Antes de Heleno, STF concedeu prisão domiciliar humanitária para 20 e negou para 16 condenados pela Corte

[VIDEO ID 14158845] Antes da decisão que concedeu a prisão domiciliar humanitária ao general Augusto Heleno, preso após ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 21 anos de pena por participação na trama golpista, a Corte já havia autorizado o benefício a outros 20 condenados e negado a 16, segundo um levantamento do g1. A prisão domiciliar humanitária não está prevista na lei, mas é concedida em caráter excepcional pela Justiça, principalmente a presos que cumprem pena em regime fechado e estão com alguma doença grave. É diferente do recolhimento domiciliar, que existe para quem cumpre pena em regime aberto, e da prisão domiciliar preventiva (entenda mais abaixo). Dos 21 condenados que conseguiram a prisão domiciliar humanitária, incluindo o militar, 15 são idosos e todos alegaram problema de saúde física ou mental. Esses também foram os argumentos do general Heleno, que tem 78 anos e alegou Alzheimer. Augusto Heleno durante interrogatório na Primeira Turma do STF Foto: Ton Molina/STF Dos 16 que tiveram pedido negado, 14 também alegaram problemas de saúde, mas a maioria (10) tem menos de 60 anos. Ao todo, o g1 analisou 98 decisões disponíveis no sistema de jurisprudência do STF até 22 de dezembro de 2025. Os casos envolviam 37 condenados pela Corte à prisão em regime fechado e que pediram prisão domiciliar humanitária. Baixe o app do g1 para ver notícias em tempo real e de graça Desses, 30 estavam envolvidos com os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 – fato que gerou o maior número de condenações pelo STF na história. Por isso, são maioria tanto entre os que conseguiram o benefício, quanto entre os que não conseguiram. Os outros sete foram condenados por crime eleitoral, lavagem de dinheiro, ecorrupção – como o ex-deputado Paulo Feijó, no escândalo dos Sanguessugas – ou por atentar contra os Poderes, caso do ex-deputado Roberto Jefferson. Há ainda o ex-presidente Fernando Collor, condenado na Lava Jato, e os ex-deputados Nelson Meurer e José Genoíno, condenados no caso do Mensalão. Para obter os dados, o g1 procurou todas as decisões que citavam os termos “prisão domiciliar doença grave”, “prisão humanitária” ou “prisão domiciliar humanitária”, conforme orientação de juristas e do STF, e que diziam respeito a pessoas condenadas pela Corte. Moraes deu prisão domiciliar humanitária para 17 e negou para 14 Como a maioria dos pedidos de prisão domiciliar humanitária foram de réus do 8 de janeiro, as decisões foram tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes, que é o relator dos inquéritos. O magistrado avaliou 32 dos 37 pedidos e concedeu para 17 – sendo 14 condenados pelo 8 de janeiro, o ex-presidente Collor, pela Lava-Jato, e o ex-deputado Roberto Jefferson, por atentado aos Poderes. Moraes ainda negou o pedido para 14 pessoas, todas envolvidas no 8 de janeiro. Tem uma sugestão de reportagem? Fale com o g1 Em quatro casos, o ministro deu a domiciliar humanitária mesmo com laudo médico atestando que o presídio tinha condição de dar o tratamento para o detento. Isso costuma ser determinante para negar o pedido, segundo especialista consultado pelo g1. Em outro caso, Moraes deu o benefício novamente a uma mulher que, na primeira vez, descumpriu as medidas cautelares. Análise é muito particular, segundo jurista Segundo o professor de direito penal e processo penal Pedro Kenne, mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), os dados mostram que o STF concede a prisão domiciliar humanitária excepcionalmente, e que a análise é feita de forma muito particular. "Depende do exame específico da situação do preso e do estabelecimento em que ele deve cumprir pena, para definir se o Estado tem ou não condições de prover adequado cuidado de saúde. Esse é o critério essencial do benefício", disse Kenne. O jurista explica que não há previsão legal de prisão domiciliar para condenados em regime fechado ou semiaberto. O que existe é a possibilidade de recolhimento domiciliar para quem cumpre pena em regime aberto, segundo a Lei de Execução Penal, e para presos preventivos, conforme o Código de Processo Penal. Em ambos os casos, a concessão está condicionada a: idade (70 anos para condenados e 80 anos para presos preventivos); pessoas com doenças graves; mulheres grávidas ou com filhos dependentes. "A rigor, o cumprimento da pena deveria ser domiciliar apenas em casos excepcionais de regime aberto. Mas, quando razões de saúde tornam isso incompatível com a permanência na prisão, quando o estado afirma que não tem como prover o cuidado que o preso necessita, acaba-se admitindo a domiciliar para o regime fechado e semiaberto também", disse Kenne. