O custo psíquico de ser mulher e a censura permanente da sociedade sobre o feminino

A experiência feminina não se constrói apenas a partir de expectativas abstratas ou ideais simbólicas. Ela é moldada por censuras externas concretas, repetidas e socialmente legitimadas. Interrupções, correções de tom, advertências sobre comportamento, julgamentos morais disfarçados de cuidado ou conselho fazem parte do cotidiano de muitas mulheres desde cedo. Antes mesmo de aprenderem a se conter sozinhas, elas são contidas. O freio vem de fora, reiteradamente, até que passe a operar por dentro. Na psicanálise freudiana, o supereu não surge como instância autônoma ou espontânea. Ele se constitui a partir da introjeção das figuras de autoridade e das interdições que atravessam a história do sujeito. A censura externa é condição fundamental para a formação da censura interna. Aquilo que foi proibido, punido ou corrigido no laço social transforma-se, com o tempo, em comando psíquico. O supereu passa então a vigiar, cobrar e exigir mesmo na ausência de qualquer autoridade externa. Ele não apenas proíbe, mas impõe ideais e produz culpa quando esses ideais não são alcançados. No caso das mulheres, essa instância superegóica costuma se organizar em torno de ideais de contenção. Não incomodar, não exagerar, não exigir demais. Certos qualificadores aparecem como operadores simbólicos dessa lógica: emotiva demais, exigente demais, intensa demais. Eles não descrevem qualidades objetivas, mas marcam o ponto em que a expressão feminina ultrapassa o limite do tolerável. O excesso não é avaliado pelo impacto real do gesto, mas pelo desconforto que provoca no outro. A censura, repetida ao longo do tempo, ensina a mulher a se antecipar, a se corrigir antes mesmo de ser corrigida. Esse mecanismo atravessa diferentes esferas da vida. No trabalho, a emoção precisa ser controlada e a assertividade suavizada. Nos vínculos amorosos, a exigência é lida como ameaça e a intensidade como inadequação. Na vida pública, a presença feminina pede constante administração. O resultado é a construção de uma subjetividade em permanente estado de vigilância. Conter-se passa a exigir trabalho psíquico contínuo. Revisar falas, modular afetos, antecipar reações alheias tornam-se operações quase automáticas. O custo psíquico desse funcionamento é elevado. A autocensura produz cansaço, culpa difusa e uma sensação persistente de inadequação, mesmo quando nada objetivamente errado aconteceu. O supereu nunca se satisfaz, porque foi constituído a partir de uma lógica de exigência constante. Sempre há algo a moderar, algo a corrigir, algo a silenciar. A contenção, vendida como maturidade ou equilíbrio, frequentemente opera como forma de esgotamento subjetivo. É nesse contexto que a obra e a presença cultural de Lena Dunham ganham relevância. Escritora, roteirista e diretora norte-americana, ela se tornou conhecida ao criar Girls, série que expôs a vida emocional de mulheres jovens sem idealização. As personagens falhavam, desejavam mal, falavam demais, erravam publicamente e recusavam o esforço de se tornarem aceitáveis. O desconforto que a série provocou dizia menos sobre suas histórias individuais e mais sobre a força das normas que regulam a expressão feminina. O incômodo surgia justamente porque aquelas mulheres não se editavam para caber. Quando uma mulher sustenta sua intensidade sem pedir desculpas, a reação costuma ser rápida. O julgamento aparece, a correção se impõe, a censura se atualiza. Do ponto de vista psicanalítico, esse movimento revela menos sobre o suposto excesso e mais sobre o medo do que escapa ao controle. A intensidade feminina não domesticada expõe a fragilidade dos ideais que sustentam a ordem simbólica. Por isso ela incomoda. A psicanálise lembra que aquilo que é excessivamente censurado não desaparece. Retorna sob outras formas. O que não encontra lugar simbólico reaparece como angústia, exaustão ou sintoma. O problema não é sentir, exigir ou desejar demais, mas ter aprendido que isso deve ser punido. O sofrimento não nasce apenas do conflito interno, mas da incorporação de uma censura que se tornou permanente. Talvez a pergunta mais incômoda que esse debate coloca seja simples: quem se beneficia quando a censura externa se transforma em autocensura contínua. Interrogar essa lógica não é recusar os limites, mas questionar por que certos limites recaem sempre sobre os mesmos corpos e afetos. Tornar essa voz superegóica audível, nomeá-la e situá-la é, para a psicanálise, uma possibilidade de deslocamento. Não para eliminar a tensão, mas para que ela deixe de operar como punição silenciosa.