OEA cita decisões do STF e alerta para riscos à liberdade de expressão no Brasil

A Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgou um relatório no qual faz alertas sobre a liberdade de expressão no Brasil. O documento cita decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e normas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse dossiê foi elaborado pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). As conclusões ocorreram depois de visita oficial ao Brasil do relator Pedro Vaca, realizada a convite do governo Lula em 2024. + Veja mais notas exclusivas e de bastidor na coluna No Ponto OEA diz que ordens de remoção de conteúdo no Brasil podem gerar "efeito inibidor" Um dos pontos do relatório diz respeito às ordens judiciais que determinam a retirada de conteúdos da internet. "O uso do Direito penal para punir expressões de interesse público é geralmente incompatível com a Convenção Americana, constituindo uma sanção desproporcional", observou o documento. "As pessoas que ocupam cargos públicos devem tolerar um grau mais alto de crítica devido à sua posição, e as sanções penais desestimulam o debate público e geram autocensura (...) Os Estados devem promover mudanças legislativas para impedir o próprio início de processos que visem aplicar o Direito penal às críticas às autoridades públicas, uma vez que a possibilidade de estar sujeito a tais processos tem um efeito inibidor sobre o debate público." TSE O documento analisa, em especial, a Resolução nº 23.714/2022 do TSE, que estabelece regras para a remoção de conteúdos considerados “sabidamente inverídicos” ou “gravemente descontextualizados”. Segundo o texto, a norma autoriza que o TSE determine a retirada de publicações em prazo de até duas horas, sob pena de aplicação de multas por hora de descumprimento. A resolução também prevê a possibilidade de remoção de conteúdos “idênticos” aos já considerados ilícitos e, em caso de descumprimento reiterado, admite a suspensão temporária de plataformas digitais no território nacional. A relatoria alerta que a exigência de tornar conteúdos “imediatamente indisponíveis, sob pena de responsabilização” pode ser interpretada como a imposição de um dever geral de monitoramento às plataformas, prática considerada incompatível com padrões internacionais de liberdade de expressão. Para a OEA, prazos reduzidos e sanções severas ampliam o risco de restrições desproporcionais à circulação de informações de interesse público, especialmente em períodos eleitorais. Uso de medidas cautelares pelo STF A relatoria ainda manifestou preocupação com o uso recorrente de medidas cautelares para restringir a liberdade de expressão no Brasil. De acordo com o relatório, essas medidas são “frequentemente impostas de forma provisória ou interlocutória, sendo prorrogadas sem um prazo claro para seu término”. Para a OEA, essa dinâmica pode levar à restrição de direitos fundamentais “sem que se comprove a prática de um delito”, o que contraria padrões internacionais de direitos humanos. Falta de critérios claros amplia risco de arbitrariedade Outro ponto criticado no relatório é a ausência de definições jurídicas precisas sobre o que caracteriza discurso de ódio ou desinformação. Para a OEA, a “imprecisão nas definições jurídicas de discursos não protegidos cria o risco de limitações injustificadas ao debate público sobre questões de interesse público”. O documento também alerta que exigir que plataformas tornem conteúdos “imediatamente indisponíveis, sob pena de responsabilização” pode ser interpretado como a imposição de um dever geral de monitoramento, considerado incompatível com padrões internacionais. Decisões com alcance global levantam questionamentos A OEA menciona ainda precedentes judiciais brasileiros que determinaram a remoção global de conteúdos. Segundo o relatório, o entendimento de que a retirada apenas no território nacional seria “insuficiente” levanta questionamentos sobre proporcionalidade e sobre a extensão da jurisdição brasileira para além de suas fronteiras. Caso Crusoé é citado como exemplo de censura judicial O relatório menciona o episódio envolvendo a Crusoé, que teve uma reportagem retirada do ar por decisão do STF em 2019. À época, a revista divulgou informação sobre o ministro Dias Toffoli baseada em documentos da Operação Lava Jato. O juiz do STF seria o "amigo do amigo do meu pai". A relatoria registra críticas ao uso de decisões judiciais para impedir a circulação de reportagens, afirmando que “medidas judiciais cautelares seriam utilizadas como forma de proibir a divulgação de notícias mesmo antes de sua publicação”, além de “restringir a circulação de notícias públicas”. A OEA disse que esse tipo de atuação judicial pode configurar censura e tende a produzir um “efeito inibidor sobre a atividade jornalística”. Impacto direto sobre a imprensa Ao citar a Crusoé, a relatoria afirma que decisões desse tipo não afetam apenas um veículo específico, mas geram consequências mais amplas para o jornalismo. O relatório observa que sanções elevadas e ordens de remoção baseadas em critérios genéricos podem tornar “supostamente impossível a manutenção da atividade jornalística” quando aplicadas de forma reiterada. Conclusão da OEA Ao final, a OEA afirma que o combate ao discurso de ódio e à desinformação deve observar critérios de proporcionalidade, legalidade e clareza. Para a relatoria, “diante de opiniões desiguais, não há melhor resposta do que a justiça dos argumentos”, o que exige mais — e não menos — debate público. Segundo o relatório, medidas excessivamente repressivas ou imprecisas podem produzir o efeito contrário ao pretendido, enfraquecendo o debate democrático e restringindo indevidamente a liberdade de expressão no Brasil. Apesar das observações críticas, a OEA afirmou que a delegação de Vaca “constatou que o Brasil possui instituições democráticas fortes e eficazes, o que se evidencia por declarações e políticas relevantes do Estado destinadas à conformidade com os padrões nacionais e internacionais de direitos humanos”. “O Estado realiza eleições livres e justas, e é caracterizado pela separação de poderes e pelo Estado de Direito, com arranjos constitucionais que garantem a proteção dos direitos humanos”, disse o documento. Leia também: "Lama na toga" , reportagem publicada na Edição 302 da Revista Oeste O post OEA cita decisões do STF e alerta para riscos à liberdade de expressão no Brasil apareceu primeiro em Revista Oeste .