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, atualmente, 5.497 sentenciados à prisão em regime fechado cumprem pena em casa, o que representa 1,4% do total. Na prática, segundo Kenne, quando o preso pede prisão domiciliar humanitária, costuma ser determinante o que diz o laudo do médico do presídio. Se o documento validar a possibilidade de dar tratamento adequado, a tendência é o juiz não conceder o benefício. "Se há tratamento minimamente adequado àquela doença [oferecido pelo presídio], ainda que não seja o desejado pelo preso, não há que ser deferida a prisão domiciliar", afirmou Kenne. Condenada conseguiu o benefício duas vezes, contrariando laudo médico Adalgisa Marisa Dourado, de 65 anos, condenada a 15 anos de detenção pelos atos de 8 de janeiro. Ela tinha problemas como ansiedade generalizada, irritabilidade, insônia e humor oscilante. Segundo o relatório médico, a unidade de saúde da prisão tinha plenas condições de atendê-la, mas Moraes entendeu que o quadro justificava a concessão do benefício. "A situação de saúde da sentenciada configura importante situação superveniente a autorizar a excepcional concessão de prisão domiciliar humanitária", afirmou Moraes na decisão. Outro caso é o de Vildete Ferreira da Silvia Guardia, de 74 anos, condenada a 10 anos pelos mesmos atos de Adalgisa. Entre outras comorbidades da idade, ela alegou problemas de locomoção e recebeu direito a prisão domiciliar duas vezes. A primeira, em maio de 2025; depois, perdeu o benefício ao descumprir as regras da prisão domiciliar. Mesmo assim, teve o benefício restabelecido em agosto. Embora o laudo afirmasse que seu estado não era incompatível com o sistema prisional, Moraes considerou idade e doenças associadas como risco de agravamento. Já Iraci Megumi Nagoshi, de 72 anos, foi condenada a 12 anos pelos mesmos crimes, mas não conseguiu o mesmo benefício novamente após descumprir as medidas cautelares. Alegando transtorno depressivo, diabetes, problemas renais e dificuldade de locomoção, entre outras condições de saúde, ela ganhou o direito a cumprir a pena em casa em abril. Mas, segundo a decisão, começou a sair de casa sem autorização judicial. Quando Iraci pediu novamente a prisão domiciliar humanitária, em setembro, Moraes negou. "A requerente descumpriu por diversas vezes as condições estabelecidas [...] deixando o perímetro de sua residência para praticar atividades recreativas, como musculação, hidroginástica e pilates", destacou o ministro. Condenado no mensalão teve pedido negado na pandemia e morreu de Covid na prisão Primeiro condenado no mensalão, o ex-deputado Nelson Meurer cumpria pena de 13 anos na Penitenciária de Francisco Beltrão (PR) quando pediu três vezes prisão domiciliar humanitária — duas delas durante a pandemia. Aos 77 anos, com hipertensão, diabetes e histórico de cirurgia cardíaca, ele integrava o grupo de risco da Covid-19. Meurer morreu na prisão, em julho de 2020, após ser internado com a doença. O último pedido de prisão domiciliar humanitária tinha sido negado no mês anterior pela segunda turma do STF. De acordo com o relator, o ministro Edson Fachin, o presídio já havia adotado medidas recomendadas pelo Conselho Nacional da Justiça (CNJ) para reduzir os riscos de contágio, como a suspensão das visitas. Na primeira vez em que o pedido foi negado, em 2019, Fachin afirmou que a prisão domiciliar estava "reservada a situações evidentemente excepcionais". "Apesar de assumir em certos casos especiais natureza humanitária, não constitui meio para a obtenção de condições mais benéficas de cumprimento de pena", afirmou o ministro em sua decisão. Antes de 2020, ministros como Luís Roberto Barroso e Rosa Weber defenderam que decisões desse tipo deveriam observar a igualdade entre detentos, evitando exceções individuais. Em 2019, Weber pediu informações sobre outros presos com câncer antes de decidir sobre o pedido de prisão domiciliar do ex-deputado Paulo Feijó, que acabou autorizado com tornozeleira. José Genoíno também teve benefício negado Ainda no processo do mensalão, em 2014, o ex-deputado José Genoíno teve a domiciliar humanitária negada. Barroso afirmou que “as pessoas, ricas ou pobres, podem não ter igualdade perante a vida, mas devem tê-la perante a lei”. O plenário do STF negou também o pedido de Roberto Jefferson no mesmo ano. O ministro Barroso ressaltou que a decisão deveria valer para todos em situação equivalente no país. Mais de dez anos depois, em maio de 2025, Alexandre de Moraes concedeu prisão domiciliar humanitária a Jefferson, então condenado por atentar contra o exercício dos Poderes. .