Grandes cardumes surgem no Rio, no verão, por efeito da ressurgência e da alta de nutrientes; entenda

Mar, misterioso mar. Seis dias após o verão chegar, um imenso cardume passou a morar nas águas da capital e, por nadar na beira, a quase brincar na areia. Manchas de mais de um quilômetro se movimentaram por Arpoador, Ipanema, Leme e Copacabana num balé fascinante. Peixes contornaram banhistas, que se deliciaram por presenciar o fenômeno. — Anteontem, tive oportunidade de ver os peixinhos. Eu cheguei a falar para a minha prima: “Nossa, estão bem pertinho”. Eu estava de pé, no raso. Estava clara a água, dava para ver muito bem. Isso foi no Arpoador — diz Maria Sorgilene, paulista moradora de Curitiba que, ontem, estava na Pedra do Leme turistando com a prima Tratam-se, de acordo com Marcelo Vianna, professor titular no Departamento de Biologia Marinha da UFRJ, de manjubas ou sardinhas. As espécies, por serem pequenas e estarem a uma profundidade rasa, à distância das lentes das câmeras que miram o mar, formam grandes sombras. — O que se vê é, na verdade, o reflexo do último período reprodutivo das sardinhas. Nessa época do ano, é um fenômeno comum que, por conta da água mais clara, se torna visível. Ele acontece porque a água do Rio fica mais fria durante o verão. É uma característica nossa. E essa água fria que entra durante esse período de verão, início de primavera, é rica em nutrientes. A água quente é mais leve do que a água fria, que é densa e fica no fundo. Então, quando essa água fria sobe, traz todo aquele nutriente que estava no fundo e enriquece a coluna d'água: fica com mais fitoplâncton, que são aquelas microalgas. Esses nutrientes atraem os cardumes de pequenos comedores de plâncton, como as sardinhas e as manjubas — diz o biólogo. Banhistas nadam perto de cardume na praia do Leme Custódio Coimbra/Agência O Globo Vianna acrescenta que, anualmente, quando a água de praias como Arpoador, Ipanema, Leme e Coapcabana adquire temperaturas mais baixas, é possível que já sejam efeito da ressurgência que favorece o aparecimento das espécies. Do alto, foram vistos grupos de peixes cujas sombras atingiram mais de um quilômetro. O tamanho chama atenção do professor: — Todo ano, a gente tem um enriquecimento das águas costeiras do Rio de Janeiro e tem aproximação de cardumes de pequenos peixes. A diferença é que, de fato, este ano, esse cardume está muito grande e muito próximo da costa. Água fria no verão passado O fenômeno da ressurgência já foi explicado pelo GLOBO quando a água gelada tomou conta do litoral carioca, no verão passado. Segundo a geógrafa Flávia Lins de Barros, coordenadora do Laboratório de Geografia Marinha da UFRJ, o fenômeno da ressurgência começa na região de Cabo Frio. — A ressurgência ocorre por uma combinação de fatores, como a direção dos ventos e a configuração da costa. O vento bate, a água superficial migra, e a água do fundo, mais fria porque não recebe o sol, sobe — diz a professora. Por conta do desenho recortado da costa que vai de Cabo Frio a Arraial do Cabo, os ventos de Sudeste batem nas costas das cidades da Região dos Lagos, e a água gelada vem parar no litoral carioca com as correntes de lá para cá. — Esses ventos lá são mais fortes no verão — frisa Flávia, que acrescenta táticas para não sofrer com águas tão geladas na cidade do Rio. — Talvez a praia à noite tenha uma água menos gelada. Ao longo do dia, mesmo com a ressurgência, pode ser que o calor intenso a aqueça um pouco.