Assista ao trailer de 'Valor sentimental' "Valor sentimental" é daqueles filmes raros, que espalham por conta própria inúmeras armadilhas apenas para desviar deles – e que, no processo de evitar um melodrama barato, encontra beleza na humanidade real por trás de complicações familiares. Ou pode ser que seja o contrário, e que a obra norueguesa que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (25) de Natal tenha encontrado tal beleza e então evitado o melodrama. É difícil dizer. Seja como for, é fácil ver como um dos favoritos ao Oscar de melhor filme internacional – e provável concorrente de "O agente secreto" – se apresenta como uma evolução natural do trabalho e da sensibilidade do cineasta dinamarquês Joachim Trier. No filme, ele se reencontra com a atriz Renate Reinsve para expandir a exploração que fizeram sobre o lado humano de tragédias corriqueiras no incrível "A pior pessoa do mundo" (2022). Com o trabalho sutil e doído em "Valor sentimental", a norueguesa se eleva de vez à elite da atuação mundial – apoiada por interpretações impecáveis de um elenco que mistura nomes conhecidos, como Stellan Skarsgård ("Andor") e Elle Fanning ("Um completo desconhecido"), e revelações, como Inga Ibsdotter Lilleaas. Stellan Skarsgård e Renate Reinsve em cena de 'Valor sentimental' Kasper Tuxen/Divulgação O roteiro escrito por Trier e Eskil Vogt, parceiro do diretor durante toda a sua carreira, à primeira vista conta a história de um diretor veterano egocêntrico (Skarsgård) que escala uma estrela americana (Fanning) para protagonizar seu novo – e provável último – filme, após sua filha atriz (Reinsve) rejeitar o papel. Este é o resumo mais sexy e comercial. Aos poucos, "Valor sentimental" se desdobra no efeito cascata de traumas familiares que definem suas diferentes gerações. Ao adotar diferentes pontos de vista, a obra destrincha relações e momentos definidores de cada um – e faz com que episódios particulares de seus personagens ressoem particularmente universais. O mais notável, contudo, é que o faz sem apelar para o melodrama. Graças em especial ao elenco, o filme comove ao mesmo tempo em que sustenta uma leveza surreal. Renate Reinsve e Inga Ibsdotter Lilleaas em cena de 'Valor sentimental' Kasper Tuxen/Divulgação Cavalo de Tróia Menos operático do que o indicado ao Oscar "A pior pessoa do mundo", "Valor sentimental" depende quase que integralmente do peso de suas atuações. Reinsve já tinha provado possuir um talento único para dar vida a pessoas cheias de defeitos mas profundamente magnéticas no trabalho anterior de Trier, que a lançou para o mundo. Ao invés de ficar presa, a atriz se apoia no estereótipo para superar um desafio ainda maior – e equilibrar uma balança que conta com Skarsgård do outro lado. Aos 74 anos, o sueco líder do clã Skarsgård (ele é pai dos também atores Alexander, Bill e Gustaf) tem tudo para ganhar o Oscar em sua primeira indicação – o que, por si só, já é inacreditável. Um reconhecimento tardio, mas mais que justo para alguém que apresenta excelência há décadas. No lugar de se apequenar ao lado da dupla, a norueguesa Lilleaas se aproveita. Stellan Skarsgård e Elle Fanning em cena de 'Valor sentimental' Kasper Tuxen/Divulgação Com calma e frieza, ela se esgueira pelo tamanho dos personagens e das atuações dos companheiros para se esconder em plena vista e se tornar a responsável pela maior pancada da trama – e apresentar a verdadeira história ao público. Porque se os conflitos de um grande diretor com o próprio ego e com a filha com medo de compromissos é a narrativa mais sexy, ela carrega de forma troiana a relação entre duas irmãs que precisaram contar uma com a outra a vida inteira. Em especial, com a distância do pai narcisista e com a compreensão do motivo pelo qual ele é como é. "Valor sentimental" poderia cair pra o sentimentalismo barato de outras obras que desbravam dramas familiares. Meio que de propósito, a obra abraça expectativas do gênero e as usa como plataforma para voar mais longe. O ano pode não ter sido dos melhores para o cinema americano – mas cada estreia "internacional" mostra que o resto do mundo está mais do que pronto para preencher uma provável lacuna. Cartela resenha crítica g1 Arte/g1 Inga Ibsdotter Lilleaas e Elle Fanning em cena de 'Valor sentimental' Kasper Tuxen/Divulgação