O Rio do bem: Ações solidárias, de anônimos de famosos, transformam o Natal em ruas, hospitais e asilos; saiba mais

A cozinha está a todo vapor, com mais de dez voluntários em atividade. Ovos cozinham numa panela, e o molho do macarrão é preparado em outra. Para animar, uma ajudante pede música. Então, canções da MPB, como “Canta, canta, minha gente”, de Martinho da Vila, embalam o trabalho, que tem no comando o premiado chef francês Didier Labbé. A mobilização faz parte de uma das ações da Ong Corrente pelo Bem, que há 15 anos serve refeições e entrega donativos a pessoas em situação de rua no Rio. E é uma das incontáveis iniciativas solidárias que se multiplicam na cidade de janeiro a janeiro e que, nesta época, de Natal, se intensificam e ganham significado ainda mais especial. Coluna do Leo Aversa: 'Aproveite a mesa cheia, você vai descobrir mais tarde que nada é para sempre' Conheça os trabalhadores que vão cear dentro das árvores de Natal do Rio: nada de álcool, mas com iguarias garantidas Nesse Rio que se reúne em prol de quem precisa às vezes de comida, às vezes só de um sorriso, há famosos e anônimos. A Corrente pelo Bem tem padrinhos como a atriz Giovanna Antonelli e o surfista Pedro Scooby e, desde meados deste ano, ganhou o reforço do chef Didier. Já no Retiro dos Artistas, onde os mais de 50 residentes fazem uma vaquinha on-line para a compra de presentes como uma máquina de costura e uma vitrola, o almoço desta quinta, com bacalhau, chester e peru, é custeado pela atriz Fernanda Montenegro. Enquanto que em hospitais e asilos cariocas, ao longo de todo o mês de dezembro, são cidadãos comuns, como um guarda municipal e um coordenador de logística, que encarnam o Papai Noel para visitar crianças e idosos. Voluntários da ONG Corrente pelo Bem preparam os pães que serão doados a pessoas em vulnerabilidade social Alexandre Cassiano/Agência O Globo — Estamos em 2025 e, infelizmente, ainda há pessoas desesperadas por comida. Entregar uma refeição para elas e ver a felicidade no olhar não tem preço — afirma Didier. — Assim como no restaurante, a melhor coisa é quando a pessoa quer repetir. Você sabe que conquistou pelo paladar. Sob sua batuta na cozinha, além do macarrão com ovo, este ano já foram distribuídos em locais como a Central do Brasil pratos como o cassulê (feijoada francesa) e o minestrone (sopa italiana). Na noite do último dia 15, a Ong promoveu o “Churrasco pelo Bem”, numa celebração de Natal nos Arcos da Lapa, com ceia para 600 crianças e adultos. Tudo é feito com doações, essenciais não só para matar a fome. O chef Didier durante uma ação da Ong Corrente do Bem Alexandre Cassiano/Agência O Globo — Na rua, muitos querem desabafar e precisam de uma palavra de carinho. Nosso trabalho vai além de entregar a comida e ir embora. Paramos, ouvimos histórias, entendemos suas necessidades — diz Rodrigo Freire, idealizador e presidente da Ong. É uma troca que há 26 anos motiva o servidor público Aristóteles de Queiroz, de 62 anos. Vestido de Papai Noel, o voluntário leva presentes e abraços a hospitais municipais e asilos. Quando começou, não usava o traje vermelho e branco. Depois, achou que a fantasia tornaria o momento mais lúdico e incorporou de vez o Bom Velhinho. O Papai Noel Aristóteles leva presentes e alegria às criancas internadas no Hospital Souza Aguiar Guito Moreto/Agência O Globo — A visita do Papai Noel faz muito bem ao humor dos pacientes. Isso é fantástico. As crianças ficam alucinadas, interagem e brincam. E muitas mães que estão tristes usam esse momento para desabafar — descreve Aristóteles, que é coordenador de infraestrutura e logística da Subsecretaria municipal de Gestão. — Passei a enxergar valor nas coisas simples da vida — arremata. Neste dezembro, ele já passou por hospitais como o do Andaraí e o Miguel Couto. Na visita da última sexta-feira ao Souza Aguiar, no Centro, ele foi tratado como uma celebridade. Ao chegar ao setor pediátrico, sua presença transformou ânimos de crianças como Derick Dias Alves, de 5 anos, e Ana Alice Rodrigues, de 12, ambos internados. Natal do maçarico: Rio segue em Calor 2; previsão é de máxima de 40 graus na cidade nesta quinta-feira — Muito bonito o presente. Estou me sentindo feliz — dizia o pequeno Derick, que se recupera de um traumatismo craniano após cair de uma laje. Diretora-geral da unidade, a enfermeira Paula Travassos comemora: — O hospital não pode ser um lugar só de tristeza e de doença. Ele também é um local de recuperação e de promoção da saúde e da alegria. E o Papai Noel traz, tanto para os pacientes quanto para a equipe, a esperança de que o amanhã vai ser melhor. A felicidade promove bem-estar físico e emocional e colabora para a recuperação do paciente. A visita do Bom Velhinho leva conforto e alegria às pessoas internadas durante o Natal no Hospital do Andaraí Edu Kapps/Divulgação/SMS O Guarda Municipal Marlon César Corrêa de Lima conhece bem esse efeito. Em 2000, ele se colocou à disposição para substituir um Bom Velhinho faltante num evento escolar em Paquetá. Desde então, elege uma instituição, entre escolas, creches e hospitais, para ações natalinas em dezembro. A escolhida deste ano foi a Escola Municipal Rotary Club, unidade para pessoas com deficiência na Ilha do Governador, onde distribuiu presentes no dia 11.  Papai Noel Marlon César na Escola Municipal Rotary Club, na Ilha do Governador Divulgação — Foi uma aventura que incendiou meu coração de amor, e a chama nunca mais se apagou. Não levamos a cura, mas alegria e esperança. E eu recebo muito mais do que posso doar. É um carinho incalculável das crianças agraciadas, um sorriso puro. Eu até me emociono ao falar — relata César, com a voz embargada. — Sinto um frio na barriga todo ano, porque nunca sei o que me espera. Cada criança reage de uma forma diferente. Então, fico nervoso e ansioso. Para mim, cada evento é como se fosse uma final de campeonato.