Do trauma infantil ao Maracanã lotado: histórias de Papai Noel

Quando a campainha tocava na casa dos meus avós, em Petrópolis, todas as crianças corriam para atender. Carregando um enorme saco vermelho, o Papai Noel tinha chegado. Gustavo e Raphael, os primos mais velhos, ajudavam como podiam. Logo, começava o instante mais esperado: o Papai Noel puxava o primeiro presente e falava o nome. A sala do apartamento era virada ao avesso. Gritos de animação se misturavam ao inevitável desolo quando a surpresa era roupa. Por meu saudoso pai ter registrado tudo, hoje consigo perceber detalhes que evidentemente passavam desapercebidos pela moçadinha: nosso Papai Noel gostava de uma cervejinha na cozinha e minha também saudosa tia Solange era a responsável por pagar a visita. Petrópolis: a sensação é de assistir ao mesmo filme a cada nova chuva Vassouras: Nas histórias do novo museu, um passado que não cabe na vitrine Com 10 anos, descobri que Papai Noel não existia. Um trauma familiar comentado até hoje. Após o ator que incorporava o Noel desaparecer, meu tio ficou encarregado de dar três batidas na porta, balançar o sininho e se pirulitar da cena. No Natal de 1995, ele não foi tão ágil como de costume e o peguei com a boca na botija. Assustado, fui contar pra minha prima Mariana, dois anos mais nova. “Papai Noel não existe. É o tio, é o tio”, repeti duzentas vezes. Ela não segurou o choro. Os pais até tentaram remediar, mas estava feito o estrago. Uma coisa foi fato: os presentes, pelo menos para mim, deram uma melhorada. Papai e mamãe não podiam mais colocar a culpa no bom velhinho pelas insossas cuecas, que engrossavam o caldo, mas não traziam felicidade. O papo era mais direto e sobrava escolher o que preferia ganhar do tal Papai Noel. Que saudade. Por falar em Papai Noel... A Chegada de Papai Noel passou a integrar o calendário afetivo do Rio de Janeiro a partir de 1956. Criada pelo jornal O GLOBO, a iniciativa nasceu como uma Parada de Natal, levando carros alegóricos e personagens às ruas da cidade. Com o passar dos anos, a celebração foi se reinventando e ocupou diferentes espaços, entre eles, o Aterro do Flamengo e o Maracanã. Logo na primeira edição, o evento chamou atenção ao reunir um presépio vivo, fogos de artifício e um desfile de carros particulares. A recepção calorosa do público foi registrada pelo próprio jornal, que destacou a passagem de Papai Noel pela Zona Sul e a mobilização popular que se estendeu também aos bairros suburbanos. Mistura do balé europeu tradicional e repertórios das ruas cariocas: um passeio pela história dos teatros no Rio O crescimento do evento ficou evidente em 1965, quando Papai Noel chegou de helicóptero ao recém-inaugurado Parque do Flamengo. A recepção contou com balões coloridos e coincidiu com a inauguração do sistema de iluminação do Aterro, culminando em um cortejo até o Largo da Carioca, onde foi instalada uma placa em homenagem ao “bom velhinho”. Em 1968, nem a chuva desanimou o público que lotou o Maracanã para acompanhar atrações circenses, partidas de futebol e apresentações de figuras populares como o palhaço Carequinha e o lutador Ted Boy Marino. À época, o evento incorporou o sucesso do telecatch, modalidade de luta livre encenada que marcou a cultura popular dos anos 1960 e 1970. “O Papai Noel enfrentou Ted Boy no telecatch e venceu”, lembra o historiador Luiz Antônio Simas. Praça Onze: local que o Rio destruiu foi de Tia Ciata, do samba e da religiosidade O auge de público ocorreu em 1978, quando cerca de 250 mil pessoas ocuparam o Maracanã para assistir a um espetáculo que reuniu bailarinas, personagens do Sítio do Picapau Amarelo, as Frenéticas e os Trapalhões. Já em 1987, a festa manteve Papai Noel como símbolo, mas teve como grande destaque Xuxa, acompanhada de nomes como Jairzinho, Simony e o grupo Trem da Alegria — episódio que também ficou conhecido por um momento inusitado envolvendo o humorista Sérgio Mallandro, surpreendido ao flagrar o Papai Noel fumando nos bastidores e sendo advertido pela diretora Marlene Mattos. E o pisca-pisca? Sempre que posso estou caminhando pela Saara. Devo admitir: as opções de pisca-pisca não param de aumentar. Têm de tudo que é jeito e tamanho. Quem vê hoje, pensa que desde o começo era um sucesso. Não, não foi. Segundo diversas vertentes históricas, as primeiras luzes decorativas surgiram em 1882, em Nova York, quando lâmpadas elétricas começaram a ser usadas para ornamentação. As cores escolhidas, azul, vermelho e branco, remetiam à bandeira dos Estados Unidos. Patrimônios do Brasil: A História do Rio mora nos balcões de bares e botequins Apesar da inovação tecnológica, a ideia não agradou ao público naquele momento e não se popularizou. O custo elevado e a novidade da eletricidade afastaram a adesão em massa. Durante décadas, o uso permaneceu restrito e experimental. Apenas ao longo do século XX, com a popularização da energia elétrica e a redução de custos, as luzes decorativas conquistaram as ruas,residências e a Alfândega. As histórias escondidas do Catumbi: bairro era sinônimo de elegância e prestígio no século XIX Por fim O Natal foi ontem, mas não ia perder a oportunidade de dividir essas deliciosas histórias. E olha que nem falei de arroz com passas, a origem do panetone e até quem inventou a rabanada.