O Natal exerce, nas sociedades ocidentais contemporâneas, uma presença simbólica intensa. Não se trata apenas de uma data religiosa: tornou-se um fenômeno cultural impregnado de valores sociais, expectativas afetivas e narrativas de pertencimento. Apesar disso, no campo científico da Psicologia, não há status formal a datas ou feriados sagrados. Eles são compreendidos como constructos socioculturais, sem validade clínica intrínseca. A prática de decorar um consultório com símbolos natalinos, então, suscita uma série de questões éticas e psicológicas: até que ponto tais enfeites dialogam com as necessidades dos pacientes? Podem gerar gatilhos emocionais inadvertidos? Qual o significado de uma estética festiva em um espaço clínico supostamente neutro e científico? A Psicologia Social e a Psicologia Clínica já documentaram amplamente que datas comemorativas funcionam como marcadores simbólicos capazes de intensificar estados emocionais. Estudos clássicos sobre estresse sazonal e eventos simbólicos indicam que períodos festivos podem amplificar tanto emoções positivas quanto negativas, dependendo da história individual (LAZARUS; FOLKMAN, 1984). Pesquisas mais recentes sobre saúde mental e sazonalidade mostram que o período natalino está associado ao aumento de sentimentos de solidão, tristeza e comparação social negativa em indivíduos com histórico de luto, rupturas familiares ou isolamento social (RAPA et al., 2019). Esses achados reforçam que o Natal não é emocionalmente neutro, tampouco universalmente positivo. Sob a perspectiva da Psicologia Cognitiva, Beck (1976) já descrevia como crenças centrais e esquemas disfuncionais são ativados por estímulos ambientais simbólicos, especialmente aqueles associados a expectativas sociais idealizadas, como felicidade obrigatória, união familiar e sucesso relacional, narrativas fortemente vinculadas ao imaginário natalino. Pesquisas em Psicologia Ambiental demonstram que elementos decorativos influenciam estados emocionais e percepções interpessoais. Um estudo clássico de Nasar (1998) mostrou que ambientes visualmente carregados de símbolos afetivos tendem a provocar respostas emocionais automáticas, nem sempre conscientes. Especificamente sobre decorações festivas, Gillis e Gatersleben (2015) observaram que símbolos associados a datas comemorativas aumentam sentimentos de pertencimento e nostalgia em parte da população, mas também intensificam sentimentos de exclusão em indivíduos que não compartilham daquela narrativa cultural. Em contexto clínico, essa ambivalência se torna crítica, pois o consultório não é um espaço social comum, mas um ambiente terapêutico regulado por princípios éticos e científicos. A neutralidade do espaço terapêutico encontra respaldo tanto na ética profissional quanto na filosofia da ciência. Karl Popper (1959) alertava para os riscos da contaminação entre crença e conhecimento científico, enfatizando que a ciência deve se organizar a partir de critérios racionais e verificáveis, e não de tradições culturais ou simbólicas. Thomas Kuhn (1962), ao discutir paradigmas científicos, já apontava que valores culturais podem influenciar práticas profissionais de forma implícita. No contexto da Psicologia Clínica, isso significa que símbolos religiosos ou festivos introduzidos no setting terapêutico não são neutros: eles comunicam valores, pertencimentos e expectativas, ainda que de forma não verbal. Do ponto de vista ético, o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005) estabelece que o profissional deve evitar a imposição de valores pessoais, religiosos ou ideológicos, assegurando um ambiente que respeite a diversidade cultural e subjetiva dos atendidos. A literatura sobre trauma psicológico demonstra que estímulos sensoriais e simbólicos podem funcionar como gatilhos emocionais, reativando memórias traumáticas de forma involuntária (VAN DER KOLK, 2014). Datas simbólicas, como aniversários de perdas ou feriados familiares, são reconhecidas como fatores clássicos de reativação emocional em quadros de luto complicado, transtorno de estresse pós-traumático e depressão (BONANNO, 2004). Nesse sentido, símbolos natalinos em um consultório podem evocar lembranças de perdas familiares, rejeições, conflitos ou experiências de abandono, exigindo do paciente um esforço emocional adicional antes mesmo do início da intervenção terapêutica propriamente dita. Na Psicologia Analítica, Jung (1964) descreveu os símbolos como expressões do inconsciente coletivo, carregando múltiplos significados simultâneos. O Natal, enquanto símbolo arquetípico de renascimento e luz, pode ser vivenciado tanto como esperança quanto como confronto doloroso com aquilo que não se realizou na vida psíquica do indivíduo. Já na tradição existencial, autores como Viktor Frankl (1963) alertam para o sofrimento gerado quando o indivíduo se vê pressionado a experimentar sentidos impostos socialmente. A obrigação cultural de “estar bem” em datas festivas pode intensificar o vazio existencial e a culpa por não corresponder a tais expectativas. William James (1902), ao defender o pluralismo psicológico, reforçava que nenhuma experiência simbólica possui significado universal. Assim, presumir que o Natal seja acolhedor para todos constitui uma falácia psicológica, incompatível com a prática clínica baseada na singularidade do sujeito. À luz da ciência psicológica, o Natal deve ser compreendido como um evento simbólico culturalmente construído, capaz de evocar respostas emocionais intensas e ambivalentes. A decoração natalina em consultórios e clínicas, embora socialmente bem-intencionada, pode colidir com princípios fundamentais da Psicologia científica: neutralidade, segurança emocional e respeito à singularidade subjetiva. Não se trata de negar a cultura, mas de reconhecer que o espaço clínico não é um espaço de celebração simbólica coletiva, e sim um ambiente de escuta, contenção e elaboração psíquica. A prática ética e cientificamente responsável recomenda cautela, reflexão crítica e sensibilidade clínica frente ao uso de símbolos religiosos ou festivos, especialmente em contextos de sofrimento psicológico. Até a próxima... Referências: BECK, Aaron T. Cognitive therapy and the emotional disorders . New York: International Universities Press, 1976. BONANNO, George A. Loss, trauma, and human resilience. American Psychologist , v. 59, n. 1, p. 20-28, 2004. BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Código de Ética Profissional do Psicólogo . Brasília: CFP, 2005. FRANKL, Viktor E. Man’s search for meaning . Boston: Beacon Press, 1963. GILLIS, Kirsty; GATERSLEBEN, Birgitta. A review of psychological literature on the health and wellbeing benefits of biophilic design. Buildings , v. 5, n. 3, p. 948-963, 2015. JAMES, William. The varieties of religious experience . New York: Longmans, Green & Co., 1902. JUNG, Carl Gustav. Man and his symbols . London: Aldus Books, 1964. KUHN, Thomas S. The structure of scientific revolutions . Chicago: University of Chicago Press, 1962. LAZARUS, Richard S.; FOLKMAN, Susan. Stress, appraisal, and coping . New York: Springer, 1984. NASAR, Jack L. The evaluative image of the city . Thousand Oaks: Sage, 1998. POPPER, Karl. The logic of scientific discovery . London: Routledge, 1959. RAPA, Elizabeth et al. Seasonal effects on mental health: A systematic review. Journal of Affective Disorders , v. 257, p. 107-120, 2019. VAN DER KOLK, Bessel. The body keeps the score . New York: Viking, 2014.