Funai relata avanço do CV, homicídios e chacinas associadas à disputa entre facções em Terra Indígena no Mato Grosso

Líder de desmatamento no último ano, a Terra Indígena (TI) Sararé, no Mato Grosso, lida com a volta de garimpeiros mesmo após ter sido alvo de uma operação no segundo semestre para combater a prática ilegal na região, mostram ofícios da Funai enviados ao governo federal no meses de outubro e dezembro. A presença de facções criminosas, como o Comando Vermelho (CV), e o risco de acirramento de disputas territoriais, bem como a formação de milícias, também são mencionados nos documentos obtidos pelo GLOBO. Tiroteio: Funai responsabiliza pistoleiros por ataque que deixou indígena guarani kaiowá Baleado no pescoço: PF investiga morte de vaqueiro ao ajudar Ibama a retirar gado de terra indígena no PA O ofício mais recente foi enviado no início de dezembro pelo secretário nacional de Direitos Territoriais Indígenas, Marcos Kaingang. No documento, ele relata que a Operação Xapiri, ocorrida entre agosto e outubro, não foi capaz de impedir o retorno "massivo" de garimpeiros ao território. Na avaliação da Funai, a alta no preço do ouro impulsiona a volta dos extrativistas ilegais. "Os grupos permanecem ativos e se reorganizam rapidamente, mantendo intensa movimentação logística, incluindo transporte de combustível, mantimentos e materiais para construção de estruturas precárias, bares e prostíbulos no interior da Terra Indígena. Há registros de atividades inclusive no período noturno", escreveu Kaingang. Na lista de situações de extrema violência registradas na região estão homicídios e chacinas, ataques a equipes de Ibama, Polícia Civil e Polícia Federal e confrontos entre garimpeiros e servidores públicos. Há também tentativas de aliciamento de indígenas para esconder armas em aldeias, além da circulação de armamento pesado, como fuzis, e do uso de explosivos. As mortes acontecem em um contexto de disputa territorial entre facções, e a região tem um histórico de assassinatos nos garimpos ilegais, afirma a Funai. No dia 24 de setembro do ano passado, quatro pessoas morreram em uma chacina motivada por uma briga pelo controle de uma área de exploração. No dia seguinte, outras três pessoas foram assassinadas em circunstâncias semelhantes. Em outro caso ocorrido meses antes, em maio, duas pessoas foram mortas e outras quatro baleadas. "As agências de inteligência tem registrado o avanço da facção criminosa 'Comando Vermelho', além de disputas entre facções para dominar pontos de extração ilegal de minério no interior e entorno da TI", diz o ofício. Um ofício anterior já alertava para a provável volta de garimpeiros e criminosos após o fim da Operação Xapiri. Datado do dia 28 de outubro, o documento, assinado pela presidente da Funai, Joenia Wapichana, e dirigido à Casa Civil, afirma que "os esforços não foram suficientes para conter a atividade ilícita no local". Naquele momento, dias antes do encerramento da operação, autoridades já haviam identificado o aumento no "transporte de mantimentos, combustíveis e pessoas por embarcações no Rio Sararé, inclusive durante o período noturno". Segundo Wapichana, observou-se, inclusive, o agravamento da situação em algumas aldeias. Além das tentativas de aliciamento, os criminosos também passaram a usar as vias de acesso às habitações dos indígenas, além de ameaçarem lideranças. Os indígenas também relatam um processo de interiorização de alguns grupos de garimpeiros. Informações de inteligência citadas na carta destacavam que outros, que haviam deixado a região com a operação, já planejavam retornar as atividades com mais intensidade a partir de novembro. O Comando Vermelho também é mencionado neste documento. Segundo a presidente da Funai, a presença dessa e de outras facções "tem provocado reações de resistência entre os garimpeiros, levando-os a contratar seguranças armados, em estrutura análogas às milícias". Citada no ofício, a Abin estima que existam cerca de dez fuzis em apenas um dos garimpos sob controle do CV. A presença do crime organizado na região teria levado a um processo de "mexicanização" da terra indígena, segundo um delegado da Polícia Federal não identificado citado no ofício. A expressão é uma referência aos problemas experimentados por regiões que vivem sob domínio dos cartéis de droga no país latino-americano. Na avaliação da Funai, o aumento do preço do outro pode intensificar a extração do minério da região e elevar também as tensões entre garimpeiros e facções, aumentando a violência. No ofício, Wapichana destaca que a base da Funai encontra-se em "extrema vulnerabilidade", sem perímetro de segurança e posicionada de tal forma que não há possibilidade de se proteger de garimpeiros ou oferecer um cordão de proteção às aldeias da TI Sararé. Procurado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que, atendendo à solicitação do Ministério dos Povos Indígenas, autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à Funai na Terra Indígena Sararé "para a realização de atividades e serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio". "No âmbito dessa atuação, a Força Nacional mantém efetivo permanente na região, conforme as demandas apresentadas pelo órgão apoiado", diz a nota. "Ressalta-se que, por se tratar de um Programa de Cooperação Federativa, a Força Nacional atua como órgão de apoio, de forma integrada e sob demanda do órgão apoiado, respeitadas as competências legais e os limites estabelecidos na normativa vigente", conclui o texto. A Funai e a Casa Civil não retornaram ao contato da reportagem.