótipo racista contra americanos negros. Nada disso significa que os turistas devam se autocensurar completamente por medo de reações negativas. Em vez disso, a melhor abordagem pode ser simplesmente postar de forma mais consciente, priorizando a qualidade em vez da quantidade, sem a preocupação de alimentar algoritmos ou atender expectativas. "A consciência muitas vezes surge quando você está plenamente atento e presente ao que acontece ao seu redor", afirma Rawal. "Observe como as pessoas ao redor se vestem, falam e se comportam, e tente se integrar da melhor maneira possível. Não transforme moradores locais em objetos só porque você é um turista." O resultado não é apenas uma viagem mais segura e significativa, mas também uma experiência em que há conexão respeitosa com os locais e culturas visitados, em vez de reduzi-los a simples conteúdo. Sem classe econômica: quanto custa fazer o voo mais longo do mundo? Voos mais baratos sem opção de bagagem de mão valem a pena? Regras para levar líquidos em voos internacionais