Acordar e, antes mesmo de colocar os pés no chão, já pegar o celular para conferir notificações virou um hábito automático para milhões de pessoas. Mensagens, curtidas e redes sociais ocupam os primeiros minutos do dia, muitas vezes ainda na cama, sem qualquer reflexão sobre esse comportamento. O que parece apenas parte da rotina moderna pode, na prática, interferir no funcionamento do cérebro logo ao despertar. Segundo especialistas, iniciar o dia imerso no ambiente digital altera o ritmo natural do organismo e influencia diretamente o humor, o foco e a forma como lidamos com estímulos ao longo das horas seguintes. Stalkeia o crush sem seguir? Veja o que isso diz sobre você Embora as redes sociais façam parte da rotina moderna, médicos e psicólogos alertam que começar o dia imerso no ambiente digital pode interferir no processo natural de despertar do cérebro. Para entender melhor sobre os efeitos do hábito, o TechTudo conversou com Eduardo Jorge Custódio, do Grupo de Trabalho de Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), e com a Bárbara Rienda Sanches, psicóloga clínica há 13 anos e pós-graduanda em neurociência do comportamento humano. O hábito de começar o dia no celular interfere no despertar natural do cérebro e pode colocar o organismo em estado de alerta logo nas primeiras horas da manhã. Reprodução/Freepik Por que as redes sociais viciam? Do ponto de vista científico, o potencial viciante das redes sociais está ligado ao funcionamento do sistema de recompensa do cérebro, especialmente à liberação de dopamina, neurotransmissor associado à motivação, prazer e aprendizado. Estudos em neurociência mostram que o cérebro aprende por reforço: quando uma ação gera recompensa, ele tende a repetir aquele comportamento. No caso das redes sociais, curtidas, comentários e mensagens funcionam como recompensas rápidas, frequentes e imprevisíveis, um padrão conhecido como reforço intermitente, o mesmo utilizado em jogos de azar. Esse tipo de estímulo é especialmente poderoso porque o cérebro não se vicia exatamente na dopamina em si, mas na antecipação da recompensa. Cada vez que o usuário desbloqueia o celular, existe a expectativa de encontrar algo novo ou positivo, o que mantém o circuito de recompensa constantemente ativado. Segundo o médico Eduardo Jorge Custódio, “qualquer coisa que nos dê prazer ativa o circuito de dopamina, e isso faz com que haja uma necessidade cada vez maior dessa ativação”. A psicóloga Bárbara Rienda Sanches explica que esse mecanismo se intensifica no contexto atual, marcado por excesso de estímulos. “Estamos vivendo em um século em que as pessoas estão viciadas em dopamina”, afirma. Para ela, o sono é o único momento em que o cérebro consegue desacelerar do volume de informações do dia. Ao acordar, especialmente em pessoas habituadas a altos níveis de estímulo, surge uma sensação semelhante à abstinência. Nesse cenário, o celular se torna a fonte mais rápida e acessível de recompensa. A dopamina liberada ao checar notificações gera alívio imediato e sensação de bem-estar, além de validação social. Com o tempo, esse comportamento deixa de ser uma escolha consciente e passa a funcionar como um ritual automático, reforçado diariamente pelo próprio funcionamento do cérebro. Como isso afeta o cérebro logo no começo do dia O cérebro humano não desperta de forma instantânea. Ele precisa de um tempo para sair do estado de repouso e se adaptar à realidade. Bárbara explica que esse processo é gradual e que muitas pessoas já vivenciaram isso sem perceber. “É comum acordar achando que um sonho era real e só depois entender que foi apenas um sonho”, exemplifica. Esse intervalo faz parte do despertar natural do cérebro. Quando a primeira ação do dia é checar notificações, esse processo é interrompido. Segundo a psicóloga, ao pegar o celular, o cérebro entra imediatamente em estado de alerta. “Não sabemos o tipo de notificação que vamos encontrar, e isso pode gerar medo, estresse ou ansiedade”, explica. Esse estado ativa hormônios como adrenalina e cortisol, ligados à resposta ao estresse, ainda nas primeiras horas da manhã. Já do ponto de vista neurológico, Custódio destaca que a liberação precoce de dopamina não causa um dano imediato, mas condiciona o comportamento. “Desde o início do dia, a pessoa passa a buscar esse estímulo como forma de recompensa”, afirma. Isso pode afetar o foco, a atenção e o humor, tornando mais difícil lidar com tarefas que exigem esforço cognitivo sem uma recompensa imediata. Impactos na saúde mental e física O hábito de começar o dia nas redes sociais está diretamente associado a sintomas como ansiedade, sensação de urgência