Somos viciados em produtividade? Especialistas explicam febre do Notion e mais

A busca por organização e produtividade nunca foi tão visível. Nas redes sociais, em especial no TikTok e no Instagram, vídeos que mostram rotinas hiperestruturadas, mesas impecáveis e dashboards coloridos acumulam milhões de visualizações. É o chamado productivity porn: conteúdos visualmente atraentes que prometem eficiência máxima, controle absoluto do tempo e sucesso profissional. Aplicativos como Notion, Todoist e Google Agenda deixaram de ser apenas ferramentas e passaram a funcionar como símbolos de um estilo de vida organizado, disciplinado e, teoricamente, bem-sucedido. Nesse cenário, influenciadores ensinam a criar templates complexos, sistemas de metas, trackers de hábitos e bancos de dados para absolutamente tudo: trabalho, estudos, finanças, saúde e até lazer. A estética da produtividade se mistura à identidade digital — ser produtivo não é apenas fazer, mas mostrar como se faz. O problema é que, em muitos casos, o esforço se concentra mais em montar o sistema perfeito do que em executar as tarefas que ele deveria facilitar. A seguir, entenda mais sobre a problemática da produtividade no mundo digital. 5 formas de usar IA para organizar sua rotina que realmente funcionam Canal de ofertas no WhatsApp: confira promoções, descontos e cupons a qualquer hora Somos viciados em produtividade? Especialistas explicam febre do Notion e mais Foto de @kellysikkema para Unsplash Tem como ganhar dinheiro com inteligência artificial? Saiba Mais no Fórum do TechTudo A psicologia por trás da obsessão por produtividade O que está por detrás da psicologia da produtividade? Reprodução / Freepik Para além das telas organizadas e dos sistemas bem desenhados, a febre da produtividade revela motivações psicológicas profundas. Em um cenário marcado por incertezas, excesso de estímulos e cobranças constantes, organizar a rotina pode funcionar como uma estratégia emocional de enfrentamento. Para a psicóloga Andreza Ildefonso, da Universidade Nove de Julho (Uninove), parte do sucesso desse tipo de conteúdo está na sensação imediata de controle que ele oferece em meio ao caos cotidiano. Segundo ela, mesmo quando a pessoa não coloca as dicas em prática, o simples ato de consumir esse tipo de vídeo já gera conforto psicológico. “A vida está caótica, tudo é urgente e as cobranças vêm de todos os lados. Quando alguém diz ‘acorda às 5h, organiza sua rotina e sua vida vai andar’, isso gera conforto. Só de assistir, a pessoa já sente que está fazendo algo por si mesma", explicou. No entanto, esse comportamento pode ultrapassar o limite do saudável. Segundo o psiquiatra Thiago Henrique Roza, doutor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), é possível falar em uso problemático da produtividade, ainda que isso não configure uma dependência formal do ponto de vista clínico. Ele afirma que isso trata de um padrão comportamental disfuncional, marcado pela necessidade constante de monitorar o tempo, otimizar tarefas e buscar desempenho contínuo. Ilusão de controle em tempos incertos Produtividade pode ser somente uma ilusão de controle de tempo Pixabay De acordo com os especialistas, a organização excessiva costuma estar associada à busca por controle. Para Andreza, a estética da produtividade influencia como as pessoas constroem sua identidade profissional, reforçando a ideia de que ser um bom profissional é parecer ocupado o tempo todo. Nesse contexto, agenda cheia, planner bonito, café e notebook passam a comunicar competência, até mesmo quando a pessoa não está saudável emocionalmente. Roza reforça que o problema não está nas ferramentas em si. Para o psiquiatra, aplicativos de organização são neutros e podem ser úteis, desde que não passem a impor uma lógica rígida à vida cotidiana. “O problema surge quando a organização deixa de ajudar e começa a gerar ansiedade, culpa e dificuldade de descanso", disse. Dopamina ao criar sistemas (e não ao executar tarefas) Pessoas ficam mais animadas em criar sistemas perfeitos do que segui-los Reprodução / Freepik Outro ponto levantado pelos especialistas é o prazer associado ao planejamento. Criar sistemas, bater metas e organizar rotinas pode funcionar como um reforço emocional imediato. Segundo Roza, cada meta cumprida ou sistema criado pode gerar sensação de recompensa, envolvendo mecanismos semelhantes ao sistema de recompensa do cérebro, ainda que não existam evidências de que isso funcione da mesma forma que outras dependências comportamentais. Andreza complementa que esse prazer ajuda a explicar por que organizar pode se tornar um fim em si. Para ela, a organização muitas vezes funciona como um alívio para a ansiedade, mesmo que impeça a ação. “É mais fácil listar, arrumar e colorir do que enfrentar o medo de errar, de não dar conta ou de falhar. A organização acalma, mas também pode travar", afirmou. Procrastinação produtiva: quando organizar vira fuga do trabalho real Trabalhadores se frustram, por vezes, mais na organização do que na prática Reprodução / Freepik Esse deslocamento de foco pode levar ao que especialistas chamam de procrastinação produtiva. A pessoa se mantém ocupada, mas evita tarefas difíceis ou emocionalmente exigentes. De acordo com Roza, é comum observar pessoas que passam tempo planejando e ajustando sistemas do que executando de fato, inclusive transformando momentos de lazer em atividades medidas por métricas de produtividade. O resultado são sinais claros de sofrimento psíquico, como dificuldade de se desconectar, perda de flexibilidade diante dos imprevistos, problemas de sono e impactos negativos nas relações interpessoais. O paradoxo da produtividade Entenda paradoxo da produtividade Reprodução/Freepik A exposição constante as rotinas idealizadas nas redes sociais intensifica esse cenário. Para Andreza, existe uma romantização do excesso de organização e do trabalho constante, que transforma o descanso em motivo de culpa. “A organização vira prova de valor pessoal. Só que ninguém mostra o cansaço, a ansiedade e o burnout por trás disso", disse a especialista. Roza acrescenta que esse tipo de conteúdo reforça comparações irreais e expectativas inalcançáveis, criando a sensação de que é preciso estar sempre rendendo - até mesmo ao descansar ou aproveitar a vida. Quando é hora de rever a relação com a produtividade? Entenda quando a produtividade vai longe demais Reprodução/Canva Segundo os especialistas, o principal sinal de alerta aparece quando a busca por desempenho começa a gerar sofrimento, rigidez e perda de qualidade de vida. Andreza defende um discurso mais saudável sobre produtividade, que normalize limites, dias improdutivos e pausas, lembrando que trabalhar também envolve erro e descanso. Roza reforça a ideia com um alerta direto: “Descanso não é prêmio por produtividade, é uma necessidade biológica e psicológica". Entre as orientações estão estabelecer limites claros, criar períodos sem aplicativos de tarefas, respeitar o tempo emocional e investir em hobbies que não sejam medidos por performance. Quando a organização passa a gerar mais sofrimento do que benefício, buscar ajuda profissional é fundamental. Saiba mais Veja também: Como você explicaria a IA para crianças? Estagiário Pergunta!! Como você explicaria a IA para crianças? Estagiário Pergunta!!