Prédios da História recente fechados e obras paradas se deterioram em áreas valorizadas do Rio; entenda

No coração da Lapa, a passos de bares e restaurantes famosos da boemia carioca, o projeto de um hotel feito com contêineres, dos usados no transporte marítimo, está parado há cerca de oito anos. O que devia ser uma construção ousada e moderna enferruja sem nunca ter sido concluída. O abandono também carcome estruturas de uma edificação gigante na Usina, na Tijuca, onde, há duas décadas, saques e balas perdidas de confrontos em favelas próximas levaram um supermercado a fechar — condição que permanece até hoje. São algumas das verdadeiras ruínas contemporâneas do Rio, onde investimentos frustrados, falências repentinas e até a violência paralisam obras ou desativam negócios em prédios recém-reformados ou erguidos na História recente da cidade. Muita escada e pouca calçada: maior favela do Brasil, Rocinha tenta driblar a deficiência no ir e vir Dom Pedro II: da educação ao transporte, confira as marcas do Imperador no Rio, 200 anos após seu nascimento Na ociosidade, parte desses espaços foi alvo de invasões. No da Usina, na Rua Conde de Bonfim, onde funcionava um Carrefour, em janeiro deste ano a prefeitura precisou realizar uma operação para retirar mais de cem pessoas que ocupavam o local, usado também para descarte de resíduos. Construído em 1997, o imóvel tem pichações, paredes quebradas e áreas tomadas pela mata. A iniciativa privada, o estado e o município já anunciaram planos que nunca vingaram no lugar. Para os vizinhos, a esperança agora é a instalação de um Minha Casa, Minha Vida, inicialmente com dez blocos de cinco andares e cerca de 500 apartamentos de dois quartos. O antigo Carrefour da Usina (acima): local já foi invadido e usado para descarte de resíduos Custódio Coimbra / Agência O Globo Um instrumento de intenção de compra e venda do terreno, com três mil metros quadrados, foi assinado pela construtora Direcional Engenharia, que já apresentou um pedido de licença de construção à prefeitura, afirma o vereador Pedro Duarte (sem partido). Sem citar cifras, o superintendente de incorporação da empresa, Ivan Bettencourt, confirma a negociação e espera aprovar o empreendimento em 2026, para entregá-lo em 2029. — Vamos caprichar na área de lazer. Terá estilo Barra da Tijuca, com lazer completo, incluso piscina. Estudos estão em andamento. Na Tijuca, os condomínios têm área de lazer pequena, por falta de espaço — diz o executivo. R$ 87 milhões gastos Promessas também pairam sobre outro elefante branco do Rio, a futura sede do Banco Central, na Zona Portuária. Anunciada há 15 anos, a obra foi uma das primeiras do processo de revitalização do Porto Maravilha. Parou, andou, parou de novo e consumiu, até agora, R$ 87,5 milhões. Tornou-se um esqueleto que destoa num cenário que, nesse tempo, ganhou a roda-gigante Yup Star, o AquaRio e outros equipamentos. Elefante branco: a nova sede do Banco Central no Rio foi uma das primeiras obras iniciadas no Porto Maravilha, mas nunca foi concluída por falta de verbas, segundo os responsáveis Custódio Coimbra / Agência O Globo A ideia era que 350 funcionários trabalhassem no edifício, que teria espaço cultural e áreas para bancos, restaurantes, salas de aula e auditório com 400 lugares. O BC, no entanto, alega indisponibilidade orçamentária para seguir o planejamento: o contrato com a construtora foi suspenso em dezembro de 2019. O banco afirma, contudo, que desde 2022 realiza entendimentos com a Marinha para que os militares arquem com o custo do término do prédio. No acordo, 72% da edificação ficaria com a Marinha. O restante seria ocupado pelo Departamento do Meio Circulante do banco, que não informou quanto seria necessário para concluir as intervenções. No momento, a doação do imóvel é analisada pela Secretaria do Patrimônio da União. “A Marinha do Brasil busca concentrar suas organizações militares, voltadas ao atendimento do público externo e, atualmente espalhadas no centro do Rio de Janeiro, em um único local, visando redução de custos e otimização gerencial de pessoal. O Banco Central do Brasil, por sua vez, mantém a necessidade de dispor de casa-forte moderna e segura para as atividades de meio circulante naquela cidade”, diz o BC em nota. Sem perspectiva No hotel de contêineres da Lapa, na Rua do Lavradio, a indefinição parece ainda maior. Um dos três arquitetos do Estúdio Guanabara que projetaram o estabelecimento, André Daemon afirma que faz tempo que não tem contato com os empreendedores de um grupo estrangeiro que contrataram o trabalho, iniciado em 2013 e interrompido em 2017: — Há uns dois anos, apareceram com interesse em retomar o projeto. Estavam em busca de um sócio. Mas, pelo visto, não foi adiante. Hotel de contêineres da Lapa teve construção interrompida em 2017, sem data para retorno dos investimentos Custódio Coimbra / Agência O Globo Perto dali, também na Lapa, um clássico do Rio nos anos 1980 e 1990 é mais um “adormecido”. A boate Asa Branca, na Rua Mem de Sá, foi inaugurada em 1983, com um jantar para os reis da Espanha, Juan Carlos e Sofia, e apresentação de Luiz Gonzaga. Era uma gafieira de luxo com orquestra própria, 200 mesas e camarotes. Nos anos 2010, porém, o casarão se despediu da noite carioca. E, por enquanto, a família Recarey, dona do imóvel, não sabe o que vai fazer com o espaço. — A violência continua muito grande no local — justifica Chico Recarey Filho. O Asa Branca brilhou na noite carioca por anos até fechar na década de 2010: donos dizem que violência prejudica retomada Custódio Coimbra / Agência O Globo Em endereços concorridos da Zona Sul, ao menos há ideias de retomada. No antigo Hotel Ipanema Plaza, inativo desde 2017, na Rua Farme de Amoedo, deve ser instalado um hotel de uma empresa global de viagens de luxo LGBTQIA+. E no Mirante do Pasmado, em Botafogo, a ex-vereadora Teresa Bergher garante que o museu do Memorial às Vítimas do Holocausto está fechado desde dezembro de 2024, apenas para obras e que a reabertura está marcada para o próximo Dia da Mulher, 8 de março. O espaço tinha sido entregue ao público em janeiro de 2023, para retratar, com experiências imersivas, a rotina de judeus antes, durante e depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Mas, há meses, não se pode nem subir a escadaria para chegar ao obelisco de 20 metros de altura construído ali pouco antes, em 2020. — De fato, um ano de obras de adequação é muita coisa. Nada justifica. Mas não sou responsável por essas obras. O que quero é ver o museu funcionando e que seja plural — diz Teresa, presidente de honra da Associação Cultural Memorial do Holocausto, ao negar que haja falta de verbas privadas para os serviços necessários para a reabertura.