constante e fadiga mental. A sobrecarga de informações logo ao acordar pode gerar a impressão de que o dia já começa atrasado ou cheio de demandas, mesmo antes de qualquer atividade real ter sido iniciada. Bárbara alerta que muitas pessoas passam mais tempo nas redes do que percebem, especialmente pela manhã. “Isso pode gerar frustração por não conseguir cumprir a rotina planejada, causando procrastinação”, explica. Com o tempo, esse ciclo pode levar a sentimentos de impotência, apatia e dificuldade de concentração nos próprios objetivos, abrindo espaço para quadros de ansiedade e depressão. Além dos impactos emocionais, há reflexos físicos importantes, especialmente relacionados ao sono. O uso excessivo do celular antes de dormir, aliado ao hábito de acordar e já acessar redes sociais, compromete a qualidade do descanso. “O cérebro continua processando informações durante o sono, e quando ele é exposto a muitos estímulos antes de dormir, o descanso deixa de ser reparador”, afirma a psicóloga. O que fazer em vez de pegar o celular imediatamente ao acordar? Mudar esse comportamento não exige transformações radicais, mas sim ajustes conscientes na rotina diária. Uma das orientações mais simples, segundo o médico Eduardo Jorge Custódio, é deixar o celular longe da cama, criando uma barreira física entre a pessoa e o aparelho. “Se o celular estiver ao alcance das mãos, a tendência é que ele seja a primeira coisa que a pessoa vai pegar ao acordar”, explica. Essa distância ajuda a quebrar o automatismo e reduz a chance de o contato com o digital acontecer ainda no estado de semi-despertar do cérebro. A psicóloga Bárbara Rienda Sanches reforça que o despertar deve acontecer de forma gradual. Segundo ela, o ideal é abrir os olhos com calma, permanecer deitado por alguns minutos, alongar-se e respirar fundo antes de levantar. Essas ações simples permitem que o cérebro saia do estado de repouso sem estímulos bruscos, reduzindo o estado de alerta precoce e favorecendo um início de dia mais equilibrado. Após esse primeiro momento, a recomendação é levantar, abrir a janela, se trocar, escovar os dentes, lavar o rosto e se arrumar com tranquilidade. Atividades como alongamentos leves, alguns minutos de respiração consciente, leitura ou até observar o ambiente ao redor ajudam o cérebro a despertar de forma mais natural. A atividade física, mesmo que breve, também é uma estratégia eficaz para estimular a dopamina de maneira saudável, sem a sobrecarga típica das redes sociais. Essas práticas ajudam o cérebro a iniciar o dia de forma mais gradual, sem excesso de informações e estímulos externos. O objetivo não é eliminar o uso do celular, mas postergar esse contato para depois que o corpo e a mente estejam mais preparados, como no momento do café da manhã, tornando o uso da tecnologia mais consciente. Como criar uma rotina digital mais saudável pela manhã Criar limites conscientes com o uso do celular é fundamental para reduzir os impactos das redes sociais no dia a dia. Definir horários específicos para acessar aplicativos, utilizar modos de foco ou silenciar notificações nas primeiras horas da manhã são estratégias práticas e eficazes para retomar o controle do hábito e diminuir a sensação de urgência constante logo ao acordar. Bárbara chama atenção para um ponto comum na rotina atual: o uso do celular como despertador, o que mantém o aparelho sempre por perto. Segundo ela, quando possível, uma boa estratégia é manter o celular mais distante da cama ou substituí-lo por outros dispositivos, como relógios digitais ou assistentes virtuais. Essa mudança simples ajuda a reduzir o impulso automático de pegar o celular assim que os olhos se abrem. Outra recomendação é adotar uma rotina com disciplina e repetição, quase como um ritual. “Acordar, levantar, abrir a janela e só conferir o celular no café da manhã, como um mantra, até que isso vire hábito”, orienta a psicóloga. Ela ressalta que o início pode ser difícil, especialmente para quem já está condicionado ao comportamento impulsivo, mas reforça que, com determinação, é possível reconstruir uma relação mais saudável com o celular. Por fim, Bárbara destaca a importância do exemplo, principalmente dentro do ambiente familiar. “Não adianta orientar alguém a não pegar o celular ao acordar se a primeira coisa que fazemos é olhar a tela”, afirma. Começar o dia no mundo real, com atenção ao corpo, às emoções e ao ambiente, contribui para um ritmo mais saudável, melhora o foco e ajuda a estabelecer uma relação mais consciente com a tecnologia ao longo do dia. Com informações de BBC e Medicina da Consciência Mais do TechTudo Confira tudo que rolou no VOICES 2025!